Resiliencia para um crescimento sustentavel e inclusivo

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Desde o início do milénio, as sociedades, as economias e a própria Terra têm estado sujeitas a perturbações de crescente frequência e severidade. Cada uma evolui de forma diferente das restantes, mas muitas disrupções têm consequências sobrepostas, que podem durar e que não são totalmente compreendidas no momento do impacto. As disrupções não são novas, e as sociedades desenvolveram formas sofisticadas de as gerir, utilizando instituições para criar estabilidade perante eventos extremos.

Na reunião anual em Davos, Suíça, em 2022, o Fórum Económico Mundial lançou o Consórcio de Resiliência (Resilience Consortium), com o objetivo de reunir líderes empenhados dos setores público e privado para desenvolver a resiliência à escala global – em todas as regiões, economias e indústrias. O contexto e os objetivos do Consórcio de Resiliência são explorados em profundidade neste documento de posição criado por Børge Brende, presidente do Fórum Económico Mundial, e Bob Sternfels, global managing partner da McKinsey & Company.

Atualmente, o mundo é assolado por várias crises de importância global. A invasão russa da Ucrânia precipitou uma tragédia humanitária com consequências sociais e económicas de grande alcance. A crise de refugiados resultante desta guerra amplifica a atenção sobre uma crise mais vasta de refugiados que envolve dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo. As repercussões económicas e humanitárias do aumento dos custos da energia e dos alimentos estão também a intensificar-se. A guerra na Ucrânia também chocou um mundo cansado e afetado pela pandemia da COVID-19. O vírus já ceifou mais de seis milhões de vidas, e em abril de 2022, continua a causar milhares de mortes por dia.

O contexto em que estas perturbações ocorrem é, além disso, uma crise climática sempre presente, cuja mitigação efetiva exigirá uma transição global para uma economia de baixo carbono. O deslocamento humano e o custo económico que isto implica podem tornar-se autênticos perturbadores de proporções históricas.

A era atual é cada vez mais definida pela interação de disrupções complexas, com origens díspares e consequências no longo prazo. As instituições não estão totalmente preparadas para a nova realidade, reagindo muitas vezes separadamente a cada disrupção.

Esta posição é insustentável e as organizações estão a descobrir que as atuais práticas de gestão do risco devem evoluir para se adaptarem a este novo ambiente. Os líderes estão agora a discutir a resiliência como a condição essencial. Como podem as organizações dos setores público e privado chegar a uma posição resiliente, atenta ao que está no horizonte, pronta para resistir a choques e acelerar para a realidade seguinte? A resiliência tem sido descrita como a capacidade de recuperação rápida, mas a recuperação por si só não é um objetivo adequado. As organizações verdadeiramente resilientes recuperam melhor e até prosperam.

1. Enfrentar os desafios que as crises colocam ao crescimento sustentável e inclusivo

As lições de crises passadas devem informar soluções inovadoras e adaptáveis a futuras disrupções.

A resiliência diz respeito a organizações dos setores público e privado, bem como a economias e sociedades inteiras. A posição resiliente para as organizações deve ser orientada para o futuro, antecipando a disrupção em vez de simplesmente reagir, mas aprendendo e ajustando continuamente com base na experiência.

As disrupções são pontos focais que revelam onde as capacidades são fortes e onde o investimento é necessário. A experiência de crises e disrupções passadas dá-nos lições essenciais sobre como agir. Estas lições contribuirão para a arquitetura do quadro comum de resiliência nos setores público e privado.

1.1 A gestão das disrupções define mais o crescimento sustentável do que a gestão da continuidade

As crises danificam as instituições e as comunidades, mas o processo de reconstrução pode criar bases mais fortes para o crescimento futuro. A crise financeira e a recessão do final dos anos 2000, por exemplo, levaram a ações por parte dos bancos e a alterações regulatórias que tornaram o sistema bancário mais forte. O sistema tem permanecido robusto na sequência de disrupções económicas. Do mesmo modo, as mudanças introduzidas durante a pandemia da COVID-19 podem dar um novo impulso ao crescimento acelerado: a mudança para a digitalização, novos modelos híbridos de trabalho, o repensar das cadeias de abastecimento e a aceleração dos investimentos públicos para as alterações climáticas. Estes são os tipos de mudanças estruturais que as crises muitas vezes obrigam as instituições a implementar, que noutras circunstâncias seriam recalcitrantes. A resiliência é assim mais do que medidas de proteção; é também a capacidade de reinventar e inovar em resposta às disrupções.

1.2 As crises evoluem através das categorias e não têm soluções unidimensionais

As crises significativas não são eventos unidimensionais confinados a categorias rígidas. Penetram áreas de especialização e responsabilidades predefinidas, ganhando força à medida que crescem no âmbito e através das regiões. A pandemia da COVID-19 espalhou-se por todo o mundo como uma crise de saúde pública, mas rapidamente evoluiu para uma crise económica, social e, em alguns lugares, organizacional.

Os problemas que desencadeiam crises, e as respostas dos setores público e privado a estes problemas primários, têm efeitos iniciais e produzem efeitos secundários e terciários. Estes podem dar origem a um novo problema primário. Para navegar estas interações rápidas, as organizações devem responder com conjuntos de soluções correlacionadas que podem ser ajustadas à medida que as condições evoluem.

1.3 As redes ocultam interdependências, acelerando as crises (embora também possam permitir uma recuperação mais rápida)

A extensão das redes na economia global, nas sociedades e nas indústrias é apenas parcialmente visível. Numa disrupção, podem surgir interdependências ocultas, acelerando inesperadamente o impacto. As disrupções nas cadeias de abastecimento afetam a produção, a disponibilidade e os preços mais rapidamente. A guerra na Ucrânia ameaça a segurança alimentar nos países de baixos rendimentos do Médio Oriente e do Norte de África. A nova e oculta interligação torna os sistemas mais vulneráveis. Por outro lado, as redes que proporcionam maior flexibilidade e reduzem as interdependências permitem o surgimento de uma gama mais vasta de soluções e a rápida partilha das mesmas. Compreender melhor as redes e as ligações no ambiente atual é um aspeto-chave da resiliência.

1.4 A falta de preparação e respostas inadequadas podem aumentar os danos das crises

Uma má resposta pode facilmente ampliar os danos causados diretamente por uma crise. Uma resposta eficaz, por outro lado, pode limitar significativamente os danos. As decisões são cruciais, e as crises passadas produziram certamente a sua quota-parte de más decisões. Mesmo organizações muito bem-sucedidas tomam decisões que, em retrospetiva, estavam erradas. No entanto, poucos sondam em maior profundidade a razão pela qual são tomadas más decisões. Pode parecer óbvio, mas a razão é geralmente o facto de a decisão não ter sido bem pensada. Sob pressão, os líderes tendem a favorecer ações que podem ser implementadas rapidamente, evitando um curso mais lento e mais ponderado. Decisões tomadas sob pressão e rapidamente podem ter consequências não desejadas. O quadro de resiliência proporcionará necessariamente espaço para uma tomada de decisão ponderada. As organizações terão de criar os meios para decidir quando avançar rapidamente e quando abrandar, e testar as decisões numa dada crise com pessoas fora da rede principal.

1.5 As crises afetam de forma desproporcionada os mais vulneráveis

As crises e disrupções têm um maior impacto nos países mais pobres, entre segmentos populacionais mais marginalizados e vulneráveis e especialmente em estados frágeis e afetados por conflitos. A desigualdade no que toca ao rendimento, à riqueza, à mobilidade social, à saúde, ao acesso aos serviços e às oportunidades de aprendizagem levam a uma base desigual para a resiliência. Nas economias desenvolvidas, a recuperação da pandemia depende de amplas despesas de estímulo governamental. Os países com rendimentos baixos dependem da assistência ao desenvolvimento e dos empréstimos de emergência das instituições financeiras internacionais, aumentando o risco de vulnerabilidades da dívida soberana. As medidas de estímulo nos países mais ricos aumentam a procura, exercendo uma maior pressão sobre as cadeias de abastecimento afetadas pela pandemia. Esta dinâmica resultou num aumento nos preços das matérias-primas e na inflação para os consumidores, que, por sua vez, atingiram mais duramente os países com rendimentos mais baixos. Outros desenvolvimentos globais, ainda que positivos para os países mais ricos, podem causar dificuldades nos países mais pobres, incluindo a mudança acelerada para a economia digital e pressões para reduzir as emissões de carbono.

O crescimento é sustentável na medida em que apoia a saúde e a reparação do ambiente natural; é inclusivo quando melhora significativamente a subsistência de segmentos mais vastos da população.

De acordo com a respetiva natureza, muitas crises transmitem globalmente os efeitos de cargas mais pesadas, que são suportadas imediatamente pelas nações em desenvolvimento. A escassez de recursos ou as crises de refugiados criadas por guerras ou alterações climáticas conferem importância crucial à ênfase no crescimento inclusivo. As populações expostas não devem ser deixadas para trás num planeta partilhado. As disrupções devem ser aproveitadas como oportunidades para intensificar os esforços coletivos para melhorar os habitats, a segurança alimentar e da água, a saúde pública e as infraestruturas sociais e técnicas onde estas são mais necessárias.

O aumento da fragilidade e a diminuição da resiliência entre algumas populações ou em alguns contextos nacionais constituem riscos adicionais de efeitos colaterais, incluindo disrupções mais profundas das cadeias de abastecimento, aumento da pobreza extrema e o potencial de conflito. Um músculo de resiliência deve, em última análise, servir o objetivo mais alargado de um crescimento sustentável e inclusivo. O crescimento é sustentável na medida em que apoia a saúde e a reparação do ambiente natural; é inclusivo quando melhora significativamente a subsistência de segmentos mais vastos da população. No que toca às empresas, as questões de igualdade e equidade estão diretamente ligadas ao objetivo e às discussões de valores das organizações.

1.6 A preparação para as crises vai além das reservas e almofadas financeiras

A preparação ideal para crises inclui medidas defensivas, tais como almofadas e reservas financeiras, mas igualmente importantes são as capacidades de resposta ativa. Estas permitem às organizações adaptar-se rapidamente, crescer nas novas condições e avançar rapidamente para novas oportunidades. As crises têm acelerado o crescimento da economia digital, com maior adesão organizacional e da sociedade a reuniões remotas, cloud computing e banca digital. Na indústria automóvel, a eletrificação de veículos está a expandir-se à medida que os governos estabelecem metas de emissões, oferecem subsídios e instalam infraestruturas de carregamento.

Nas esferas pública e governamental, muitos sistemas nacionais de saúde e programas de resposta a pandemias estão sobrecarregados. O sucesso na aplicação dos planos de emergência existentes tem variado de país para país e dentro de estados e distritos. As dificuldades salientam a importância de combinar as almofadas defensivas (reservas de material e recursos financeiros) com flexibilidade e abordagens menos centralizadas. Seguramente, as crises geopolíticas podem ter sérias implicações para as cadeias de abastecimento e o fornecimento de energia. As almofadas fornecerão apenas soluções parciais e temporárias. As capacidades de resposta e adaptabilidade são, portanto, tão importantes quanto a prontidão. Nas crises, metade do impacto resulta da própria crise, enquanto a outra metade, boa ou má, é determinada pela resposta.

2. Perspetivas de resiliência dos setores público e privado

As estratégias intersetoriais devem ser coordenadas para garantir que as disrupções não diminuem o crescimento.

Resiliência é um termo amplamente utilizado que abrange muitos aspetos da robustez organizacional e das operações em governos e fundações públicas, bem como em empresas e instituições financeiras. O Consórcio de Resiliência do Fórum Económico Mundial apoia a visão estratégica da resiliência e enfatiza a capacidade a longo prazo das organizações e economias para criar as capacidades necessárias para lidar com as disrupções, resistir aos choques e adaptar-se continuamente à medida que as disrupções e crises surgem ao longo do tempo. É o pré-requisito estratégico para um crescimento sustentável, inclusivo e de longo prazo.

As falhas de resiliência têm um custo. A investigação do Fórum Económico Mundial sugere que o impacto da resiliência (ou a falta dela) no crescimento anual do PIB é de 1 a 5 por cento mundialmente. Na pandemia da COVID-19, por exemplo, a erosão da força de trabalho pode ter reduzido o crescimento em 3,6 por cento em alguns países. Adicionalmente, as baixas taxas de vacinação nos países em vias de desenvolvimento reduziram o crescimento em 1 por cento. Para além da pandemia, as desigualdades de rendimento, de género e raciais são suscetíveis de reduzir o crescimento em entre 0,6 por cento e 1,0 por cento, enquanto os eventos climáticos extremos estão a retirar 0,4 por cento do crescimento. Por outro lado, o sucesso na reconversão e requalificação da força de trabalho na economia em digitalização poderia aumentar o crescimento em 4,5 por cento por ano até 2030. Podem ser captadas melhorias económicas proporcionais no curto e longo prazo mediante respostas de sucesso aos principais fatores de risco e impacto em cada um dos temas de resiliência. Dada a interligação dos temas, as melhorias não são discretas e cumulativas e a respetiva magnitude variará entre economias, indústrias e populações (Quadro 1).

2.1 Resiliência empresarial

As organizações e as economias resilientes aceleram a partir de pontos de inflexão. As crises e as disrupções expõem fraquezas, separando os resilientes dos não preparados. A investigação da McKinsey mostrou que as empresas avaliadas como mais resilientes geraram um maior valor acionista do que as suas congéneres menos resilientes ao longo de todo o ciclo de vida dos grandes choques económicos das últimas duas décadas.1The emerging resilients: Achieving ‘escape velocity’”, 6 de outubro de 2020; e Martin Hirt, Kevin Laczkowski e Mihir Mysore, “Bubbles pop, downturns stop”, 21 de maio de 2019.

Na crise financeira mundial de 2007-09, as empresas resilientes geraram cerca de 20 por cento mais retorno aos acionistas, uma vantagem que acelerou para cerca de 50 por cento nos anos de viragem de 2009-11 e 120 por cento durante o período estável de 2011-17. Duas dimensões igualmente importantes da resiliência emergiram: solidez financeira (reservas de caixa, uma base de custos flexível e rendibilidade) e adaptações decisivas ao modelo empresarial por meio de desinvestimentos e reinvestimentos.

Um estudo sobre a performance de 1.500 empresas durante a crise financeira revelou que 20 por cento em todos os setores emergiram da recessão com ligeira vantagem sobre as restantes.

Um estudo sobre a performance de 1.500 empresas durante a crise financeira revelou que 20 por cento em todos os setores emergiram da recessão com ligeira vantagem sobre as restantes. Converteram então essa pequena vantagem numa performance claramente superior em relação aos respetivos pares para a década seguinte. Os pressupostos de que a melhor performance resultava de longas vantagens enraizadas não resistiam a uma análise mais atenta. As empresas resilientes não tinham sido os líderes claros antes da disrupção e a maioria não tinha negócios preexistentes que a disrupção favorecesse. O que as 20 por cento tinham era uma vantagem autofabricada, que adquiriram ao mover-se rapidamente, cedo e de forma decisiva na disrupção. Isto não aconteceu acidentalmente; tinham sido elaboradas antecipadamente estratégias para proteger as margens (e não as receitas) ou para adquirir bons negócios a preços deflacionados e utilizá-los para catalisar o crescimento à medida que a crise se convertia em recuperação.

Da mesma forma, ao longo da crise e das disrupções da pandemia da COVID-19, as empresas resilientes tiveram geralmente melhores resultados do que os seus pares. As “resilientes” geraram mais 10 por cento de retorno total para os acionistas durante a recessão económica do 4.º trimestre de 2019 ao 2.º trimestre de 2020. Durante o período de recuperação económica (do 2.º trimestre de 2020 ao 3.º trimestre de 2021), o diferencial acelerou para 50 por cento. Estas adaptaram-se de forma mais flexível na crise económica e ajustaram-se rapidamente para responder ao ressurgimento da procura. Adotaram modelos de negócios digitalizados, uma flexibilidade organizacional e as mudanças necessárias na carteira de negócios (Quadro 2).

Os líderes empresariais terão um papel crucial na orientação da sociedade para este futuro mais próspero, sustentável e inclusivo. O setor empresarial gera 72 por cento do PIB e até 85 por cento do crescimento do investimento em tecnologia e produtividade laboral.

2.2 Resiliência económica e da sociedade

Podem ser observados padrões semelhantes nas economias e sociedades, com medidas financeiras ou intervenções de saúde pública, por exemplo. Quando a pandemia da COVID-19 ocorreu, os países que combinaram o estímulo fiscal com uma gestão eficaz foram capazes de estabilizar as economias locais e proteger as sociedades. Muitos países recuperaram rapidamente, mas o ritmo variou de país para país.

Embora a resiliência económica possa ser medida pelo crescimento global no longo prazo, um aspeto importante considera a resiliência da sociedade um reflexo das desigualdades sociais, de género e étnico-raciais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) estimou a relação entre a desigualdade de rendimentos e o crescimento do PIB per capita. Descobriu que a mudança ao longo do tempo na desigualdade de rendimentos (medida como o rácio entre os decis de rendimento superior e inferior) tem um impacto significativo no PIB per capita em média nos países da OCDE. O impacto é estatisticamente significativo: um aumento de 1 por cento na desigualdade de rendimentos diminui o potencial global do PIB em 0,6 por cento a 1,1 por cento.2

Nos Estados Unidos, a riqueza média das famílias brancas é dez vezes superior à das famílias negras e hispânicas, cuja riqueza não mudou essencialmente entre 1992 e 2016, um período de 24 anos.

O Banco Mundial mede o custo económico da desigualdade de género à escala mundial em 160,2 biliões de dólares, um número impressionante. A investigação revelou que as mulheres possuem apenas 38 por cento da riqueza individual em geral e menos de 33 por cento em países de rendimento baixo e médio-baixo. O estudo enfatizou que os investimentos em educação avançada e oportunidades para raparigas e mulheres fazem sentido do ponto de vista económico, uma vez que a redução da disparidade de riqueza entre géneros é essencial para o desenvolvimento sustentável e inclusivo.3

Praticamente o mesmo pode ser dito da disparidade de riqueza baseada na desigualdade racial. Nos Estados Unidos, a riqueza média das famílias brancas é dez vezes superior à das famílias negras e hispânicas, cuja riqueza não mudou essencialmente entre 1992 e 2016, um período de 24 anos. Durante este tempo, a riqueza mediana das famílias brancas expandiu-se em mais de 50 por cento. A investigação da McKinsey sugere que esta grande disparidade irá custar à economia dos EUA biliões em consumo e investimento perdidos na próxima década.

2.3 Uma resposta coordenada dos setores público e privado

As crises e disrupções exigem uma resposta coordenada dos setores público e privado. Na realidade, as crises mais urgentes do mundo estão a quebrar as divisões tradicionais sobre como e quando as organizações públicas e privadas respondem. As resiliências empresarial, económica e da sociedade estão cada vez mais interligadas. Ultimamente, tem surgido um consenso entre os líderes de ambos os setores de que nenhum deles pode agir sozinho – o mundo e as respetivas organizações estão demasiado interligados (Quadro 3).

A natureza geral e a extensão de certas crises foram estimadas com bastante antecedência. A maioria dos líderes compreende que não levar a cabo nenhuma ação ou ações limitadas só resultará em resultados piores. A crise climática ilustra claramente de que forma os setores industriais, por exemplo, devem alinhar objetivos e valores. Muitas empresas estão a avançar nos objetivos climáticos antes da regulamentação governamental. O setor financeiro está a explorar formas de medir a resiliência climática nas avaliações, reconhecendo que respostas mais fortes se revelarão nos resultados económicos e acionistas.

3. Um quadro comum de resiliência

Um quadro forneceria às organizações uma linguagem, uma estrutura e objetivos comuns para a resiliência.

A atual discussão sobre resiliência ainda se caracteriza por diferenças de interpretação e opacidade sobre objetivos, mensurabilidade e áreas de ação. Consequentemente, o pré-requisito para uma abordagem coordenada e sistemática da resiliência é um quadro comum de resiliência. Este tipo de quadro, semelhante ao ambiental, social e de governação (ESG), proporcionaria às organizações uma linguagem, estrutura e objetivos de resiliência comuns. Daria também orientações sobre como proteger e reforçar a sustentabilidade e a inclusão num ambiente de crises e disrupções mais frequentes. Tendo o quadro como base, as organizações podem melhorar as respetivas práticas de gestão do risco, na maioria reativas, aproveitar o pensamento estratégico e ter uma visão mais prospetiva.

O quadro daria prioridade à capacidade humana acima de tudo, reconhecendo ao mesmo tempo os requisitos essenciais de reconversão e requalificação. Englobará uma cadeia de abastecimento adaptável, com a tecnologia como facilitador, e utilizará almofadas financeiras e fiscais como apoios defensivos no âmbito de uma postura global ativa. Neste quadro, as organizações podem identificar ações preventivas, investimentos proativos e áreas para aprofundar a cooperação entre os setores público e privado. Tal como os quadros ESG, o quadro de resiliência foi concebido para ajudar os líderes a ver para além dos resultados imediatos e dos objetivos financeiros no curto prazo.

Uma outra afinidade com os critérios ESG é que o quadro de resiliência deve ser apoiado por capacidades de avaliação e medição. Estas permitirão aos líderes compreender e pesar os custos e benefícios de ações específicas de desenvolvimento de resiliência. A inação será certamente mais dispendiosa do que uma agenda de ações preventivas, mas a afetação de recursos tem de estar ligada à criação real e inclusiva de riqueza – quer isso se reflita em valor acionista, no crescimento de energias renováveis ou na erradicação da pobreza.

O quadro de resiliência fomentará, graças à forma como é concebido, a cooperação das organizações dos setores público e privado no apoio à sustentabilidade e inclusão em todas as sociedades.

Por fim, o quadro de resiliência fomentará, graças à forma como é concebido, a cooperação das organizações dos setores público e privado no apoio à sustentabilidade e inclusão em todas as sociedades. Para as empresas, a resiliência traduzir-se-á num crescimento empresarial sustentável; para as sociedades, a resiliência permite e depende de um crescimento económico significativo, enfatizando a melhoria da qualidade de vida, a igualdade e a inclusão. A criação de riqueza torna-se significativa quando também eleva a posição das populações mais vulneráveis e mais pobres, nas economias em todas as fases de desenvolvimento. Sem progresso social sustentado, as sociedades são menos resilientes e seguras. Do mesmo modo, o objetivo do crescimento sustentável e inclusivo inclui a proteção e a reparação dos ambientes naturais, para além da mitigação dos efeitos da crise climática.

4. Desenvolver um músculo de resiliência

Investir para o futuro, detetar cedo, responder imediatamente, e ajustar para acelerar a saída da disrupção.

As organizações geralmente consideram a resiliência a partir da perspetiva do risco. As soluções são frequentemente defensivas, centradas na construção de almofadas dispendiosas e na prevenção de riscos, abordagens que tendem a limitar em vez de apoiar o crescimento. A nova abordagem à resiliência vai para além da postura defensiva, no sentido de estratégias orientadas para o crescimento. Dá ênfase à criação de um sistema flexível que orienta e se adapta mais rapidamente às disrupções e mudanças ambientais.

Uma estratégia ativa baseia-se na flexibilidade e rapidez, permitindo que as organizações assumam mais riscos em vez de menos. Neste contexto, as almofadas tornam-se um poder residual para proteger contra incertezas que resistem a respostas mais imediatas. Estas considerações conduzem à resposta reforçada descrita no Quadro 4. O músculo da resiliência é reforçado por três ações-chave: preparar, perceber e impulsionar.

4.1 Preparar

Preparar é investir antes de grandes disrupções para reduzir a magnitude e a velocidade do impacto. Podem normalmente ser levados a cabo três tipos de ações: conceber flexibilidade em produtos e processos, desenvolver almofadas e reforçar redes.

  • Conceber flexibilidade usualmente significa investir para criar alternativas viáveis – por exemplo, tendo múltiplos fornecedores em várias regiões geográficas. Um exemplo disto é uma empresa de energia que dependia fortemente de um software comercial exclusivo. No caso de uma disrupção do software, as receitas seriam seriamente afetadas. A empresa investiu em “sobrecolateralizar” o défice de receitas e arranjou forma de continuar a negociar com os principais clientes no caso de um problema técnico.
  • Desenvolver almofadas significa acrescentar redundância – por exemplo, aumentando os fatores de segurança nos produtos ou mantendo níveis de stock mais elevados para recursos críticos. Como exemplo, um governo estava preocupado com potenciais disrupções no abastecimento nacional de água. Para se preparar para esse evento, identificou e adquiriu antecipadamente equipamento e consumíveis essenciais para as operações que seriam difíceis de adquirir rapidamente no caso de uma crise (incluindo os de vendedores de fonte única). O governo desenvolveu também almofadas de segurança e identificou papéis críticos de alta competência, garantindo que estas pessoas tinham acesso ao local para manter as operações em vários cenários. Este exemplo mostra um governo disposto a aceitar custos mais elevados das operações, redundância de edifícios e, consequentemente, resiliência contra acontecimentos extremos.
  • Reforçar redes é outro tipo de preparação que permite às organizações encontrar melhores soluções. As empresas e os governos estão cada vez mais a investir na melhoria dos respetivos protocolos de cibersegurança, por exemplo, e a confiar nas respetivas redes para partilhar informação e desenvolver ferramentas e capacidades para combater ameaças cada vez mais sofisticadas. Embora cada um destes tipos de ações seja conceptualmente simples, descobrir qual destas ações implementar, e para que disrupção, está longe de ser óbvio, especialmente se a organização não tiver passado anteriormente por uma crise de natureza semelhante. É portanto improvável que as organizações se possam preparar completamente para crises que não tenham uma solução clara e relativamente consolidada. No entanto, as ações podem ser motivadas se as organizações compreenderem a iminência de potenciais disrupções e perspetivarem soluções consolidadas.

As métricas são uma parte essencial do quadro comum de resiliência. Medir o valor dos investimentos em resiliência pode, no entanto, ser difícil. As abordagens ao cálculo do retorno sobre os investimentos (ROI – return on investment) por perdas de valor esperadas podem subestimar a extensão do investimento necessário para uma verdadeira resiliência. Uma abordagem mais adequada, utilizada pelas seguradoras e agências de rating para calcular os riscos num negócio, centra-se na redução do valor residual em risco. Outra medida potencialmente útil é identificar um conjunto de disrupções “previsivelmente imprevisíveis” – as que podem ocorrer na próxima década – e depois calcular o ROI com base na perda global evitada.

4.2 Perceber

Perceber é a parte do músculo da resiliência que deteta uma disrupção presente, descobrindo rapidamente a extensão e as implicações da mesma e definindo a resposta adequada.

  • Responder adequadamente. Demasiadas organizações ou agem prematuramente ou se movem demasiado devagar. Uma organização de cuidados de saúde passou por um ataque cibernético após sinais de aviso em alerta durante meses. A equipa tinha detetado ransomware nos servidores mas não agiu com base na informação antes de a escalar porque a ameaça não desencadeou os critérios estabelecidos para escalar a resposta.
  • Unir a gestão de riscos e crises num quadro de resiliência empresarial. Uma empresa líder em bens de consumo de rápida evolução estabeleceu um quadro de resiliência empresarial que uniu a gestão tradicional de riscos à gestão de crises, à continuidade das atividades, à segurança e fraude e aos seguros. Concebeu ativos que poderiam identificar disrupções precocemente – por exemplo, uma máquina de venda automática equipada com um sensor de temperatura para suportar a continuidade operacional em cadeias de abastecimento de frio.
  • Criar uma equipa de planeamento eficaz. Para além da capacidade de detetar disrupções desde o início, as organizações precisam de uma equipa de planeamento eficaz que possa utilizar cenários para ter em conta a incerteza e a respetiva conversão – de uma grande lista de problemas para evoluções claras do risco, que podem ser categorizadas e sobre as quais é possível atuar. Os melhores cenários consideram uma gama alargada de potenciais disrupções sociais, geopolíticas, climáticas e tecnológicas. As redes e, por vezes, as dependências ocultas criam novas vulnerabilidades que devem ser testadas à medida que as futuras evoluções são criadas.
  • Realizar teste de stress à estratégia e agir com base nos resultados. Um fabricante global de equipamento de origem (OEM – original equipment manufacturer) automóvel testou a respetiva estratégia avaliando o impacto de uma hipotética proibição à importação de veículos e componentes por um cliente estado-nação. A empresa avaliou os resultados potenciais com e sem alavancas de resiliência implementadas. Quando as alavancas estavam presentes, as vendas e os resultados recuperaram dois anos mais cedo do que na ausência de alavancas. As principais alavancas de resiliência foram a previsão (baseada na monitorização do panorama regulamentar do país), a capacidade de resposta (reação rápida após o primeiro anúncio) e a resiliência financeira (incluindo uma base de baixo custo fixo e a não priorização de investimentos selecionados).
  • Aplicar o planeamento às cadeias de abastecimento. Uma importante empresa farmacêutica estabeleceu indicadores de alerta precoce para materiais críticos na respetiva cadeia de abastecimento. Também utilizou planos baseados em ativadores (incluindo encomenda automatizada) para garantir respostas rápidas em caso de disrupções precoces. Os ativadores baseavam-se em ações práticas, incluindo limiares específicos para a escalada a gestores de topo ou à equipa de topo.

4.3 Impulsionar

Impulsionar é a parte do músculo da resiliência que permite às organizações dos setores público e privado mover-se rapidamente, assegurando uma resposta eficaz no início da disrupção e ajustando para acelerar a saída da disrupção mais rapidamente do que os pares.

  • Criar equipas plurifuncionais. Uma estrutura que pode funcionar em condições de extrema incerteza é um componente crítico de uma resposta bem-sucedida. Uma grande empresa industrial criou equipas plurifuncionais a partir de funções de operações, apoio ao cliente, jurídicas, financeiras e outras. Os membros da equipa desenvolveram confiança uns nos outros e estavam preparados para confiar uns nos outros quando necessário. A equipa era um órgão central concebido para permitir à organização limitar a incerteza e mover-se de forma decisiva apesar dela. A estrutura necessita de regras claras, apoiadas por membros da equipa e normas que assegurem a continuidade da tomada de decisão e execução.
  • Superar os silos. Para impulsionar as organizações para a recuperação, as equipas responsáveis precisam de superar os silos sem destruir a confiança. Uma grande empresa industrial que enfrentava uma grande falha de produto criou equipas compostas por pessoas de negócios, finanças, engenharia, operações, vendas e área jurídica. Cada equipa centrou-se numa única questão: uma equipa estabilizou os proprietários das franchises com injeções de capital; outra resolveu rapidamente o lado técnico do fracasso do produto; uma terceira definiu ações de liquidez para assegurar a sobrevivência da empresa e um impacto mínimo no crescimento.
  • Ajustar e mover-se rapidamente. O exemplo da Islândia na crise financeira de 2008 é instrutivo. A Islândia estava pouco preparada para o que estava prestes a acontecer. O passivo dos seus três maiores bancos representava mais de 800 por cento do PIB nacional – a governança de vendas e empréstimos de capital entre bancos era limitada. A Islândia foi, portanto, duramente atingida durante a crise (o declínio do PIB entre os níveis máximo e mínimo foi superior a 10 por cento). No entanto, ajudada pela pequena dimensão (315.000 pessoas à data) e, em certa medida, por ter a própria moeda, a Islândia moveu-se mais rapidamente do que outros países. Levou a cabo uma série de movimentos estratégicos rápidos: desalavancagem da dívida das famílias, fomento de incumprimento em grande escala onde fosse necessário e limpeza dos balanços excessivamente endividados das empresas. Isto levou a dívida das famílias para menos de 75 por cento do PIB até 2015 (o rácio da dívida de alguns países vizinhos em relação ao PIB excedeu 120 por cento) e o emprego aumentou acima dos níveis de 2007 até 2013.

Os líderes dos setores público e privado que adotam uma visão adequadamente alargada da resiliência deparam-se com riscos e desafios enfrentados isoladamente – quer se trate de escassez de mão-de-obra, riscos digitais, perturbações na cadeia de abastecimento, inflação ou desigualdade. No entanto, esta abordagem não pode descobrir as muitas interdependências, nem as tendências no longo prazo no que toca ao sistema, impulsionadas pelas alterações climáticas, pelos desenvolvimentos da sociedade e pelas dinâmicas geopolíticas. Um modelo alternativo às abordagens pontuais é o Plano de Recuperação para a Europa da Comissão Europeia.4 O plano enfatiza as interdependências entre educação, cuidados de saúde, habitação, alterações climáticas, crescimento económico, concorrência e emprego e aborda-as num quadro holístico. As dificuldades encontradas na implementação deste tipo de plano serão uma medida do que será necessário para incluir todos na sociedade.

5. Sete temas de resiliência que estão a moldar o futuro

As crises só podem ser tratadas eficazmente se for adotada uma agenda reforçada que reconheça a interconetividade.

As economias e as sociedades estão a suportar várias crises em simultâneo, todas elas com grandes impactos humanitários e efeitos potencialmente duradouros de segunda e terceira ordem. Os tipos de questões de resiliência colocadas urgentemente pelas alterações climáticas, a guerra e a pandemia da COVID-19 têm sido tipicamente abordadas individualmente, muitas vezes isoladamente. Esta abordagem já não é suficiente, se é que alguma vez foi.

A agenda de resiliência reforçada deve ter uma visão mais ampla, centrando-se nos desafios específicos mas também na respetiva interconetividade. A visão mais alargada só pode ser obtida se o esforço se basear nos setores privado e público atuando em conjunto para desenvolver soluções que se reforcem mutuamente. As atividades e iniciativas do Fórum Económico Mundial que abordam os desafios das atuais crises e disrupções podem ser agrupadas em sete temas de resiliência, com implicações transversais fundamentais nos planos empresariais, económicos e da sociedade (Quadro 5).

5.1 Clima, alimentação e energia

A Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), realizada em Glasgow em 2021, chamou a atenção para os compromissos globais para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. A investigação mostra que no caminho para a neutralidade carbónica, as emissões acumuladas de carbono até 2050 terão de ser de 1.000 gigatoneladas ou menos para que as temperaturas médias globais permaneçam abaixo dos 2 ºC acima dos níveis pré-industriais. Esta grande transformação só será possível pela substituição em escala da base de ativos produtivos da economia global por tecnologias não emissivas. A First Movers Coalition foi criada para ajudar a enfrentar este desafio. Composta por um grupo de empresas com visão de futuro, esta coligação foi criada para desencadear a procura no sentido de tornar as tecnologias limpas emergentes acessíveis e escaláveis.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente está a liderar esforços para financiar a adaptação às alterações climáticas nos locais mais vulneráveis. Já estão em curso 45 projetos de adaptação baseados em ecossistemas para proteger as populações expostas de condições meteorológicas extremas e perda de habitat, garantindo ao mesmo tempo água limpa e alimentos.5

Para alcançar um progresso real, é necessária uma cooperação profunda entre os setores público e privado em todos os temas de resiliência. São necessários esforços cooperativos público-privados para proteger pessoas e bens por meio do endurecimento das infraestruturas existentes, dando prioridade à resposta e preparação de emergência, e ajustando as condições de trabalho para ondas de calor. Os sistemas precisam de se tornar mais resilientes e robustos, construindo inventários de alimentos e matérias-primas e assegurando a produção por meio do armazenamento de peças sobressalentes, reforçando as cadeias de abastecimento e desenvolvendo locais de produção alternativos.

As alterações climáticas estão a desencadear secas, inundações e incêndios florestais mais frequentes e severos, danificando culturas e pastagens, o que conduzirá ao aumento dos níveis globais de fome e insegurança alimentar.

As alterações climáticas estão a desencadear secas, inundações e incêndios florestais mais frequentes e severos, danificando culturas e pastagens, o que conduzirá ao aumento dos níveis globais de fome e insegurança alimentar. Os danos são agravados por choques adicionais, incluindo a pandemia da COVID-19 e a inflação. A diversidade biológica encontra-se sob ameaça, com os cientistas a estimar que quase um milhão de espécies de plantas e animais estão a caminho da extinção nas próximas décadas.6 De acordo com as Nações Unidas, a subnutrição está a aumentar, prejudicando 9,9 por cento da população mundial em 2020 (8,4 por cento em 2019). Quase um terço da população mundial – 2,37 mil milhões de pessoas – não tem acesso a alimentos adequados.7 O problema agravar-se-á provavelmente devido aos efeitos diretos e indiretos da guerra da Rússia na Ucrânia, uma vez que as duas nações estão entre os maiores exportadores de cereais do mundo.

Os efeitos das alterações climáticas na produção global de alimentos podem ser perigosamente ampliados por disrupções aparentemente distintas. As interações dos acontecimentos no ambiente físico, nas sociedades e na economia tornam mais imperativo que as sociedades reduzam a exposição das populações aos efeitos das alterações climáticas. Isto inclui a relocalização de ativos e comunidades de regiões onde a proteção é demasiado difícil, ao mesmo tempo que se tem em conta os riscos climáticos nas decisões sobre locais futuros.

Em conformidade com os objetivos do Acordo de Paris, muitas organizações e economias comprometeram-se a atingir zero emissões de carbono líquidas como princípio organizador. A análise da McKinsey indica que o financiamento da transição para a energia renovável e o crescimento sustentável poderia exigir 100 biliões de dólares ou mais em despesas de capital, dois terços dos quais em economias em desenvolvimento. O capital necessário está a começar a formar-se. As instituições financeiras estão a liderar o esforço, tal como demonstrado na COP26. Nesta, a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ) reuniu mais de 450 instituições, representando 130 biliões de dólares de ativos financeiros (40 por cento do total global), que prometeram alinhar os portfolios com objetivos de neutralidade carbónica.

A dificuldade em atingir estes objetivos foi claramente revelada na resposta ocidental à invasão russa da Ucrânia. A tentativa de isolar a Rússia da economia mundial cria desafios à segurança no curto prazo do aprovisionamento europeu de petróleo bruto, gás natural e combustível sólido (principalmente carvão). O conflito contribuiu para a inflação energética global, fazendo subir os preços dos três tipos de combustíveis fósseis, que em conjunto representavam 83,1 por cento da energia primária mundial em 2020.8 O progresso global das energias renováveis, entretanto, tem sido muito lento, atingindo uma quota de 4,3 por cento no mix energético de 2020.

Há muito que as empresas e os governos têm desenvolvido casos empresariais para a transição para o baixo teor de carbono, incluindo cenários para várias velocidades, tendo também em conta a inflação e a extrema volatilidade dos preços nos mercados energéticos. O défice para uma economia neutra em carbono continua a ser muito grande. No entanto, o aumento contínuo da exploração, produção e entrega de combustíveis fósseis acelerará o aquecimento global e promoverá a dependência económica de produtos energéticos tanto para produtores como para consumidores.

5.2 Pessoas, educação e resiliência organizacional

Um requisito fundamental para assegurar um crescimento sustentável e inclusivo à escala global é uma população educada. O Objetivo de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas de desenvolvimento sustentável inclui o aumento do nível de educação disponível para os países com baixos rendimentos e segmentos populacionais mais pobres e historicamente excluídos em toda a parte. Em 2021, as Nações Unidas estimaram que um terço dos jovens não estava a receber ensino secundário; 617 milhões de jovens em todo o mundo não possuem competências básicas de matemática ou literacia. Em 2016, 750 milhões de adultos eram analfabetos, dois terços dos quais eram mulheres. Adicionalmente, milhões de crianças refugiadas estavam completamente fora da escola, incluindo quase metade do total estimado de 7,9 milhões de crianças refugiadas ao cuidado da agência das Nações Unidas para os refugiados.9 O objetivo de educação das Nações Unidas enfatiza os benefícios económicos dos investimentos na educação para todos, calculando que cada ano adicional de escolaridade acrescenta 0,37 por cento ao PIB. Os benefícios de uma população amplamente educada multiplicam esta vantagem para a sociedade e para a economia, com melhor saúde pessoal, maior produtividade da força de trabalho e preparação para empregos mais qualificados.10

Os líderes dos setores público e privado terão de intensificar os esforços para aumentar os níveis de educação, ao mesmo tempo que constroem novas capacidades para reforçar o talento e a resiliência organizacional.

Os líderes dos setores público e privado terão de intensificar os esforços para aumentar os níveis de educação, ao mesmo tempo que constroem novas capacidades para reforçar o talento e a resiliência organizacional. Milhões de trabalhadores de muitas categorias de emprego perderam o emprego durante a pandemia, enquanto milhões de outros deixaram os postos de trabalho. O maior impacto foi para as mulheres trabalhadoras, nas quais as obrigações familiares recaíram de forma desproporcionada.

Nos Estados Unidos, no quarto trimestre de 2021, por exemplo, a força de trabalho era menor em três milhões de pessoas do que em fevereiro de 2020, com menos dois milhões de mulheres.[11] De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, a recessão provocada pela pandemia resultou numa queda de 4,2 por cento no emprego feminino, em comparação com uma queda de 3 por cento para os homens. Esta diferença moderou-se subsequentemente em muitas economias desenvolvidas, mas permaneceu em países da América Latina como o Brasil e o México.12

Uma questão que complica a situação é que as tendências preexistentes de trabalho remoto, comércio eletrónico e automatização aceleraram durante a pandemia, aumentando a procura de alguns trabalhadores, mas deslocando muitos mais. Tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, os empregadores têm dificuldade em contratar talentos especializados suficientes para se expandirem. Os trabalhadores de tecnologia, por exemplo, são muito procurados nas economias grandes e pequenas, uma escassez que pode ser a melhor indicação do tipo de requalificação de alto nível de que as empresas necessitam para as economias do futuro. Adicionalmente, os trabalhadores de TI e os profissionais de cibersegurança são agora especialmente procurados, uma vez que são cruciais para as crescentes exigências do trabalho remoto e para a construção de resiliência organizacional. O Grupo de Ação da Indústria de Seguros e Gestão de Ativos do Fórum Económico Mundial desenvolveu um quadro de resiliência organizacional para as empresas, reconhecendo a nova realidade de que a resiliência subiu para o topo da lista de considerações empresariais após as disrupções sem precedentes da pandemia da COVID-19.

5.3 Cuidados de saúde

A Parceria para a Sustentabilidade e Resiliência do Sistema de Saúde é uma colaboração global da London School of Economics, do Fórum Económico Mundial e da AstraZeneca. Visa garantir que os sistemas de saúde podem resistir a crises futuras. O estudo da Parceria sobre muitos sistemas de saúde revelou que a maioria não estava adequadamente preparada para enfrentar o choque da pandemia da COVID-19.13 Muitos não foram adequadamente financiados, dada a influência persistente da crise bancária de 2009 nas finanças do setor público.

Outros aspetos preocupantes estavam também em jogo: os sistemas de governança mostraram em muitos casos falta de liderança e estratégias claras. No que toca a respostas à pandemia da COVID-19, talvez este seja um resultado esperado, dado que muitos sistemas ainda estão a responder em modo de “combate a incêndios”. No entanto, salienta também que as políticas para as estratégias existentes não estão claramente definidas e implementadas. Nalguns países, as cadeias de comando não são claras quando se enfrenta um choque sistémico, e as tensões entre as autoridades centrais e locais podem bloquear a capacidade de resposta. Durante a pandemia, alguns países que enfrentavam escassez de mão-de-obra careciam de planeamento da força de trabalho, enquanto o bem-estar no local de trabalho era por vezes uma consideração secundária. Nalguns países, o investimento no capital do sistema de saúde foi limitado em certas áreas, incluindo na saúde digital e na avaliação de tecnologias de saúde. Nos sistemas de saúde descritos como “integrados” (como o Serviço Nacional de Saúde no Reino Unido), verificou-se uma falta de coordenação a vários níveis e em diferentes aspetos da prestação de serviços.

Com base nas lições da pandemia, os governos e os prestadores de cuidados de saúde podem revitalizar os sistemas de saúde e melhorar o estado da saúde pública global. A preparação e resposta a crises sanitárias podem ser melhoradas à escala nacional e regional. Os protocolos de crise devem ser ajustados e os fornecimentos cruciais devem ser armazenados, por exemplo. Entre as áreas de melhoria identificadas pela Parceria para a Sustentabilidade do Sistema de Saúde encontram-se modelos de financiamento governamental para sistemas de saúde, inovação digital, cuidados distribuídos e virtuais, harmonização regulamentar para novas tecnologias, investimento em cuidados preventivos, requalificação da mão-de-obra e mudanças nas estruturas de incentivos para pagar por resultados com base no valor.

A resistência internacional a futuras ameaças sanitárias pode ser reforçada com um melhor controlo, maior transparência, melhor coordenação das respostas e uma comunicação mais clara. A pandemia também realçou, e exacerbou, as questões de saúde mental, cuja escala e impacto devem ser melhor reconhecidos e abordados, especialmente com medidas acessíveis a todos os segmentos da população. Os programas de investigação sanitária para erradicar doenças e prestar cuidados podem basear-se na cooperação entre o governo e o setor privado, com modelação nos esforços da vacina contra a COVID-19.

Na pandemia, os profissionais de saúde, há que reconhecer, trabalham frequentemente no limite, muitos em condições precárias com equipamento inadequado. Os governos e os fornecedores podem melhorar as condições do trabalho de cuidados de saúde, enquanto desenvolvem uma força de trabalho flexível do futuro, com competências otimizadas para a cooperação entre países e entre setores para responder a aumentos da procura durante as crises.

5.4 Desenvolvimento económico sustentável

Para as economias em desenvolvimento, a construção da resiliência é uma forma de progresso económico, beneficiando as empresas, o governo e a sociedade, reduzindo ainda vulnerabilidades históricas. É necessário um investimento maciço, mas muitos projetos locais podem ser completados em incrementos com um custo relativamente baixo. Os objetivos primários devem incluir melhorias no alojamento, diversidade agrícola e abastecimento alimentar, infraestruturas de água e esgotos. Adicionalmente, devido à perda de rendimentos durante a pandemia, o número de pessoas sem acesso à energia no Sul global aumentou. Este foi o primeiro aumento deste tipo em mais de uma década e realça a lacuna contínua de acesso à energia que deve ser colmatada.

São também necessários esforços paralelos para melhorar a educação e a formação técnica, e para estabelecer e expandir a infraestrutura digital, uma vez que a inclusão digital ajudará a aumentar as capacidades de adaptação das empresas e da sociedade como um todo. As atividades iniciais de resiliência podem atuar como catalisadores para envolver o setor privado a fim de ampliar o crescimento sustentável e inclusivo. Um planeamento adequado é essencial para avaliar a economia e garantir que os programas e iniciativas apoiam o crescimento sustentável. Empreendimentos que envolvem comunidades e organização comunitária são especialmente importantes, uma vez que é necessário um envolvimento social mais forte para superar os muitos desafios sociais.

5.5 Comércio e cadeia de abastecimento

As interdependências económicas globais aprofundaram-se durante décadas, resultando numa inclinação íngreme nos volumes do comércio mundial.14 A produção e fornecimento globalizados, ajudados por muitos acordos de comércio livre celebrados no final do século XX e início do século XXI, permitiram que economias e empresas desenvolvessem fortes relações internacionais. Embora a fricção geopolítica tenha colocado limites a estas novas relações, a pandemia da COVID-19 revelou outras vulnerabilidades. À medida que as fronteiras foram fechadas e a mobilidade foi restringida nos esforços para controlar a propagação do vírus, as cadeias de abastecimento foram perturbadas, muitas vezes de forma radical. A procura dos clientes registou alguma volatilidade, mas com mudanças (tais como a utilização acelerada de canais digitais), rapidamente recuperou. As cadeias de abastecimento, no entanto, continuam em dificuldades. As práticas just in time, utilizadas em muitos setores para minimizar o desperdício mantendo baixos os inventários de abastecimento, foram postas à prova. Os stocks limitados esgotaram-se rapidamente.

Em resposta, os fabricantes improvisaram. Alguns criaram equipas dedicadas ao desenvolvimento de informação estratégica de oferta e procura, combinando dados sobre a cadeia de abastecimento e compromissos com fornecedores. Alguns começaram a reconsiderar, pelo menos em parte, a entrega just in time e a manutenção de baixos níveis de stock ao longo das respetivas cadeias de valor. Alguns governos, preocupados com a dependência de fornecedores únicos e de países distantes para necessidades vitais, começaram a exercer pressão no sentido de um aprovisionamento mais regional e diversificado.

Os efeitos dos atuais choques de oferta relacionados com a pandemia continuarão a aparecer na sequência de mudanças nas políticas comerciais, da escassez de mão-de-obra e da inflação. Embora não exista uma cadeia de abastecimento à prova de disrupções, os governos e as empresas podem trabalhar em cooperação no sentido de uma conceção flexível.

As soluções combinarão provavelmente vários elementos: uma abordagem just in case limitada com manutenção redesenhada de inventário; uma base de fornecimento alargada, incluindo diversas regiões e rotas; integração vertical quando apropriado; e transparência radical entre os níveis de fornecedores e novos modelos operacionais e parcerias. Os governos podem ajudar estabelecendo ligações por meio de dados segregados, utilizando aprovações regulamentares aceleradas para avançar na adoção e inovação (como a impressão em 3D para uma produção flexível próxima do ponto de utilização). É necessária a colaboração e coordenação dos setores público e privado para direcionar o investimento e evitar a duplicação de esforços.

5.6 Resiliência, confiança e inclusão digitais

Muitas empresas e instituições financeiras mundiais mantiveram a atividade durante a pandemia da COVID-19 graças à facilitação digital de modelos de trabalho à distância. O Fórum Económico Mundial cita uma investigação que sugere que a economia digital representa hoje 15 por cento do PIB mundial, podendo expandir-se para 26 por cento até 2040.15 A inclusão digital é assim um imperativo de crescimento. Isto significa melhorar as infraestruturas digitais e ligar populações mais alargadas e segmentos até agora excluídos. A Aliança EDISON para a Inclusão Digital patrocinada pelo Fórum procura criar oportunidades digitais acessíveis e a preços acessíveis para todos até 2025 por meio de uma colaboração sem precedentes entre a comunidade das tecnologias de informação e comunicação e outros setores críticos da economia.

Nos próximos dez anos, espera-se mais inovação do que em qualquer outro momento da história, à medida que a tecnologia for remodelando os cuidados de saúde, a mobilidade, as ciências dos materiais e a produção de energia. Os desenvolvimentos em aceleração em tecnologias como cloud computing, robótica, automação de processos e a Internet das Coisas (IoT) industrial já estão a afetar muitos aspetos da atividade produtiva.

Estes desenvolvimentos exigirão medidas mais integradas de cibersegurança para minimizar os riscos e melhorar a resiliência. Isto significa ter a cibersegurança certa e outros processos operacionais, planos e mecanismos para garantir a continuidade do negócio durante um incidente cibernético. Embora a resiliência cibernética nas empresas seja vital, a escala da crise de resiliência nas infraestruturas sistémicas críticas aponta para um desafio ainda mais significativo. A resiliência dos setores mais cruciais para a segurança e estabilidade social e económica deve, portanto, ser uma prioridade para os agentes públicos e privados.

À luz destes desenvolvimentos e sinais direcionais, a confiança digital e a inclusão digital crescem em importância. Muitas nações e empresas querem alcançar a inclusão digital, um objetivo que requer financiamento suficiente para existir em toda a sociedade. São necessários investimentos na educação digital, equipamento e infraestruturas para que as nações mais pobres e as populações excluídas possam participar na prosperidade do ecossistema digital. A confiança digital significa que as empresas e os governos tornam os respetivos sistemas e dados seguros contra as ameaças cibernéticas utilizando as abordagens mais avançadas. As organizações devem refletir os valores da sociedade em geral, salvaguardando os dados pessoais e garantindo serviços fiáveis. Muitas empresas ainda não descobriram a vantagem competitiva de ser um líder em confiança digital.

Desenvolver e promover a confiança digital, no entanto, será fundamental para transformar a segurança numa proposta de valor e assegurar o domínio mais vasto. A não ser que os utilizadores possam confiar nos sistemas digitais, as vantagens da economia digitalizada serão perdidas.

5.7 Capacidade financeira e de risco

O setor financeiro terá um grande papel na construção de um futuro resiliente e sustentável. A economia mundial demonstrou resiliência financeira ao longo da pandemia, à medida que as empresas dependiam do acesso ao financiamento, incluindo níveis históricos de apoio governamental. A importância das almofadas de capital ao nível da empresa e da capacidade fiscal e monetária no setor público não diminuiu, sendo a respetiva extensão alvo de debate contínuo, especialmente desde o retorno da inflação. De longe a maior responsabilidade do setor financeiro nas próximas décadas, e a maior oportunidade de crescimento, está no financiamento da transição para um futuro com baixo teor de carbono.16Aligning portfolios with climate goals: A new approach for financial institutions”, 1 de novembro de 2021. A maior parte do investimento virá do setor privado, desempenhando o setor público um papel importante na atenuação dos riscos dos projetos de energias renováveis. Adicionalmente, espera-se que a maior parte da despesa tenha lugar em economias emergentes. O Fórum lançou o Financiamento da Transição para um Futuro Neutro em Carbono em 2020, uma iniciativa para mobilizar capital para as tecnologias revolucionárias necessárias para apoiar a transição para um futuro com baixo teor de carbono.

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