16 de setembro de 2022
Desde nosso artigo de 28 de julho, a economia dos EUA vem gerando outra série confusa de sinais. Comecemos pela boa notícia: o PIB do segundo trimestre foi revisado para cima, o sentimento do consumidor melhorou um pouco, os lucros corporativos se recuperaram no segundo trimestre (tendo subido 6,1% no trimestre, depois da queda de 2,2% no anterior),1 a inflação global e a de base se atenuaram ligeiramente, e dois novos regulamentos (a Lei de Redução da Inflação e um decreto presidencial destinado a perdoar dívidas estudantis) foram assinados com vistas a ajudar empresas e famílias.
Todavia, não se trata de um mar de rosas. Uma pesquisa realizada com CEOs em agosto constatou que a expectativa de 81% dos líderes é de recessão.2 E, embora a revisão para cima do PIB do segundo trimestre seja bem-vinda, a medição de –0,6% está precisamente de acordo com o cenário de retração do McKinsey Global Institute. O último relatório sobre ofertas de emprego mostrou que o mercado de trabalho continua aquecido. Apesar de mais pessoas estarem voltando à força de trabalho, isso é uma boa e uma má notícia: o número maior de trabalhadores pode aliviar a escassez de mão de obra, mas também pode gerar mais demanda, atiçando a inflação.3 Além disso, o último índice de preços ao consumidor do Departamento de Estatísticas do Trabalho apontou um aumento da inflação de base. Para um apanhado geral de todas as notícias econômicas dos EUA e do mundo, consulte “Global Economics Intelligence executive summary, August 2022”.
Mais insights da McKinsey em português
Confira nossa coleção de artigos em português e assine nossa newsletter mensal em português.
Em meio a toda essa incerteza, uma tendência tem estado sempre clara: o compromisso declarado da Reserva Federal dos EUA (o Banco Central do país, conhecido como Fed) de combater a inflação usando as ferramentas de que dispõe – taxas de juros mais altas e “aperto quantitativo”. Como disse o presidente do Fed, Jerome Powell, o “foco geral do Fed agora é levar a inflação de volta à nossa meta de 2%. A estabilidade de preços é responsabilidade da Reserva Federal e serve de alicerce à nossa economia. Sem estabilidade de preços, a economia não funciona para ninguém”.4
Essa clareza e esse compromisso podem ter tranquilizado alguns executivos. Entretanto, nem todos aceitam a dimensão do esforço necessário. Pode levar anos para a inflação cair até a meta do Fed. Vejam-se estes comentários do presidente do Banco da Reserva Federal de Nova York: “Acho que as expectativas referentes à inflação estão bem respaldadas. Comunicamos repetidamente nosso compromisso de atingir essa meta de 2%... Hoje, temos muita clareza quanto a isso... A situação é bastante difícil. A inflação está muito alta. A economia, como eu disse, tem muitas contracorrentes. Acho que vai levar alguns anos, mas vamos conseguir”.5
O que isso significa para as empresas dos EUA? É provável que o setor privado esteja entrando em uma nova era de taxas de juros e custos de capital “mais altos por mais tempo”. A boa notícia, se é que podemos chamá-la assim, é que as taxas mais altas, apesar de desagradáveis e possivelmente penosas, estão ficando menos inconstantes e mais definidas. As empresas precisam recorrer ao manual comprovado de sucesso em um contexto de crescimento mais lento, inflação mais alta e capital mais caro. Trata-se de uma grande mudança em relação às atividades dos últimos meses, quando muitas equipes de gestão estiveram apagando incêndios, por assim dizer – encontrando soluções para problemas como o aumento rápido dos custos das matérias-primas e da mão de obra. E, como disse Powell, o presidente do Fed, não será fácil: a mudança para o ambiente de taxas de juros e custos de capital mais altos por mais tempo “será penoso para consumidores e empresas”.6
Nesta atualização, analisaremos duas novas pesquisas da McKinsey (uma sobre consumidores, outra sobre empresas) que mostram as maneiras pelas quais o comportamento do consumidor está e provavelmente continuará afetando os lucros corporativos. Concluiremos com algumas notas de campo sobre o que estamos vendo as empresas fazerem hoje e quatro estratégias que podem ajudá-las a prosperar no contexto de “mais alto por mais tempo”.
Mais alta por mais tempo: o risco da inflação arraigada
Quão alta e por quanto tempo? Essas perguntas estão passando rapidamente à ordem do dia. Sobre a primeira, nosso trabalho recente com centenas de empresas norte-americanas indica que os executivos não devem se preocupar se o próximo aumento da taxa de juros será de 75 pontos-base ou outro valor. O que conta são a taxa terminal e por quanto tempo ela será mantida, já que uma guinada rápida parece improvável. No momento, a expectativa de muitos economistas é de que a taxa de juros básica do Fed atingirá aproximadamente 4% ou um pouco mais, o que equivale a uma taxa preferencial de cerca de 7%.7
Quanto à segunda pergunta, a história pode nos orientar. Alan Blinder, da Universidade de Princeton, observa que, das 11 rodadas de aperto do Fed desde 1965, uma durou três anos, a maioria durou de um a três anos, e apenas uma terminou em menos de um ano.8 Todas, exceto três, resultaram em uma recessão oficial, e apenas uma se enquadrou no que Blinder chama de pouso suave perfeito.
A diferença entre um ano e três ou quatro é imensa, é claro. A principal distinção entre uma resolução rápida e uma batalha prolongada é a medida na qual a inflação vem se arraigando na mente dos consumidores e dos líderes empresariais. Duas novas pesquisas da McKinsey chamam a atenção para os desafios que algumas empresas estão enfrentando no contexto de “mais alto por mais tempo”.
Consumidores: vendo inflação em toda parte
Quando entrevistamos 4 mil consumidores dos EUA em julho, eles estavam alarmados com a rápida chegada da inflação (Quadro 1).
Não é de admirar que os consumidores estejam meio traumatizados. Quando observamos as medidas mais amplas de gastos do consumidor com bens e serviços, vemos que a inflação se espalhou – nos últimos 12 meses, os preços subiram em mais de 90% das categorias, uma taxa de difusão não vista desde a década de 1970 (Quadro 2).
Isso não só cria desafios, mas, como nossos colegas identificaram em sua recente sondagem com consumidores, as percepções destes sobre a inflação podem até superar o próprio índice de inflação. Uma possível implicação desses fatos e percepções é que a inflação mais alta pode se arraigar nas perspectivas dos consumidores – exatamente o fenômeno que a Reserva Federal está buscando evitar.
Em suma, é uma perspectiva assustadora. O sentimento do consumidor melhorou muito ligeiramente em agosto, mas continua no nível mais baixo de todos os tempos (Quadro 3).9
Corporações: a visão prospectiva dos lucros
Quando as empresas divulgaram seus lucros relativos ao segundo trimestre, ficou evidente que a mudança de comportamento dos consumidores está prejudicando os resultados, sobretudo nos setores voltados ao consumidor. O que vem pela frente? Examinamos as estimativas mais recentes dos analistas de ações no que diz respeito às receitas e lucros referentes ao ano inteiro de 2022 e as comparamos com as estimativas feitas por eles no início do ano (Quadro 4). Do lado das receitas, descobrimos que a expectativa do analista mediano é de que a tendência (materiais e commodities em alta, empresas de consumo em baixa) persistirá. Como os analistas de ações pensam em termos nominais (ou seja, sem ajuste pela inflação), isso também foi válido para muitos outros setores, talvez porque os custos inflacionários repassados estão superando as quedas de volume.
A situação dos lucros, no entanto, é bem mais desoladora. A expectativa do analista mediano é de que as margens de EBITDA (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) cairão em quase todos os setores. A expectativa dos analistas é não só de que os setores voltados ao consumidor passarão por dificuldades, mas também de que essas dificuldades se espalharão para a maioria dos outros setores. Para piorar, essa medida dos lucros nem sequer leva em conta os custos mais altos dos empréstimos.
Operar em um contexto de “mais alto por mais tempo”
Temos visto empresas tomarem muitas das providências de curto prazo que nossos colegas descreveram em seu manual para a inflação. Entre as mais comuns estão os reajustes de preços e a gestão da exposição aos custos dos insumos. Algumas empresas também estão tomando medidas voltadas às despesas operacionais. Essas providências de curto prazo podem ajudar muitas empresas. Contudo, estão mais para combate a incêndios do que para instalação de materiais resistentes ao fogo – e, em um contexto de “mais alto por mais tempo”, as empresas também devem pensar em soluções mais estruturais que não apenas gerenciem os custos, mas também desenvolvam resiliência e sejam capazes de promover a geração de valor no longo prazo. Apresentamos abaixo quatro medidas que os líderes empresariais podem cogitar. Trata-se de um programa complexo e difícil, cuja execução exigirá que os líderes desenvolvam novos pontos fortes. Porém, o resultado valerá o esforço e o investimento.
Crescimento: aderir. O crescimento é sempre uma das maiores prioridades dos diretores de empresas, mas, para muitos, permanece difícil de atingir. Na verdade, cerca de um quarto das empresas não cresce, em muitos casos porque os líderes deixam de fazer uma busca ampla de oportunidades de crescimento e depois ficam cautelosos, muitas vezes concentrando-se em umas poucas iniciativas. A inflação e o aumento do custo do capital tornaram ainda mais difícil saber onde investir. Em um momento econômico como o atual, uma abordagem estruturada do crescimento é primordial.
Os executivos com desempenho superior rompem a poderosa força da inércia priorizando o crescimento, uma opção que molda o comportamento, a mentalidade, o apetite pelo risco e as decisões de investimento em toda a organização. Curiosamente, nossa pesquisa mostra que os líderes orientados ao crescimento reagem de maneira decidida a disrupções de curto prazo que podem ser transformadas em oportunidades – o que chamamos de “solavancos oportunos” – e desenvolvem resiliência e agilidade organizacionais para responderem à mudança e tirarem proveito da disrupção. Um contexto de “mais alto por mais tempo” é exatamente o tipo de solavanco no crescimento que as empresas líderes reconhecem e aproveitam.
Talentos: fechar as lacunas entre a oferta e a demanda. Mesmo neste contexto, muitas empresas continuam contratando. No entanto, nossa pesquisa indica que os pools de talentos de muitos setores estão se exaurindo à medida que os funcionários mudam para outras áreas, buscam oportunidades não tradicionais, como trabalhos temporários, ou abandonam totalmente a força de trabalho. A escassez de profissionais com know-how digital é particularmente aguda: em nossa pesquisa recente, quase 90% dos diretores disseram não ter habilidades digitais adequadas.
As empresas líderes estão adotando diversas abordagens para fortalecer sua força de trabalho. Muitas têm procurado motivar os profissionais com atribuições mais plenas de sentido e melhores oportunidades de avanço na carreira. Frequentemente, essas abordagens andam de mãos dadas com o treinamento em habilidades que as empresas têm dificuldade em encontrar. Algumas estão optando por reduzir a ênfase nos requisitos de educação e experiência pertinente (ou descartá-los) e contratar profissionais com histórico fora do convencional – provenientes de outros setores, com formação superior em áreas correlatas, egressos de faculdades e universidades menosprezadas – que estejam prontos para aprender. Também estamos vendo empresas agilizarem seu processo de contratação e melhorarem a experiência dos candidatos para atraírem um número maior deles e elevarem as taxas de conversão.
E há indícios de que melhorar a experiência emocional dos profissionais no trabalho pode promover mais a retenção do que os empregadores imaginam. Pesquisas da McKinsey com gerentes e funcionários constataram que, muitas vezes, os empregadores não entendem por que os trabalhadores saem do emprego. Em particular, os empregadores tendem a superestimar os fatores “transacionais”, como remuneração e desenvolvimento, e subestimar os elementos “relacionais” – o sentimento de ser valorizado pelos gerentes e pela organização, o companheirismo de colegas de equipe com base na confiança, o senso de pertencimento, horários de trabalho flexíveis –, que os funcionários afirmam ser os mais importantes. As empresas que conseguem criar esse tipo de propósito repleto de sentido podem se beneficiar de mais coesão e resiliência organizacionais.
Sustentabilidade: manter o rumo. Em uma economia em desaceleração, com as margens sob pressão e os custos de capital muito mais elevados, será que as empresas devem investir na sustentabilidade? Nossa resposta é afirmativa. Em um ambiente economicamente restrito, uma visão da sustentabilidade ao longo de todo um ciclo pode ser uma ferramenta para as empresas desenvolverem resiliência, reduzirem os custos e gerarem valor.
As empresas de setores difíceis de descarbonizar podem proteger suas atividades principais desenvolvendo resiliência contra os riscos da transição. Definir um valor preciso na atual volatilidade dos preços dos combustíveis fósseis pode tornar os investimentos em sustentabilidade mais econômicos. E a transição para portfólios de ativos e produtos mais ecológicos pode proteger contra a perda de clientes, à medida que os padrões fiquem mais rígidos. Ademais, em uma economia em desaceleração, uma estratégia de sustentabilidade robusta pode acelerar o crescimento por meio da geração de valor. As empresas podem ajustar seu portfólio de negócios para capturarem maiores parcelas de segmentos com grande potencial de crescimento ecológico, enquanto outras podem lançar negócios ecológicos totalmente novos. Produtos e propostas de valor ecológicos também podem permitir que as empresas se diferenciem e ganhem participação de mercado ou cobrem preços mais altos.
Supply chain: reconstruir com vistas à resiliência e à eficiência. Para muitos líderes, a pandemia de COVID-19 revelou uma dura verdade sobre as abordagens modernas de gestão do supply chain: a concepção desses enormes sistemas para que tivessem alta eficiência introduziu vulnerabilidades neles. Deficiências operacionais, como a dependência excessiva de certos fornecedores, os baixos estoques de produtos críticos e as redes de produção sobrecarregadas, deixaram as empresas expostas a escassez e disrupções. Muitos líderes de supply chain expressaram a intenção de tornar os supply chains mais resilientes, e muitos o fizeram – embora muitas vezes da maneira mais conveniente possível, aumentando os estoques. As empresas podem tomar outras medidas mais complexas para aumentarem a resiliência. Por exemplo, nossa experiência indica que reconfigurar as redes de fornecimento reduz os custos em 4% a 8%.
Ademais, as empresas podem aumentar a resiliência e, ao mesmo tempo, obter economias adicionais de supply chains já enxutos. Descobrimos que uma avaliação atenta das vulnerabilidades de um supply chain pode revelar oportunidades de reduzir os gastos com fornecedores de alto risco em 40% ou mais. Ajustar os modais e as rotas de transporte e a área de distribuição levando em conta tensões comerciais, tarifas, possíveis problemas de desembaraço aduaneiro e prováveis disrupções também pode reduzir os custos do transporte em cerca de 25%. Há também as vantagens de reformular os produtos com desenhos modulares que envolvam componentes fáceis de encontrar, em vez de altamente customizados. Isso pode resultar em um aumento de 25% na margem, ao mesmo tempo em que se diminuem os riscos decorrentes de depender de poucos fornecedores.
A situação está ficando mais complicada. Com o acúmulo de indícios contraditórios, continua difícil demais fazer previsões sobre a economia dos EUA. As empresas devem recorrer ao planejamento de cenários e preparar um conjunto de medidas de longo prazo que as ajude a prosperar em um contexto de “mais alto por mais tempo”.