Imagine ter que enfrentar um incêndio florestal durante um terremoto, com um furacão a caminho. Mesmo que os CEOs estivessem enfrentando apenas o espectro de uma recessão iminente e de uma inflação alta e persistente, isso já seria um desafio desalentador. Hoje, porém, esses novos choques vieram somar-se a todas as perturbações decorrentes da pandemia e da disrupção das cadeias de suprimentos, que reforçaram – e muitas vezes aceleraram – tendências que vêm de longa data, como digitalização, sustentabilidade e a crescente influência do consumidor.1 Além disso, como crises anteriores demonstraram, empresas excessivamente focadas em medidas defensivas de curto prazo correm o risco de deixar de lado iniciativas vitais para acompanhar o ritmo do mercado, alcançar metas de longo prazo e até obter algumas vitórias rápidas inesperadas.2
Tempos excepcionalmente desafiadores exigem abordagens excepcionais – não respostas padronizadas. O design oferece essa nova perspectiva. Pesquisa da McKinsey mostrou que as empresas que incorporam o valor do design o negócio são as mais aptas a reagir a cenários em mudança e a melhorar seu desempenho. De 2013 a 2018, o retorno total dos acionistas nessas empresas foi 56 pontos percentuais superior ao daquelas que não dão importância ao design.3 Além disso, empresas que continuaram ou aumentaram seus investimentos em inovação durante a recessão de 2008-09 geraram três vezes mais crescimento que seus pares do setor nos três a cinco anos seguintes – passando à frente de seus concorrentes em muitos casos.4 Esses resultados fazem sentido, visto que recessão não significa que os mercados e as necessidades dos clientes pararam subitamente de evoluir. Na verdade, essas evoluções costumam acelerar durante uma retração.
Por esses motivos, acreditamos que o design deve juntar-se a outros tópicos –como finanças, estratégia e talentos – na agenda dos CEOs. Neste artigo, examinamos exemplos específicos em que o design tem potencial para criar valor significativo e aumentar a resiliência da organização. Os executivos podem utilizar a função de design para liberar o poder da criatividade na estratégia e na resolução de problemas em pelo menos cinco áreas importantes (Quadro).
Preservar o fluxo de caixa
- O desafio do CEO. Cortes substanciais no orçamento são necessários para cumprir as expectativas de fluxo de caixa.
- A abordagem mais comum. Interromper, totalmente ou em parte, o desenho e o desenvolvimento de produtos.
- Solução de design nº 1. Priorizar um ou dois produtos, que continuarão avançando a pleno vapor, com base em pesquisas da equipe de design sobre os usuários e o impacto nos negócios.
- Solução de design nº 2. Interromper o desenvolvimento de novos produtos, mas promover um novo marketing digital centrado no usuário.
Diante de uma retração da economia, os executivos podem ser tentados a “jogar na defesa” e tentar se resguardar, interrompendo todas ou a maioria das iniciativas de inovação a fim de conservar recursos. No entanto, pesquisa da McKinsey mostra que as empresas de melhor desempenho – as “resilientes” – jogam tanto na defesa como no ataque.5 Elas devem se opor a cortes indiscriminados, pois algumas iniciativas podem conter as sementes de uma vantagem de mercado estendida; na verdade, algumas empresas de alto crescimento foram fundadas em períodos de crise econômica.6
Porém, como uma organização pode distinguir os projetos de alto potencial dos demais? E o que deve fazer para extrair mais desses investimentos? O design pode ajudar de algumas maneiras. As empresas podem priorizar um ou dois produtos a serem levados adiante a todo vapor, com base em pesquisas da equipe design sobre as preferências dos usuários e o impacto nos negócios. Com isso, os recursos liberados pela suspensão dos outros produtos poderão ser alocados para o marketing digital centrado no usuário a fim de conectar melhor os produtos aos consumidores – uma abordagem de baixo custo, com retorno elevado do investimento, capaz de oferecer benefícios significativos.
Por exemplo, um banco de varejo havia planejado criar uma série de novos e sofisticados fundos de investimento para os clientes mais valiosos. Mas, ao se depararem com uma recessão, os executivos mudaram de rumo, pausaram a iniciativa e redirecionaram parte do orçamento que haviam reservado. Isso permitiu que os designers entendessem mais a fundo as implicações dos novos comportamentos do cliente e implementassem um marketing mais centrado no usuário para os produtos existentes. Um estudo das necessidades dos clientes levou o banco a deixar de “empurrar produtos” e optar por educar os consumidores sobre finanças, capacitando-os a tomar decisões mais confiáveis e mais alinhadas com seus objetivos de vida. Essa abordagem aumentou as vendas em 25% e conquistou a confiança dos consumidores – e a receita gerada foi equivalente às estimativas iniciais do desenvolvimento de novos produtos.
Elevar o planejamento de cenários na estratégia
- O desafio do CEO. A direção estratégica atual precisa ser adaptada para dar conta de um alto grau de incerteza.
- A abordagem mais comum. Adotar uma abordagem analítica, do “hemisfério esquerdo do cérebro”, para gerar cenários.
- Solução de design. Complementar a abordagem analítica com design thinking para explorar outros resultados.
A turbulência dos novos choques e disrupções, que se somou a tendências de longa data, tem provocado incertezas excepcionalmente amplas e profundas. Nesses momentos, o planejamento tradicional de cenários pode se revelar analítico demais e correrá o risco de sucumbir a alguma “falha de imaginação”.
A solução, portanto, é o CEO garantir que o planejamento de cenários ajudará a trazer à tona insights que orientem a estratégia em meio à incerteza. E, ao integrar insights centrados no usuário, o design poderá ajudar a empresa a considerar uma gama mais ampla de possibilidades e dar-lhes vida de forma mais tangível.7 Os designers são colaboradores naturalmente curiosos, imaginativos e instintivos. Se adotarem uma abordagem interdisciplinar com outras funções estratégicas, poderão ajudar a prever a ocorrência da próxima crise, elaborar cenários de disrupção, encontrar maneiras de se preparar para eles e catalisar a convicção para agir. Essa abordagem permitirá que a organização se mantenha à frente da concorrência.
Por exemplo, uma empresa de materiais e produtos de construção formou uma equipe multifuncional, incluindo designers, para liderar o desenvolvimento da estratégia. A equipe identificou três tendências de 15 anos com potencial de provocar variações de valor de 10% a 15% – equivalente a mais de 1% do PIB global – em toda a cadeia de valor da construção civil. Esse exercício levou a empresa a ajustar sua estratégia e seu modelo operacional para buscar novas oportunidades.
Gerenciar os riscos da cadeia de suprimentos
- O desafio do CEO. Disrupções na cadeia de suprimentos ameaçam a capacidade da organização de garantir o fornecimento e atender à demanda.8
- A abordagem mais comum. Tentar encontrar fornecedores alternativos ou de reserva.
- Solução de design. Eliminar as peças mais difíceis de obter redesenhando os produtos com base nas necessidades dos usuários.
Durante a maior parte do ano passado, as empresas foram assoladas por disrupções na cadeia de suprimentos, e as mudanças climáticas só irão piorar sua confiabilidade. Uma resposta comum tem sido enviar equipes de engenharia para trocar fornecedores ou peças a fim de mitigar a situação – uma linha de ação que geralmente exige uma dispendiosa revalidação das peças.
Muitas vezes, uma solução melhor é redesenhar os produtos suscetíveis aos riscos na cadeia de suprimentos. Ao permitir e validar uma variedade maior de peças ou ao eliminar totalmente componentes desnecessários, o design pode criar produtos mais resilientes, reduzir custos e limitar os problemas de entrega.
Por exemplo, um fabricante de equipamentos industriais enfrentava escassez de semicondutores, inclusive para sensores do nível de óleo. Os engenheiros vinham trabalhando até altas horas da noite para encontrar e testar fornecedores alternativos de sensores. A equipe de design estudou a utilização dos produtos em campo e analisou os dados de uso extraídos do software do cliente. Os resultados mostraram que menos de 5% dos clientes utilizavam o sensor de óleo porque a inspeção física do nível de óleo era obrigatória na maioria dos casos. A equipe de design recomendou eliminar o sensor e introduzir uma vareta mais bem desenhada que permitisse leituras mais precisas.
Elevar o nível da sustentabilidade e das práticas ambientais, sociais e de governança (ESG)
- O desafio do CEO. A importância da sustentabilidade e do ESG continua aumentando, mas investimentos nessas áreas são pressionados em épocas de dificuldade econômica.
- A abordagem mais comum. Tentar não ceder a pressões, e preservar as práticas de ESG durante uma retração da economia.
- Solução de design. Adotar o “design compacto” [skinny design] para reduzir simultaneamente os custos dos produtos, os custos de transporte e a pegada de carbono.
Se decidirem limitar as iniciativas de ESG para reduzir os custos durante uma recessão, as empresas podem perder oportunidades de criar novos produtos ou serviços.9 Os líderes empresariais podem agir com muito mais ousadia. Se adotarem o design compacto10 para reavaliar produtos e embalagens, as empresas poderão simultaneamente reduzir os custos dos produtos, os custos de transporte e a sua pegada de carbono. Uma vantagem adicional é que muitas vezes os elementos de design compacto podem ser implementados rapidamente e com pouco investimento, além de motivarem a equipe de design a cumprir a missão da empresa.
Produtos que foram redesenhados para melhorar a sustentabilidade demonstram o valor potencial do design compacto. Por exemplo, um xampu é 90% água e, portanto, um redesenho ousado que vimos foi oferecer o produto em forma de pó, que produz espuma quando misturado com água, e pode ser embalado em uma caixa muito menor. A nova versão permite à empresa enviar mais produtos no mesmo contêiner, reduzindo sua pegada de carbono sem deixar de oferecer uma experiência excelente – e possivelmente até melhor – para o consumidor.11
Promover a eficiência interna
- O desafio do CEO. É imperativo aumentar a produtividade e reduzir os custos gerais e administrativos.
- A abordagem mais comum. Implantar uma metodologia “enxuta” tradicional.
- Solução de design. Aplicar a mesma abordagem de design utilizada para otimizar a experiência do cliente a fim de agilizar os processos internos.
Muitas empresas dedicaram recursos substanciais ao aprimoramento de seus processos voltados para o cliente (por exemplo, abrir uma conta bancária ou solicitar crédito imobiliário) e têm hoje a oportunidade de direcionarem essa mesma visão de design para os processos internos: acelerando-os, reduzindo a ineficiência e encantando os funcionários e “clientes” internos.
A função de design pode focar os processos internos adotando uma abordagem multifuncional e colaborativa para descobrir necessidades não atendidas e formular soluções. Esse caminho oferece múltiplas perspectivas sobre um problema e aumenta o engajamento de toda a força de trabalho.
Uma mineradora recém-reestruturada enfrentava dificuldades financeiras e já havia reduzido o número de funcionários da linha de frente em 20%. Os trabalhadores restantes estavam se sentindo sobrecarregados e o estado de ânimo só piorava. Uma equipe de design começou a trabalhar com o pessoal da linha de frente para entender suas frustrações e codesenhar soluções tecnológicas. A partir disso, a empresa introduziu novas ferramentas digitais que substituíram procedimentos ineficientes em papel. O resultando foi um aumento anual de produtividade equivalente a 76 horas adicionais de trabalho para cada funcionário e um retorno de US$ 6 milhões decorrente do aumento do tempo de utilização dessas ferramentas. A empresa também melhorou a segurança mediante novos sistemas de diagnóstico e conscientização de perigos, levando a um aumento de 280% no número de ameaças relatadas. Essas inovações tiveram o benefício adicional de melhorar o engajamento e o estado de ânimo dos funcionários, dando voz aos trabalhadores da linha de frente e permitindo que participassem do desenho e da implementação dos novos sistemas tecnológicos.
O poder do design é evidente – e não apenas quando a economia vai bem. Para muitos CEOs, o design representa uma oportunidade inexplorada que merece um papel de mais destaque em suas empresas e na agenda estratégica.