Um road map para digitalizar source-to-pay

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Verão de 2021. O departamento de engenharia finalizou o projeto conceitual de um componente crítico de um produto da próxima geração. A equipe de compras insere as especificações em um sistema de sourcing baseado em analytics, que interpreta o documento e – recorrendo a sua base de dados de fornecedores e resultados de iniciativas anteriores de sourcing – identifica três fornecedores atuais, além de duas empresas adicionadas recentemente, capazes de produzir a peça.

Em seguida, o sistema prepara automaticamente um pedido eletrônico de cotação e o envia aos fornecedores potenciais. O sistema faz uma revisão automática das cotações recebidas, baseando sua análise em modelos internos de custo clean sheet de todas as peças, juntamente com dados sobre as capacidades e os custos estruturais de cada fornecedor. O relatório assim gerado destaca os principais pontos de negociação para a equipe de compras – e o sistema continua a rever seus modelos e orientações à medida que as negociações avançam.

Depois de iniciado o fornecimento, o sistema de sourcing monitora continuamente os fornecedores vencedores, abrangendo não apenas sua performance de qualidade e entrega, mas também seu progresso em relação à redução constante de custos acordada durante o processo de sourcing. As exceções desencadeiam uma série de ações de mitigação automatizadas e a equipe de Compras é alertada somente se essas ações não conseguirem corrigir o fornecimento.

Esse cenário está mais próximo da realidade do que se poderia supor – talvez bem antes do “verão de 2021”. Grande parte das compras de consumo já foi digitalizada, e algumas até automatizadas: impressoras equipadas com sensores e conectadas à internet detectam quando o nível de tinta está baixo e encomendam cartuchos de reposição, sem nenhuma intervenção do usuário.

As grandes empresas não têm tido tanto sucesso assim. Apesar do significativo interesse e investimento, as abordagens tradicionais à automatização do source-to-pay (ver sidebarDefinição de source-to-pay”) ainda não cumpriram a promessa de um processo totalmente digital, que exija o mínimo de envolvimento humano.

Mas isso pode estar prestes a mudar. Várias tecnologias emergentes, incluindo automação robótica de processos (RPA), machine learning e programas avançados de inteligência artificial, ou “agente cognitivos”, têm o potencial de superar as barreiras à automação no ambiente empresarial. Ao aplicar uma nova forma de análise às centenas de tarefas envolvidas no processo source-to-pay, constatamos que quase 60% delas têm possibilidade de serem total ou parcialmente automatizadas, usando tecnologias já disponíveis. É de importância fundamental o fato de termos encontrado significativo potencial de automatização não apenas em atividades transacionais, como processamento de pedidos e faturas, mas também nos elementos estratégicos do sourcing, como seleção e gestão de fornecedores.

O retorno de um processo robusto e automatizado e completo de source-to-pay pode ser elevado. Benchmarks da indústria indicam que a maioria das organizações desperdiça de 3 a 4% de seus gastos externos totais com custos excessivos de transação, ineficiência e noncompliance (Quadro 1). Para uma organização com gastos anuais de US$2 bilhões, eliminar essa perda poderia significar a injeção de US$70 milhões anuais diretamente no lucro.

Quadro 1

Papel das tecnologias emergentes na automação de source-to-pay

Avanços em software e inteligência artificial ampliaram enormemente o número de atividades passíveis de automação e o grau possível de automação. Para exemplificar, o McKinsey Global Institute constatou que, em todas as ocupações, atividades que representam 46% do tempo dos trabalhadores dos EUA poderiam ser automatizadas mediante o uso de tecnologias já demonstradas.1

Acreditamos que cinco tecnologias emergentes são particularmente pertinentes ao processo source-to-pay:

  • Automação robótica de processos (RPA): utiliza regras simples para emular tarefas repetidas que, de outra forma, seriam executadas por usuários humanos de software. Uma das grandes vantagens da RPA é que, diferentemente das abordagens tradicionais de integração de sistemas que exigem acesso a cada código relevante do respectivo software, o bots que executa tarefas específicas precisaria apenas acessar outro software, da mesma forma que um ser humano faria. Uma das consequências desse aspecto é que o bots somente consegue executar tarefas nas situações em que não há espaço para interpretação – mas muitas tarefas do source-to-pay (como a carga e aprovação de faturas) são suficientemente inequívocas para fazer a implementação valer a pena.

    Assim, RPA pode ajudar as empresas a “costurar” seus sistemas já existentes, eliminando intervenções manuais de baixo valor nas interfaces entre os sistemas e os passos do processo. Uma grande empresa de materiais básicos verificou que, ao utilizar bots para digitalizar e codificar códigos diretamente em seu sistema básico de planejamento de recursos de empresa (ERP), ela poderia reduzir em 80% os custos de processamento de faturas.

  • Algoritmos de machine-learning:, ao contrário de RPA, podem lidar com tarefas que envolvem regras complexas e exigem algum tipo de reconhecimento de padrões para serem executados corretamente. Desse modo, machine learning se presta a tarefas que tradicionalmente exigem algum grau de discernimento humano, como a designação de transações a categorias e subcategorias formais de gastos – um primeiro passo crucial para revelar oportunidades de sourcing. Uma instituição financeira que está implementando machine learning para essa applicação conseguiu aumentar enormemente a exatidão e a velocidade de análises essenciais, como a concentração de gastos por fornecedor de uma dada categoria. Como resultado, a instituição passou a identificar economias em compras com muito mais velocidade do que anteriormente.

    Em uma empresa global de serviços de tecnologia, machine learning passou a nortear sua abordagem de negociação, rastreando e avaliando o sucesso de diferentes táticas de negociação em diferentes cenários. Os padrões resultantes levam a recomendações específicas sobre qual tipo de negociação provavelmente terá o maior sucesso em um determinado contexto.

  • Fluxo de trabalho inteligente refere-se a tecnologias capazes de interligar tarefas realizadas por diferentes pessoas e máquinas em um processo coerente com transferências bem definidas – até mesmo se a combinação de tarefas diferir acentuadamente de caso a caso, como nos processos de gestão de riscos na qualificação de fornecedores. Uma empresa de serviços de negócios está pilotando uma solução de fluxo de trabalho inteligente que distribui dinamicamente o trabalho entre os sistemas de compras e financeiro, de acordo com qualquer que seja a lógica de gestão de riscos que se aplica a um determinado contrato de suprimento. Em seguida, o sistema determina a designação de tarefas a todos os participantes das atividades de integração, avaliação de riscos e certificação de fornecedores, podendo até abranger a performance de fornecedores.

  • Processamento de linguagem natural (NLP) são tecnologias que processam dados de textos e constituem uma maneira conveniente para os compradores documentarem os requisitos sem recorrer a menus verticais ou listas estruturadas. Essas tecnologias já estão em uso em ambientes de consumo, direcionando os clientes a recursos adequados de suporte técnico ou extraindo insights sobre performance de produtos em mídia social. Na área de compras, elas podem ajudar a organizar muitos tipos de informações não estruturadas.

    O exemplo do início deste artigo pode soar como ficção científica, mas uma multinacional europeia já está conduzindo pilotos dessas tecnologias (em combinação com RPA) para digitalizar sua abordagem de sourcing para seus gastos long-tail – a longa lista de pequenas compras que, juntas, podem representar apenas alguns pontos percentuais do orçamento. Robôs em cada grande categoria de gastos externos processam os pedidos recebidos, usando NLP para interpretar texto em forma livre e encontrar a correspondência entre os requisitos do pedido e grupos específicos de fornecedores. Em seguida, o sistema de compras envia automaticamente solicitações de cotação, que o robô pode comparar. Um comprador interno é avisado assim que as cotações são recebidos, para poder decidir qual pedido aceitar com base nas informações fornecidas pelo robô.

  • Agentes cognitivos: podem ser implementados sempre que for preciso pesquisar rapidamente uma base de conhecimento profundo para definir o melhor curso de ação. Os chatbots, que várias instituições de serviços financeiros estão usando para auxiliar o pessoal de contact centers, podem responder a uma ampla gama de consultas de clientes, selecionando respostas apropriadas dentro um conjunto previamente documentado de respostas. No processo source-to-pay, muitos help desks de fornecedores e de compras de empresas envolvem tipos semelhantes de interações, apontando para uma solução similar.

    À medida que se aprimoram, as capacidades dos agentes cognitivos também podem tornar-se úteis até para tarefas mais complexas, como a estimativa do potencial de sourcing global de um item, comparando seu custo, qualidade e requisitos tecnológicos com bases de dados de produtos e decisões de sourcing semelhantes. Ao analisar as capacidades de fornecedores, os agentes cognitivos podem até ser capazes de fazer recomendações sobre a seleção de fornecedores específicos.

O potencial de automação do source-to-pay

Por ser um conjunto muito complexo e diversificado de atividades, até agora não estava claro exatamente quanto do processo completo de source-to-pay poderia ser automatizado ou onde estavam as principais fontes de valor.

Desta forma, procedemos a um novo tipo de análise, decompondo o source-to-pay em um grande número de tarefas separadas. Isso nos permitiu avaliar o grau de facilidade de automatização de cada tarefa usando as tecnologias atualmente disponíveis, e quais tipos dessas tecnologias são os mais apropriados para atingir o nível desejado de automatização.

Para tanto, utilizamos um “framework de capacidades” criada por nossos colegas do McKinsey Global Institute. 2 Esse framework classifica as capacidades usadas por seres humanos para realizar diferentes tarefas em 18 grupos específicos (Quadro 2).

Quadro 2

Os requisitos de automatização de qualquer tarefa dependem da combinação específica de capacidades requeridas, juntamente com a complexidade relacionada às capacidades em questão. Algumas tarefas, por exemplo, exigem um grau moderado de reconhecimento de padrões (como é o caso das funções de pesquisa de dados usadas em planilhas), enquanto outras podem exigir a capacidade de reconhecer padrões altamente complexos (como ocorre na avaliação de quais fornecedores têm maior probabilidade de deixarem de ser uma fonte contínua de fornecimento).

Visualização do potencial do processo completo de source-to-pay

Mapeamos os requisitos de complexidade de cada uma das 18 capacidades usando uma taxonomia altamente granular de 240 itens, abrangendo todas as tarefas do processo completo de source-to-pay. Embora a maioria das 18 capacidades seja necessária em muitas etapas do processo, o grau de complexidade relacionado a elas é relativamente baixo. Na maioria dos casos, as tecnologias já existentes podem suprir esses requisitos. Nossa abordagem mostra que, no total, 56% das tarefas referentes ao processo source-to-pay podem ser automatizadas por completo ou em grande parte usando tecnologias existentes. Trata-se de uma constatação importante, indicando que as atividades de source-to-pay, como um todo, são mais passíveis de automatização do que um emprego típico nos EUA.

Como seria de esperar, a oportunidade de automatização é maior nas partes mais transacionais do processo: em colocação e recebimento de pedidos, 88% das tarefas podem ser automatizadas e essa proporção sobe para 93% em processamento de pagamentos. Além disso, até os elementos estratégicos de source-to-pay apresentam considerável potencial de automatização. Nossa análise mostra que 47% das atividades de seleção e negociação com fornecedores podem ser automatizadas (Quadro 3).

Quadro 3

Escolha das tecnologias de automatização certas

Embora cada tarefa do processo total de source-to-pay precise ser avaliada individualmente, é possível fazer algumas generalizações por meio da comparação dos requisitos das diferentes partes do processo com as capacidades oferecidas por diferentes abordagens de automação (Quadro 4):

Quadro 4
  • As tecnologias NLP se aplicam a muitas tarefas do processo, funcionando como uma ponte entre inputs humanos e os mais estruturados dos dados usados por máquinas.
  • RPA é mais aplicável às atividades de cunho mais transacional relativas às atividades de “compra à fatura” e de “fatura ao pagamento”.
  • Os fluxos de trabalho inteligentes se aplicam a atividades transacionais mais complexas, sobretudo em gestão de fornecedores, com seu alto grau de informações contextuais e sua necessidade de coordenar vários participantes.
  • As capacidades de machine learning e agente cognitivo se aplicam melhor às atividades mais complexas relacionadas às partes iniciais do processo source-to-pay, como formulação de estratégias de categorias de gastos e identificação e seleção de fornecedores potenciais.

The next-generation operating model for the digital world

Ponto de partida da automatização de source-to-pay

Para as empresas, o próximo passo é identificar os melhores alvos de automatização em seus próprios processos. Para tanto, as organizações podem avaliar primeiramente o nível atual de automatização já implementado em comparação com o que é tecnicamente viável em cada tarefa do processo source-to-pay. Com isso, elas podem estimar o valor proporcionado pela eliminação de cada lacuna.

Esse valor é proveniente tanto da quantidade de trabalho que pode ser automatizado como das prováveis melhorias em compliance, tempos de ciclo e prazos de pagamento relacionadas a cada passo. Os eventuais ganhos precisam ser cotejados com o custo e a complexidade da implementação de tecnologias adequadas. As soluções de automação robótica de processos e fluxo de trabalho inteligente provavelmente são de implementação mais rápida e barata do que tecnologias sofisticadas como machine learning e agentes cognitivos, por exemplo.

O quadro emergente do processo completo permitirá comparar os benefícios relacionados a cada um dos passos com o custo e a dificuldade de automatizá-los.


O cenário digital avança com celeridade. As empresas que estiverem preparadas para experimentar, adotando uma abordagem cuidadosa e focada à aplicação dessas tecnologias provavelmente obterão economias de até 3,5% de todos os gastos externos. E o mais importante, ao liberar as equipes de sourcing de tarefas rotineiras, a automação permite que elas dediquem mais tempo à busca de fontes inovadoras de valor adicional.

Uma versão anterior deste artigo foi publicada na McKinsey Operations Extranet.

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