O que esperar das medtechs em 2024

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O setor de tecnologia médica teve um ano irregular em 2023. Entre os motivos de comemoração estão o crescimento das receitas (que superou as expectativas), o número recorde de novos produtos aprovados e uma onda de desinvestimentos e alienações de ativos que permitiu que as empresas voltassem a focar suas capacidades essenciais.

Do outro lado, a crescente popularidade dos análogos de GLP-1 (peptídeos semelhantes ao glucagon 1) para perda de peso levou muitos investidores a deixarem de lado ações de empresas de aparelhos para obesidade, cuja rentabilidade não correspondeu às suas expectativas num cenário em que as margens se tornam cada vez mais determinantes do valuation das empresas – e, por conseguinte, do seu valor de mercado. Além disso, muitas continuaram tendo dificuldade para assegurar um desempenho consistente em todas as regiões, especialmente fora dos Estados Unidos.

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Na verdade, 2023 marcou o quarto ano consecutivo de desafios para as medtechs, após o boom de 2012 a 2019. Apesar de inúmeros avanços, a desaceleração da criação de valor talvez force essas empresas de tecnologia médica a tomar medidas ousadas capazes de redefinir suas trajetórias face ao ceticismo dos investidores e a outras forças macroeconômicas desfavoráveis.

Desde a publicação, em setembro de 2023, de nosso extenso relatório Medtech pulse: Thriving in the next decade, conversamos com mais de 200 executivos de medtechs. Neste artigo, partimos dos insights e questões que surgiram nessas conversas e oferecemos sete previsões sobre a evolução do setor no ano vindouro.

1. O crescimento do setor provavelmente se estabilizará num patamar superior aos níveis médios anteriores à pandemia

A expansão das tecnologias médicas acelerou desde a pandemia de COVID-19, trazendo consigo expectativas mais elevadas para as medtechs. O aumento no número de pacientes, provocado pela pandemia, desacelerou em 2023, mas ainda persistem outros fatores subjacentes capazes de fazer crescer o volume de indivíduos doentes – incluindo mudanças demográficas (como o envelhecimento da população) e a existência de tecnologias inovadoras capazes de dar conta das muitas necessidades não atendidas dos que sofrem com diabetes, insuficiência cardíaca ou AVCs. O aumento no número de pacientes também está sendo impulsionado pelo maior acesso a locais não tradicionais de atendimento médico, como centros cirúrgicos alternativos (CCAs), consultórios médicos e organizações de cuidados ambulatoriais.

Em 2024, esperamos que o crescimento geral das receitas das medtechs se estabilizará entre 100 e 150 pontos base acima dos níveis pré-pandemia (Quadro 1). As líderes do setor estão otimistas em relação aos próximos cinco anos, quando a saúde cardiovascular, os serviços digitais de saúde e a robótica provavelmente estarão entre os segmentos de crescimento mais rápido.

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As taxas de crescimento das medtechs começam a se estabilizar nos níveis anteriores à pandemia.

Essas tendências apresentam vários desafios para as medtechs. Primeiro, à medida que o crescimento do mercado acelera, torna-se mais difícil para as empresas superarem as expectativas. Segundo, o aumento desigual das taxas de crescimento entre segmentos exigirá que os conglomerados reflitam mais a fundo sobre a realocação de recursos. E, terceiro, a corrida para atender CCAs, consultórios médicos e organizações ambulatoriais continuará a se intensificar.

2. Os investidores continuarão a buscar crescimento lucrativo

Embora o aumento das vendas continue sendo o fator mais importante para a criação de valor, rentabilidade e fluxo de caixa têm papel cada vez maior. A correlação entre a melhoria da margem de lucro e o valor de mercado das empresas quase triplicou desde 2019. As medtechs do quartil superior em criação de valor aumentaram sua rentabilidade nos últimos dois anos e espera-se que continuem a expandir sua margem EBITA em pelo menos 200 pontos base também nos próximos dois anos.

Conversando sobre lucratividade com executivos das medtechs, ouvimos um refrão comum: a expansão das margens diminuirá em importância quando as taxas de juros caírem. Historicamente, essa linha de pensamento tem sido verdadeira. De 2014 a 2022, o valuation das medtechs esteve inversamente correlacionado com as taxas efetivas dos títulos do Tesouro norte-americano (Quadro 2); com a diminuição das taxas de juros, os investidores passaram a focar mais o crescimento das receitas do que o dos lucros, e o valor de mercado das medtechs subiu.

Entretanto, o valuation dessas empresas nunca esteve tão desvinculado das taxas efetivas de juros como nos últimos 18 meses: mesmo com as taxas subindo dramaticamente, o valor de mercado das medtechs diminuiu apenas modestamente. Desse modo, a redução esperada nas taxas de juros em 2024 talvez não impulsione necessariamente o valuation das medtechs. Diante essa macrodinâmica, os investidores continuarão particularmente focados na capacidade das empresas de expandirem as margens.

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Se as taxas do Tesouro norte-americano permanecerem elevadas, os múltiplos de mercado das medtechs poderão cair ainda mais.

3. Este será mais um ano excelente para inovação no setor

Em 2023, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos aprovou mais tecnologias médicas inovadoras do que em qualquer ano anterior (Quadro 3). Vários fatores contribuíram: as aprovações de produtos de tecnologia médica que utilizam inteligência artificial e machine learning atingiram um pico histórico; a miniaturização e o aprimoramento dos sistemas de visualização continuaram a impulsionar aprovações nos segmentos cardiovascular e urológico, entre outros; e categorias mais digitalizadas, como neuromodulação e robótica, vêm crescendo ininterruptamente. Além disso, o tempo de espera das revisões da FDA diminuiu quase 15% entre 2020 e 2022.

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O pipeline de inovação está se abrindo e as medtechs estão gerando um número inédito de novas aprovações.

Com base em nossas conversas com executivos das medtechs, prevemos que o ritmo da inovação em 2024 excederá os níveis de 2020 a 2022, especialmente nos segmentos cardiovascular, de dispositivos digitais de saúde e de neuromodulação. Sistemas avançados de imagens, microeletrônica e miniaturização, e novas modalidades de tratamento (como a denervação renal) têm estimulando a inovação em áreas menos atendidas da medicina. Esses avanços instigantes talvez alimentem a próxima onda de crescimento e de melhorias na qualidade de vida dos pacientes. O ritmo acelerado da inovação também significa mais concorrência para as medtechs. Cada vez mais, serão as grandes e mais radicais inovações que definirão a relevância comercial e o crescimento – o gradualismo não é mais suficiente.

4. O desempenho continuará variando de região para região

Projetamos que, em 2024, China, Japão e Estados Unidos serão responsáveis por dois terços do crescimento de curto prazo no setor de tecnologia médica. Nos mercados mais estabelecidos, como Japão e Estados Unidos, o crescimento continua sendo impulsionado pela inovação e pela adoção de tecnologias inovadoras. Nos Estados Unidos, o crescimento será caracterizado pela execução de novos planos comerciais e pela inovação.

O mercado do Japão provavelmente terá comportamento semelhante, mas diretores e líderes financeiros precisarão ficar atentos aos riscos cambiais – gerenciando-os com estratégias de hedging, por exemplo. As empresas domésticas e internacionais enfrentam desafios cambiais naquele país, o que tornará o mercado dos Estados Unidos ainda mais crítico para o crescimento geral do setor.

Na Europa, o crescimento provavelmente desacelerará após um ano em que aumentos de preços contribuíram para o aumento das taxas de crescimento subjacentes. As medtechs que quiserem prosperar no mercado europeu devem adotar novas soluções que ajudem os provedores médicos a gerir a escassez de mão de obra e a melhorar os aspectos econômicos da saúde reduzindo o número de readmissões e a duração dos internamentos hospitalares.

Em outros lugares, os líderes das medtechs enfrentarão escolhas estratégicas difíceis. A China apresentou enorme crescimento na última década, mas o aumento da complexidade, a competição local e as compras por volume1 têm se mostrado desafiadores para empresas multinacionais. A Índia passará a ter mais impacto, graças a mudanças favoráveis nas políticas governamentais, ao aumento do fluxo de investimentos, a um ecossistema tecnológico maduro e ao surgimento e expansão de empresas locais oferecendo aos provedores médicos melhor acesso à tecnologia e ao treinamento.

5. As empresas líderes na adoção da IA começarão a ver os benefícios da escala

As tecnologias por trás da IA generativa (genAI) – os modelos de fundação – têm uma longa história nas ciências da vida e na tecnologia médica. Esses modelos são estruturas complexas que já foram utilizadas em muitas tarefas de geração de insights, particularmente no desenvolvimento de produtos. Por exemplo, tecnologias de gêmeos digitais (representações virtuais de aparelhos de tecnologia médica emparelhadas com modelos de deep learning) têm sido utilizadas para validar desenhos alternativos e mais eficazes de dispositivos médicos. Até o momento, a maior parte das atividades do setor de tecnologia médica envolvendo inteligência artificial tem focado a habilitação, as funcionalidades e o P&D dos dispositivos médicos, mas ainda há muitas oportunidades inexploradas nas funções comerciais e da cadeia de suprimentos, entre outras.

As medtechs que adotaram a IA generativa já estão obtendo ganhos de produtividade, a começar por recursos mais simples como os “copilotos” para trabalhadores de RH, TI, finanças e funções jurídicas. Também estão começando a explorar o impacto da genAI em funções comerciais e operacionais. Devido a imposições regulatórias, uma integração mais profunda da inteligência artificial com produtos e serviços médicos ainda está a anos de distância, mas algumas empresas logo incorporarão a genAI a seus produtos e softwares – oferecendo comandos de voz, por exemplo. Novas capacidades e novos talentos serão necessários para capturar integralmente o valor comercial; contudo, em vista do ritmo acelerado da inovação, as primeiras a adotarem a genAI certamente terão uma vantagem sobre os concorrentes.

6. O número de fusões e aquisições provavelmente permanecerá estável, com um equilíbrio entre as transações de grande porte e as voltadas ao crescimento

As fusões e aquisições de medtechs desaceleraram em 2023 diante de questões de lucratividade, da incerteza macroeconômica e do aumento das taxas de juros. Entretanto, empresas adquirentes de grande porte criaram um precedente ao pagarem ágios iguais ou superiores ao valuation máximo no último ano das empresas adquiridas. O motivo é que muitas dessas adquirentes queriam ao mesmo tempo atender às intransigentes expectativas de crescimento e ampliar as margens de lucro.

Embora as transações tuck-in2 focadas no crescimento continuem essenciais para a criação de valor, isso nem sempre é viável pois nem sempre o valor de mercado da empresa adquirida é suficientemente atraente. Outra ferramenta que as empresas estão explorando cada vez mais são as transações em grande escala. As aquisições de maior porte têm o potencial de proporcionar alavancagem operacional, contribuindo para que as medtechs melhorem suas margens, que hoje oscilam em torno dos níveis de 2018 (Quadro 4). Além disso, essas grandes aquisições também reforçam a presença comercial das empresas em mercados de crescimento mais lento ao oferecerem soluções mais completas que ajudam as equipes de saúde a agilizar suas operações e a concentrar sua atenção no atendimento ao paciente.

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As margens de lucro das medtechs globais não melhoram desde 2018 e permanecem inferiores às de 2021.

Prevemos que o volume das atividades de fusão e aquisição permanecerá baixo, mas entre os negócios que chegarem a ser concluídos haverá maior equilíbrio entre transações de pequeno, médio e grande porte. As medtechs continuam tendo dinheiro em caixa ou títulos facilmente conversíveis (acumulados durante a pandemia de COVID-19), que hoje totalizam cerca de $55 bilhões. No entanto, empresas-alvo rentáveis, de alto crescimento e na escala certa continuam escassas. As adquirentes interessadas precisarão agir rapidamente, dada a escassez de opções.

7. A penetração dos medicamentos análogos de GLP-1 continuará, mas é improvável que tenha impacto significativo no crescimento das medtechs

Terapias com análogos de GLP-1 têm tido sucesso no tratamento do diabetes tipo 2 desde 2005. Recentemente, porém, passaram a ser indicadas também para a obesidade, e dados emergentes sugerem que esses medicamentos poderiam ajudar um número ainda maior de pacientes, incluindo aqueles com doenças cardiovasculares ou renais crônicas. O mercado reagiu bem a essa notícia e as ações dos fabricantes de análogos de GLP-1 subiram 26% nos dois meses após a divulgação dos resultados dos testes. Ao mesmo tempo, as ações das medtechs, especialmente daquelas envolvidas de alguma forma com obesidade e em categorias adjacentes (como saúde cardiovascular, diabetes, ortopedia, apneia do sono e cirurgia), caíram 17% diante do temor de que a adoção dos análogos de GLP-1 reduzirá drasticamente o uso de aparelhos em diagnósticos e intervenções.

Na verdade, os análogos de GLP-1 podem ajudar significativamente muitos pacientes, mas é provável que seu efeito será mínimo na maioria dos mercados de tecnologia médica. Terapêuticas de longa duração com análogos de GLP-1 dependem da adesão do paciente às indicações médicas, da cobertura dos seguros-saúde e do número relativo de prescrições. Nossa análise de vários cenários sugere que, para a maioria das indicações nos setores de tecnologia médica, menos de 10% dos pacientes se tornarão usuários duradouros desses medicamentos. Entretanto, os análogos de GLP-1 estão bastante presentes na mente de analistas, executivos, investidores e pacientes, de modo que as medtechs precisarão de narrativas proativas e factuais que descrevam o impacto potencial dessas drogas nos negócios.


Quando refletem sobre o crescimento e os desafios do ano que passou, os líderes do setor têm motivos para se sentirem energizados com as promessas de 2024. O novo ano trará inovações que melhorarão mais vidas, oportunidades de criação de valor e novas abordagens para lidar com as tendências que hoje moldam o mercado. Embora obstáculos persistam, o setor de tecnologia médica está preparado para continuar a proporcionar benefícios a todos os seus stakeholders.

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