MGI Research

Fluxos globais: as correntes que unem um mundo interconectado

| Artigo para Discussão

Observação: Nós nos empenhamos ao máximo para manter o espírito e as nuances originais de nossos artigos. Porém, pedimos desculpas desde já por quaisquer erros de tradução que você venha a notar. Seu feedback é bem-vindo através do e-mail reader_input@mckinsey.com.

Nosso mundo é interdependente, conectado por fluxos globais de bens, serviços, capital, pessoas, dados e ideias. Cadeias de valor globais foram construídas a partir desses fluxos, criando um mundo mais próspero. No entanto, à luz da pandemia, da invasão da Ucrânia pela Rússia e da crescente tensão entre Estados Unidos e China, alguns têm especulado que o mundo já está se desglobalizando. Uma nova análise do McKinsey Global Institute encontrou uma realidade mais matizada. O mundo continua profundamente interconectado e os fluxos se mostraram notavelmente resilientes durante as últimas turbulências. Além do mais, nenhuma região é autossuficiente. O desafio, portanto, é aproveitar os benefícios da interconexão e, ao mesmo tempo, gerenciar os riscos e as desvantagens da dependência – principalmente quando os produtos estiverem concentrados em seu local de origem.

Mais insights da McKinsey em português

Confira nossa coleção de artigos em português e assine nossa newsletter mensal em português.

Navegue pela coleção

Esta nova pesquisa nos proporciona uma visão dos fluxos que impulsionam a integração global e uma avaliação do importante papel das corporações multinacionais e dos riscos da interdependência e da concentração. O estudo é baseado em uma avaliação abrangente dos fluxos comerciais (30 cadeias de valor globais, abrangendo recursos naturais, bens manufaturados e serviços) e de capital, pessoas e bens intangíveis, além de uma análise de cerca de 6.000 produtos comercializados em escala global.

Embora o comércio mundial tenha se estabilizado, os fluxos de conhecimentos e de know-how estão impulsionando a integração global

Fluxos comerciais e de pessoas, capital e dados unem o mundo, como o MGI vem documentando desde o início dos anos 2010. Ao longo da última década, novos fluxos envolvendo conhecimentos e know-how ganharam destaque.

O crescimento dos fluxos globais está agora sendo impulsionado por bens intangíveis, serviços e talentos, que pegaram o bastão do comércio de mercadorias, cujo crescimento como share da economia global se estabilizou por volta de 2008, após 30 anos de rápida expansão. Entre 2010 e 2019, os fluxos de serviços, estudantes internacionais e propriedade intelectual cresceram cerca de duas vezes mais depressa que os fluxos de mercadorias – sendo que os fluxos de serviços que incorporam conhecimento (incluindo serviços profissionais, governamentais, de TI e de telecomunicações) vêm crescendo ainda mais rapidamente. Os fluxos de dados, por exemplo, vêm crescendo quase 50% ao ano (Quadro 1).

1
Fluxos globais: as correntes que unem um mundo interconectado

Apesar da disrupção provocada pela pandemia de COVID-19, a maioria dos fluxos globais continuou a crescer – alguns aceleradamente – em 2020 e 2021. No geral, os fluxos de bens intangíveis, mercadorias e capital aumentaram, e sua resiliência relativa foi essencial para enfrentarmos as turbulências da pandemia. Os fluxos de dados atingiram picos históricos e, o que é mais crucial, tornaram possível o trabalho remoto e o funcionamento ininterrupto das empresas em um momento em que locomover-se havia se tornado praticamente impossível. O comércio de bens manufaturados permitiu que várias regiões continuassem consumindo enquanto buscavam superar as disrupções nas bases de produção locais. Por exemplo, as cadeias de suprimentos asiáticas foram capazes de compensar a queda na produção das cadeias de suprimentos ocidentais em 2020. O comércio de bens manufaturados atingiu um recorde em 2021, apesar de ocorrerem novas disrupções nas cadeias de suprimentos justamente quando o aumento dos gastos dos consumidores passara a exigir mais delas. De fato, a demanda por bens atingiu recordes históricos, pois os consumidores puseram-se a gastar mais em bens e menos em serviços nos períodos de lockdown e distanciamento social. Em 2022, projeta-se que o comércio de bens continue crescendo mais depressa que o PIB, a despeito de novas disrupções.

Nenhuma região está perto de ser autossuficiente

Todas as regiões hoje importam pelo menos 25% (em termos de valor agregado) de um ou mais recursos naturais ou bens manufaturados importantes de que necessita – e esse percentual pode ser bem maior (Quadro 2).

2
Fluxos globais: as correntes que unem um mundo interconectado
  • A região da Ásia-Pacífico, incluindo a China, é a principal exportadora de bens manufaturados do mundo e a maior fornecedora de produtos eletrônicos, mas importa mais de 25% dos recursos energéticos de que precisa, bem como vários bens intermediários essenciais. São os recursos energéticos do Oriente Médio e da Rússia que movem a China e a Índia. Por sua vez, a China importa mais de 25% dos minerais de que necessita, sendo que os maiores corredores minerais do mundo partem da Austrália, Brasil, Chile e África do Sul para fornecer insumos aos polos manufatureiros chineses. E a Europa e a América do Norte fornecem grande parte do maquinário avançado e do know-how intangível que tornam possível a produção de produtos eletrônicos avançados, como semicondutores.
  • A Europa 30 [os 27 países da União Europeia mais Noruega, Suíça e Reino Unido] também é uma vigorosa região manufatureira, embora importe mais de 50% da energia que consome. Antes de 2022, a maior fonte de recursos energéticos importados da Europa 30 era a Rússia. Desde a invasão da Ucrânia no início de 2022, as economias europeias têm tentado diversificar suas fontes de gás natural de modo a acabar com sua dependência daquele país. Afora isso, a Europa também depende de outros países para insumos manufatureiros específicos. Por exemplo, embora a Europa 30 seja uma importante exportadora líquida de produtos farmacêuticos, ela depende da Ásia-Pacífico para insumos cruciais de ingredientes farmacêuticos ativos.
  • Regiões ricas em recursos naturais – como Europa Oriental, Ásia Central, América Latina, Oriente Médio, Norte da África e África Subsaariana – tendem a ser importadoras líquidas de serviços e bens manufaturados (importados em partes aproximadamente iguais da Ásia-Pacífico e da Europa 30). A Ásia-Pacífico é a maior parceira dessas regiões no que diz respeito a fluxos de produtos eletrônicos, têxteis e metais básicos, enquanto a Europa 30 é a maior parceira de produtos farmacêuticos e máquinas. Mesmo regiões ricas em alguns recursos naturais costumam ser importadoras líquidas de outros. Por exemplo, juntos, o Oriente Médio e o Norte da África são o maior exportador líquido de recursos energéticos, mas importam de outras regiões mais de 60% dos alimentos que consomem. Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, grandes corredores partindo desses dois países fluíam para lá. Na América Latina, Brasil e Argentina estão entre os maiores exportadores de grãos do mundo, mas dependem dos fluxos de fertilizantes vindos do resto do mundo. Vale notar que esses dois países têm adquirido mais de 50% de suas importações de derivados de potássio da Rússia e de Belarus.
  • A América do Norte é importadora líquida de bens manufaturados e recursos minerais, e a região da Ásia-Pacífico é a principal fornecedora de ambos. A América do Norte importa cerca de 15% dos produtos eletrônicos que consome e, também aqui, a Ásia-Pacífico responde por cerca de 85% dessas importações (divididas cerca de meio a meio entre a China e as demais economias da região). Além disso, a América do Norte importa cerca de 10% dos minerais que consume, novamente tendo a Ásia-Pacífico como sua maior parceira. A dependência da América do Norte na importação de minerais fica ainda mais pronunciada no nível granular: por exemplo, mais de 70% de trinta ou mais commodities minerais que os Estados Unidos consomem são importadas.

Em todos os setores, principalmente eletrônica e mineração, existem produtos cuja origem está concentrada em apenas algumas regiões

A concentração é uma faca de dois gumes. Muitas vezes, reflete o tipo de especialização que permite ganhos de eficiência. Por outro lado, a interrupção de fluxos comerciais concentrados pode ser particularmente disruptiva se estes forem mais difíceis de substituir no curto prazo.

A análise do MGI de cerca de 6.000 produtos comercializados globalmente (incluindo recursos naturais e bens manufaturados) sugere que produtos cuja origem está concentrada em relativamente poucas regiões geográficas são encontrados em todos os setores e regiões e em todas as etapas do processo de produção. Esta pesquisa define “produto concentrado” como aquele que está no quintil superior de concentração, o que significa que no máximo três países respondem por quase toda a oferta (Quadro 3).1

3
Fluxos globais: as correntes que unem um mundo interconectado

Alguns produtos são fornecidos apenas por alguns poucos lugares do mundo, os chamados “hotspots de concentração global”. Esses produtos representam uma parcela pequena, mas importante, do comércio global (menos de 10% do valor comercializado em todo o mundo), mas são originários de todas as regiões e utilizados em todos setores da economia.

A China exporta acima de 60% dos produtos mais concentrados dos setores eletrônico e têxtil. A Ásia-Pacífico contribui desproporcionalmente para as exportações de minerais concentrados. Lítio, terras raras e grafite são particularmente concentrados, pois são extraídos em apenas três países (se tanto) e refinados basicamente em um só: a China. A América Latina e a América do Norte respondem pela maioria dos produtos agrícolas mais concentrados, notadamente a soja. E a maioria dos produtos médicos e farmacêuticos concentrados vem da Europa.

Além desses hotspots globais, alguns países e empresas têm dependência concentrada de apenas algumas fontes, mesmo no caso de produtos amplamente disponíveis em todo o mundo. O trigo é um exemplo. Sua produção é bastante distribuída ao redor do globo, com os três principais produtores respondendo por menos de 45% do fornecimento. No entanto, para cada país, os fluxos são altamente concentrados. Turquia e Egito importavam mais de 75% de seu trigo da Ucrânia e da Rússia antes de 2022, por exemplo.

Para gerenciarem os possíveis riscos da concentração – em nível global, nacional ou de cada negócio –, economias e empresas devem adotar medidas que promovam a resiliência. Para alguns produtos, a diversificação das fontes de origem pode ser possível, embora talvez implique investimentos iniciais elevados, tempo considerável e, em alguns casos, custos operacionais mais altos. Para vários produtos concentrados, no entanto, sua disponibilidade hoje tende a restringir a oferta no curto e médio prazo, sugerindo que interdependências pronunciadas provavelmente continuarão sendo uma característica da economia global no futuro previsível (veja Box, “Diversificar a pegada das cadeias de valor dos minerais modernos exige grandes investimentos ao longo do tempo”).

As cadeias de valor globais evoluíram aos poucos no passado, mas deverão ser moldadas por novas forças na próxima década

As cadeias de valor globais sempre foram dinâmicas, mas com modificações graduais na sua composição. No passado, cada país ganhava (ou perdia) não mais do que dois pontos percentuais por ano (anualizados) de share nas exportações e, cumulativamente, não mais que 10% a 20% de uma cadeia de valor eram modificados por década (Quadro 4).

4
Fluxos globais: as correntes que unem um mundo interconectado

Entre 1995 e 2008, as modificações ocorridas foram quase uniformemente no sentido de menos concentração e mais comércio inter-regional, à medida que cadeias de valor verdadeiramente globais foram surgindo com a liberalização do comércio e o progresso tecnológico. Mas depois de 2008, aproximadamente, os padrões dos fluxos comerciais começaram a divergir. Cadeias de valor globais responsáveis por cerca de 40% dos fluxos comerciais – incluindo os de mineração, equipamentos eletrônicos e produtos farmacêuticos – mudaram de curso e foram se tornando mais concentradas. Os quase dois terços das cadeias restantes se estabilizaram ou continuaram se tornando menos concentradas e mais inter-regionais, principalmente aquelas envolvendo muitos serviços, como serviços profissionais.

E agora estão surgindo novas forças que poderão moldar e acelerar a evolução vindoura de algumas cadeias de valor, incluindo as de semicondutores e produtos farmacêuticos. Instigados por considerações de segurança nacional, competitividade ou resiliência, muitos governos sinalizaram que pretendem influenciar a reconfiguração de certas cadeias de valor. No caso dos semicondutores, por exemplo, Estados Unidos, União Europeia, Coreia do Sul, China e Japão já anunciaram medidas de incentivo às cadeias de valor domésticas. Outras iniciativas para desagregar tecnologias e restringir fluxos de dados também poderão afetar as cadeias de valor, especialmente aquelas consideradas críticas para prioridades estratégicas nacionais.

Esforços para aumentar a resiliência do sourcing e reagir melhor a variações de demanda podem encurtar algumas cadeias de suprimentos, tornando-as mais regionais. Além disso, as cadeias de valor de bens manufaturados serão afetadas pelo aumento da automação, a evolução dos salários e a criação de novos polos de bens intangíveis. As cadeias de valor do setor de serviços, especialmente as de serviços intermediários, poderão se aprofundar e expandir. Existe ampla margem para unbundling agora que o setor de serviços vai se tornando dominante em um número crescente de economias. E embora diferenças salariais significativas entre mercados desenvolvidos e emergentes persistam no setor de serviços, ainda há espaço considerável para liberalizar ainda mais o comércio de serviços, onde as barreiras existentes são duas ou três ordens de grandeza maiores do que no comércio de bens. Avanços contínuos na tecnologia talvez permitam um comércio de serviços digitais com menos interrupções e menos lapsos.

Talvez não ocorram mudanças significativas em algumas cadeias de valor nas quais os incentivos e o potencial de remanejamento de locais sejam menores – por exemplo, aquelas que são menos concentradas, mais regionalizadas e fazem uso intensivo de capital. Qualquer evolução que vier a ocorrer poderá ser mais lenta e moldada, em grande parte, por um share crescente da demanda dos mercados emergentes. Exemplos incluiriam a fabricação de alimentos e de bebidas.

Corporações multinacionais têm papel fundamental na gestão dos fluxos globais para que haja crescimento e resiliência em um mundo interconectado

Os fluxos globais são fundamentais para o funcionamento das economias e das empresas, grandes ou pequenas. As empresas precisam poder vender em mercados estrangeiros e dependem de cadeias de suprimentos globais operantes e de acesso ao capital, talentos e bens intangíveis de que precisam. Mesmo empresas pequenas podem encontrar novas oportunidades para ampliar sua integração com o mundo graças aos avanços tecnológicos, a novas formas de financiamento internacional e à regulamentação. Corporações multinacionais podem ter influência desproporcional sobre os fluxos porque, no momento, são o centro do sistema. Elas são responsáveis por cerca de dois terços das exportações e estão super-representadas em setores onde os ativos intangíveis são os mais relevantes e onde a concentração é mais pronunciada.

Isso as coloca no olho do furacão. Hoje, elas enfrentam uma ordem global cada vez mais contestada, na qual operações em um mercado podem criar riscos significativos em outros. Têm muito em jogo e, portanto, precisam garantir que os fluxos globais funcionem harmoniosamente. Os valores em jogo variam conforme o setor de atividade e o tipo de empresa, mas é provável que sejam substanciais para todas. Para dar um exemplo: caso uma montadora multinacional sofra choques simultâneos que a impeçam de garantir os fluxos globais de que necessita, até 40% a 60% do valor da empresa poderá estar em risco.

Como protagonistas dos fluxos globais, as multinacionais estão na posição ideal para moldar um futuro de crescimento e prosperidade. Para tanto, devem considerar ações em três áreas:

  • Buscar oportunidades de crescimento. As empresas que permanecerem totalmente comprometidas com os fluxos globais encontrarão novas oportunidades de crescimento. A vantagem será proporcionalmente maior para as multinacionais, mas empresas menores também podem se beneficiar. No caso de multinacionais que fazem uso intensivo do conhecimento, um maior envolvimento com novas fontes de fluxos de bens intangíveis e de capital humano poderá proporcionar uma vantagem competitiva mais acentuada. Para algumas delas, esses fluxos tornarão possível novos modelos de negócio em setores em que os fluxos de conhecimento vão se tornando cada vez mais importantes. Ou seja, modelos de negócio baseados em mercadorias darão lugar a modelos de negócio baseados em serviços.
  • Tornar a própria organização mais resiliente. As empresas podem explorar maneiras de fortalecer a resiliência da organização, seja por meio de cadeias de suprimentos estáveis para acessar os insumos de que precisam, seja por sua capacidade de operar em vários mercados estrangeiros. No primeiro caso, a transparência das cadeias de suprimentos e o planejamento de cenários devem deixá-las atentas a possíveis áreas de risco onde a diversificação talvez seja prioritária. Às vezes, porém, diversificar pode não ser viável e as empresas talvez tenham que pensar em desenvolver relacionamentos privilegiados com fornecedores, construir estoques estratégicos ou ambas as coisas. Em outras ocasiões, desenvolver a capacidade de redesenhar produtos de modo a substituir insumos incertos poderá ser a melhor proteção contra o risco de disrupção. Os fabricantes de veículos elétricos, por exemplo, estão cada vez mais abandonando as baterias à base de cobalto e integrando verticalmente algumas fontes de minerais. Se quiserem atender mercados estrangeiros, talvez seja necessário transferir as operações para lá, e o mesmo vale também para inovação, dados, tecnologias e até mesmo desmembramentos [spin-offs].
  • Encontrar oportunidades para criar resiliência no nível do sistema. Corporações multinacionais podem se valer do seu papel central nos fluxos globais para forjar resiliência sistêmica mediante parcerias público-privadas ou com empresas do setor privado e, desse modo, tornar os sistemas mais resilientes do que seriam se atuassem isoladamente. Empresas menores podem pensar em agir em conjunto com associações comerciais ou outros grupos. Essas parcerias as ajudarão a prevenir e reagir a choques.

Negociar uma nova era que poderá ser mais complexa e desafiadora exige uma compreensão profunda do panorama completo dos fluxos globais, suas redes e evolução, e dos possíveis cenários futuros. Se atentarmos para totalidade dos fluxos globais, fica claro que o mundo não está descartando a globalização, mas sim que as conexões globais estão sendo reconfiguradas. As empresas que reinventarem a interconectividade global, em vez de se esquivarem dela, poderão remodelar as cadeias de valor de maneiras que contribuam tanto para o crescimento como para a resiliência.

Explore a career with us