Os acontecimentos dos últimos anos reiteraram aos executivos a importância da colaboração e de acolher perspectivas variadas quando se busca resolver problemas complicados do local de trabalho. As empresas não estavam plenamente preparadas para o início de uma pandemia global, por exemplo, e tudo o que dela decorreu – incluindo o embaralhamento das cadeias de suprimentos (e a resultante Grande Evasão de funcionários) e a adoção do trabalho remoto (e, agora, híbrido), que exigiram que as organizações repensassem a fundo suas estratégias de talentos. Na maioria dos casos, contudo, os líderes conseguiram colaborar em meio à incerteza, participar de análises e discussões rigorosas sobre as melhores medidas a tomar, e trabalhar com funcionários, fornecedores, parceiros e outros stakeholders críticos para reagirem à situação e para suas empresas se recuperarem.
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E não foi apenas a COVID-19: muitas organizações tiveram que repensar suas estratégias e práticas de negócios diante das preocupações ambientais, da guerra na Ucrânia e dos movimentos sociais desencadeados pela injustiça racial, conduta sexual imprópria e desigualdade econômica generalizada. Estamos vivendo em tempos acelerados e complexos, repletos não apenas de desafios preocupantes, mas também de enorme potencial – e organizações dispostas a inovar encontrarão amplas oportunidades para prosperar. Mas agora, mais do que nunca, os tomadores de decisão não podem agir sozinhos; precisam trazer perspectivas variadas à mesa e assegurar que essas vozes sejam realmente ouvidas.1
Entretanto, embora muitos líderes afirmem estar abertos à discordância, sua maneira de reagir costuma mudar quando efetivamente se deparam com alguma divergência. Talvez assumam uma postura defensiva. Talvez comecem a questionar seu próprio discernimento. Talvez se sintam rancorosos por terem que reservar tempo para reavaliar o processo decisório. Estas são reações naturais, é claro; a lealdade e a afirmação dos funcionários sempre serão mais reconfortantes para o líder do que desafios ou contestações do grupo. A situação também não é fácil para aqueles que venham a ter uma perspectiva divergente; é muito mais seguro guardar as próprias ideias para si e se enquadrar do que correr o risco de ser expulso do grupo.2
O que falta em muitas empresas, em nossa experiência, é a adoção da “discordância contributiva”, isto é, a capacidade de participar de discussões salutares, ainda que divergentes, sobre problemas críticos dos negócios. A discordância contributiva permite que indivíduos e grupos expressem suas diferenças de uma maneira que faça a discussão avançar para um resultado positivo sem desmerecer a liderança ou prejudicar a coesão do grupo.3
Pesquisas e experiências de campo da McKinsey apontam várias medidas que os líderes podem tomar para promover uma discordância salutar e criar uma cultura na qual o feedback construtivo é esperado e a comunicação é franca e direta. Isso inclui tomar os comportamentos “abertos” como modelo, incorporar segurança psicológica e discussões vigorosas aos processos decisórios, e equipar os funcionários com as habilidades de comunicação que lhes permitam efetivamente contribuir com opiniões divergentes.
Neste artigo, descrevemos as medidas que os líderes podem tomar para encorajar uma discordância salutar, e as ações que equipes e indivíduos podem empreender para melhor compartilharem suas vozes e perspectivas. Afinal, dois lados são necessários para haver um debate robusto, encontrar as soluções certas e possibilitar mudanças positivas e duradouras.
Como os líderes podem encorajar a discordância contributiva
A alta liderança de uma organização desempenha papel fundamental em assegurar que indivíduos e equipes vejam a discordância contributiva como parte normal de qualquer discussão. Os líderes podem sinalizar a importância da divergência adotando uma série de medidas para institucionalizar essa prática dentro da organização e incentivar os funcionários a compartilharem suas ideias de forma livre e produtiva. Especificamente, os líderes seniores devem se esforçar para inspirar, não direcionar, os funcionários a colaborarem. Devem explicitamente exigir que discordem e, indo um passo além, contender ativamente com aqueles que “são do contra” (veja box, “Como promover uma discordância salutar”).4
Inspirar, não direcionar
Como disse o palestrante inspiracional Simon Sinek: “O papel de um líder não é ter todas as grandes ideias. É criar um ambiente no qual grandes ideias possam acontecer.”5 Isso é particularmente importante para fomentar uma atmosfera de colaboração e discordância contributiva. Em vez de partir imediatamente para uma discussão sobre soluções, um líder sênior de certa organização internacional preferiu aludir à ansiedade de sua equipe após uma crise: “Posso ver que vocês estão se sentindo confusos e incertos quanto o caminho a seguir. Isso é ótimo! Fico feliz que estejamos todos sentindo a mesma coisa e que entendemos corretamente a nossa situação! Tenho certeza de que poderemos resolver isso juntos, mas vai exigir as melhores ideias de todos vocês. Podemos começar já.” Sua autenticidade e humor sutil permitiram que ele se conectasse com o grupo e os inspirasse a manter a calma, seguir em frente e gerar soluções que um líder, por si só, não teria conseguido produzir. Ron Heifetz, professor de Harvard, descreve isso como a criação de um ambiente de holding [capaz de criar um elo entre o físico e o emocional], que é um elemento-chave da liderança adaptativa.6
Explicitamente exigir discordância
Não basta que os líderes deem permissão às pessoas para discordar; eles devem exigir que discordem. Em muitas empresas, indivíduos e equipes podem (compreensivelmente) adotar uma certa camaradagem como padrão, sem perceberem que existem maneiras de contestar ideias sem desrespeitar as funções e o intelecto dos colegas. Cabe aos líderes seniores, portanto, ajudar os funcionários a entender quais são os limites. Na Primeira Guerra, o general australiano Sir John Monash estava determinado a aprimorar suas táticas para superar o impasse catastrófico da guerra de trincheiras. Ele sabia que a experiência dos soldados nas trincheiras continha em si algumas respostas, mas precisava afrouxar a disciplina militar de obediência cega: “Quando vocês acham que estou certo, saibam que não dou a mínima para sua lealdade no serviço; o que eu quero é essa mesma lealdade quando vocês acham que estou errado”. Monash organizou sessões abertas de planejamento de batalha e pediu conselhos a quem quer que se dispusesse a oferecê-los. Com isso, em todos os escalões, aumentou confiança dos soldados em seus planos, que se tornaram corresponsáveis por eles. A orquestração resultante de tanques, artilharia, força aérea e tropas levou a avanços rápidos ao longo do Vale do Somme, e Monash conquistou o respeito e a estima de seus soldados, cujas chances de sobrevivência e de vitória final aumentaram perceptivelmente.
Interagir ativamente com os que são “do contra”
Levando o imperativo de exigir discordância um passo adiante, os líderes só têm a ganhar buscando ativamente a opinião dos antagonistas, que poderão se transformar em aliados influentes simplesmente por fazerem parte da conversa. Eles podem melhorar imediatamente a natureza do debate sobre negócios e a qualidade da decisão final, embora colaborar com quem é do contra nem sempre seja fácil, pois algumas opiniões divergentes podem ser mal informadas ou desagradáveis de ouvir. Os líderes seniores devem, portanto, deixar de lado seu desconforto e ficar atentos a sinais de dissonância cognitiva dentro da organização. Por exemplo, os funcionários da linha de frente poderão dizer coisas como: “Ninguém acredita que possamos pensar estrategicamente” ou “A empresa não coloca as pessoas em primeiro lugar”, ainda que a alta gerência realmente ache que avançou em ambas as áreas. Seja como for, os líderes precisam absorver esses comentários, tratá-los como pontos de dados úteis, avaliar sua validade e participar de discussões que podem vir a ser desafiadoras. Talvez também queiram recorrer às chamadas equipes vermelhas [que simulam o papel de um adversário] e a análises pre-mortem, que permitem que as equipes antevejam todas as maneiras pelas quais um projeto pode falhar, a fim de contextualizar opiniões divergentes, mitigar o conformismo no grupo e chegar a uma resolução positiva. Esses comportamentos também servem para aumentar a agilidade e a resiliência organizacionais.
Como os líderes podem assegurar a segurança psicológica
Os líderes seniores precisam criar um ambiente de trabalho no qual seja seguro apresentar pontos de vista divergentes. O trabalho do McKinsey Health Institute sobre o bem-estar dos funcionários aponta uma forte correlação entre os comportamentos da liderança e a cultura colaborativa, de um lado, e a resistência a problemas de saúde mental e burnout, de outro: em ambientes com baixo grau de inclusão e pouco suporte ao crescimento pessoal, apenas 15% dos funcionários são altamente engajados (vs. 38% em ambientes mais favoráveis).7 Os líderes devem assegurar a segurança psicológica – de tal modo que os membros da equipe sintam que, mesmo assumindo riscos interpessoais, continuarão sendo respeitados e aceitos – e definir as condições para a discordância contributiva; para tanto, precisam repensar tanto a dinâmica como a coreografia da participação em debates.
A dinâmica do debate
O poeta e dramaturgo Oscar Wilde descreveu uma cultura salutar de debate como aquela em que as pessoas conseguem “jogar graciosamente com as ideias” – ouvindo e até alimentando pontos de vista contrários de maneira comedida e respeitosa.8 De fato, as melhores ideias tendem a surgir na interseção de culturas e opiniões. Na Florença do século 15, por exemplo, a família Médici atraiu e financiou pessoas criativas de todas as artes e ciências, e estabeleceu um epicentro de pensamento inovador que ajudou a desencadear o Renascimento.9 Mais recentemente, temos visto importantes inovações interdisciplinares, como a aplicação de pesquisas de biólogos sobre colônias de formigas à resolução de problemas de roteamento em telecomunicações. E, no mundo dos negócios, inovações extraordinárias foram realizadas por líderes de mente aberta que reuniram pessoas inteligentes e criaram condições para investigações lúdicas.
Para alcançar um estado em que é possível “jogar graciosamente com ideias”, a alta liderança deve nortear cuidadosamente a dinâmica do grupo durante os debates. Por exemplo, em vez de liderarem com suas próprias opiniões (o que pode ter um enorme peso imediato no grupo e sufocar a discussão), líderes seniores devem se conter e deixar que outros conduzam a discussão, embora possam intervir quando estiverem genuinamente curiosos sobre algo ou para reconhecerem explicitamente algum ponto de vista dissidente que tenha conseguido mudar sua maneira de pensar. Se permitirem que vozes de outros escalões levem a agenda adiante, examinando e discutindo ideias variadas, por mais imperfeitas que sejam, estarão criando uma atmosfera de segurança psicológica e, assim, conquistando o respeito duradouro de seus colegas.10
Os líderes também precisam estar cientes das diferenças culturais que poderão despontar durante os debates. Por exemplo, os australianos costumam falar com franqueza e ficam felizes em lidar com problemas sem meias palavras. Por sua vez, o conceito de “rosto” é tão importante em muitas culturas asiáticas que uma abordagem mais cautelosa deve ser adotada. E as culturas do Pacífico, em particular a dos maoris, enfatizam demonstrações de força e respeito.11 Essas diferenças na dinâmica do debate realmente importam. Podem ser uma grande fonte de vigor híbrido,12 se administradas com tato e sensibilidade, ou, caso contrário, uma fonte de conflito e privação de direitos. Para lidar com essas diferenças de forma positiva, a alta liderança pode realizar um exercício de mapeamento que identifique os diferentes estilos das culturas presentes, validando-as e adotando medidas pragmáticas para integrá-las.
A coreografia do debate
Além de simplesmente gerirem a dinâmica do debate, os líderes da empresa devem também se envolver na sua coreografia, especificamente ajudando a desenhar processos de raciocínio coletivo para que cada um saiba como melhor exercer a sua parte. Para tanto, podem adotar uma abordagem estruturada de brainstorming, por exemplo, ou reservar horários estratégicos fora da empresa (onde seja possível combinar pensamentos “deliberados” e pensamentos “distraídos”, com tempo reservado para atividades sociais, por exemplo) a fim de se valerem dos processos de ideação profunda dos funcionários.
Com vistas a criar uma estrutura sustentável para o debate, os líderes empresariais devem considerar questões relacionadas à estrutura da equipe e às regras de participação: O que significa sucesso quando se trata de discordância contributiva? Quais tópicos e comportamentos são inaceitáveis? Quem conduzirá a discussão e como os comentários serão capturados? Quem tem a palavra final nas decisões? Quais decisões podem ser delegadas e a quem? (Veja uma explicação mais abrangente no box, “Como escolhas deliberadas dos líderes podem otimizar o processo decisório”.)
Com esses parâmetros em vigor, a equipe fica livre para pensar de modo mais criativo sobre os problemas em questão. A definição de tais protocolos também pode facilitar a colocação de opiniões divergentes. Em certa empresa, as pessoas precisam fazer menção a seus valores ou vieses quando expressam uma opinião divergente. Durante as reuniões do comitê de promoção, por exemplo, uma afirmação como “Acho que estamos tomando a decisão errada” precisaria ser reformulada: “Sou alguém que valoriza mais a experiência do que a colaboração, e essa decisão corre o risco de levar à perda de muitos conhecimentos institucionais”.
Como indivíduos e equipes podem participar e discordar
Como vimos, a alta liderança pode tomar medidas que criem condições para fortalecer as discussões e a resolução de problemas, mas as próprias pessoas e equipes também precisam ter a mentalidade e as habilidades certas para que a discordância contributiva funcione bem (veja box, “Como equipes e indivíduos podem aprender a discordar”). Em particular, elas devem abraçar a obrigação de discordar, ativamente abrir espaço para analisar ideias diferentes das suas e, então, encontrar maneiras de reiterar as ideias alheias ou de respeitosamente concordar em discordar.
Abrace a obrigação de discordar
Indivíduos e equipes precisam demonstrar certo grau de humildade e autoconfiança para respeitosamente falarem a verdade a quem detém o poder; precisam ter certeza de que agir dessa maneira é a coisa certa a fazer. Para adquirirem essa autoconfiança, devem se lembrar de que o ato em si de discordar pode ser valioso, mesmo que a contribuição resultante não esteja 100% articulada. Outros poderão reagir ou desenvolver o ponto de vista divergente – algo que, por si só, pode ser satisfatório para quem manifestou uma discordância. Mesmo que a decisão final não seja a que os dissidentes propuseram, é certo que eles ajudaram a moldá-la ao apresentarem e testarem outras possibilidades válidas.
Abra espaço para analisar pontos de vista diferentes
Indivíduos e equipes talvez precisem de tempo para determinar quais são suas posições sobre um problema. Durante esse período, é importante manter a mente aberta (e ser percebido como tendo a mente aberta) e respeitar as opiniões alheias. Isso significa fazer inúmeras perguntas, coletar informações, avaliar as motivações dos outros e reconhecer seus pontos de vista antes de expor as próprias alternativas. Grande parte dessa coleta de fatos pode ser feita em contato direto com cada pessoa, sem confronto, em conversas reservadas, não numa sala de reunião carregada de tensão. Nessas conversas, cada indivíduo pode começar reafirmando o compromisso compartilhado de encontrar uma solução para o problema em questão, seu respeito pelo processo decisório e pelo grupo, e as áreas onde há consenso. Deve também sinalizar sua possível intenção de discordar e pedir permissão para fazê-lo, em vez de confrontar os demais cara a cara. As pessoas acharão mais difícil recusar essa permissão (e se mostrarão menos propensas a ficar na defensiva) se ouvirem você dizer algo como: “Esta é uma discussão excelente e adoro a visão de onde estamos indo, mas não seria melhor se explorássemos algumas alternativas de como chegar lá?”
Concorde em reiterar…
Indivíduos e equipes que decidem apresentar pontos de vista divergentes devem concordar em reiterar outras soluções, em vez fincarem o pé. Suas opiniões divergentes precisam ser convincentes, persuasivas e imparciais – mas ninguém deve esperar que vá transformar corações e mentes logo na primeira tentativa. É preciso plantar as sementes com cuidado e aguardar o momento propício. É até possível que se veja a ideia que lançamos sendo discutida como se fosse a de outra pessoa. A habilidade crítica necessária aqui é saber ouvir ativamente, sem preconceitos: um dissidente deve ouvir atentamente insights alheios que possam úteis e encontrar maneiras de construir algo a partir deles. Na discordância contributiva, indivíduos e equipes devem reservar um momento para resumir o que os outros disseram e, em seguida, perguntar algo como: “Posso apresentar outro ponto de vista?” – deixando então que a conversa siga seu próprio ritmo.
… ou concorde em discordar
Mas o que acontece se, após dar seu parecer com máxima ponderação e diplomacia, o dissidente ainda acreditar que a decisão está indo na direção errada? Em nossa experiência, recusar-se a dar seu consentimento torna-se então uma opção legítima: ninguém deve concordar se não concordar. É aqui que todo o cuidadoso e respeitoso trabalho de base do dissidente poderá render dividendos. Na verdade, um ponto de vista divergente ganha ainda mais força quando um indivíduo puder dizer algo como: “Ainda acredito na minha solução alternativa, mas sou grato pela oportunidade de contribuir para esse processo; e aceito e respeito que vocês tenham a palavra final”. Desse modo, o dissidente estará apoiando o líder ao mesmo tempo em que sinaliza que o debate aberto não o convenceu a mudar sua visão inicial.
Obviamente, recusar-se a dar consentimento deve ser uma ação relativamente rara, que só deve ocorrer depois que o indivíduo ou equipe já demonstrou ser capaz de aceitar outros pontos de vista e de se alinhar com o consenso quando acreditar que é a coisa certa a fazer. Pense na juíza associada da Suprema Corte dos EUA, Ruth Bader Ginsburg, que aderiu à visão consensual em inúmeras decisões, mas é hoje celebrada especialmente pelas mudanças positivas que decorreram de suas opiniões divergentes e altamente influentes em questões como igualdade de gênero, direitos humanos e liberdade religiosa.
A discordância contributiva pode ajudar a consolidar o envolvimento dos funcionários, revelar insights ocultos e ajudar as organizações a resolverem situações difíceis. Mas colocá-la em prática requer coragem e humildade; não é algo que aconteça por acaso. Os líderes precisam intencionalmente aceitar contestações a seus planos e opiniões, mesmo quando for desagradável fazê-lo. Precisam criar culturas e estruturas nas quais o debate respeitoso seja possível e nas quais indivíduos e equipes se sintam livres para oferecer soluções alternativas inovadoras – e, muitas vezes, melhores.