Superando estigmas: Três estratégias para ter uma saúde mental melhor no ambiente de trabalho

A pandemia da COVID-19 cobrou um alto preço psicológico em todo o mundo. Hoje, rumo ao final da pandemia, quase 1 bilhão de pessoas sofrem de algum distúrbio de saúde mental ou de uso de substâncias1 (chamadas de forma geral de quadros adversos de saúde comportamental). Ao se prepararem para o retorno ao ambiente de trabalho no período pós-pandemia, identificar quadros adversos de saúde mental e oferecer o suporte necessário aos funcionários afetados pela pandemia precisa ser uma prioridade da diretoria.

Embora a maioria dos empregadores afirme que a saúde mental dos funcionários seja tratada com seriedade, muitos deles não confrontaram um desafio crítico: o estigma. Utilizando dados de duas pesquisas recentes realizadas nos Estados Unidos pelo Center for Societal Benefit through Healthcare2, da McKinsey, este artigo oferece um olhar aprofundado sobre estigmas no ambiente de trabalho e seu papel no agravamento das condições de saúde comportamental e na diminuição da produtividade e da autovalorização dos funcionários. Esse é um problema generalizado com implicações graves. A boa notícia é que os empregadores estão em uma condição privilegiada para enfrentar os estigmas, especialmente durante a curta janela pós-pandemia, quando muitas organizações estão evoluindo suas operações para a nova realidade de trabalho híbrido.

O estigma e seu impacto

Em saúde comportamental, “estigma” é definido como certo grau de vergonha, preconceito ou discriminação contra pessoas com quadros adversos de saúde mental ou de uso de substâncias. Em função do estigma, esses quadros costumam ser vistos e tratados de forma diferente de outras condições graves, apesar de estarem profundamente ligados a genética e biologia3. O estigma afeta tudo, de interações pessoais a normas sociais e estruturas organizacionais, incluindo acesso a tratamento e reembolso de despesas.

A National Academy of Medicine define três principais formas de estigma, cada qual podendo ter efeitos extensos e danosos4:

  • O autoestigma ocorre quando as pessoas internalizam e aceitam estereótipos negativos. Ele transforma uma pessoa saudável em alguém que se sente “destruído”. Como um funcionário nos disse, “a depressão pode ser uma doença terrível. Ela faz você se sentir inútil e sem propósito.”
  • O estigma público (que algumas vezes é chamado de estigma social) é a atitude negativa da sociedade em relação a um grupo de pessoas específico. No caso de quadros adversos de saúde comportamental, esse tipo de estigma cria um ambiente no qual as pessoas que têm essas condições sejam desacreditadas, temidas e isoladas. Como explicou um funcionário, “existe um estigma muito forte contra distúrbios de saúde mental. Mas, se você não fala sobre ele, sofre sozinho”.
  • O estigma estrutural (incluindo o estigma de ambiente de trabalho) refere-se a uma discriminação sistêmica (como normas culturais, práticas institucionais e políticas de saúde sem equivalente com outros quadros adversos de saúde) que pressiona recursos e oportunidades e, portanto, compromete o bem-estar. “O desafio número um que eu tenho é encontrar provedores [de saúde]”, afirmou um funcionário. “É um problema para mim, para a minha esposa e para os meus filhos.”

O impacto do estigma pode ser profundo. Em um momento em que as pessoas estão em sua condição mais vulnerável e de maior necessidade, o estigma as impede de pedir ajuda. Esse terrível paradoxo pode agravar uma doença que costuma ser invisível para as outras pessoas. Existem tratamentos eficazes baseados em evidências que possibilitam às pessoas com quadros adversos de saúde comportamental ter vidas produtivas e plenas. O estigma cria uma nuvem de vergonha e incerteza que encobre o que poderia ser um caminho claro para a recuperação5.

Em um momento em que as pessoas estão em sua condição mais vulnerável e de maior necessidade, o estigma as impede de pedir ajuda. Esse terrível paradoxo pode agravar uma doença que costuma ser invisível para as outras pessoas.

Uma análise das nossas duas pesquisas dá uma ideia do impacto. Por exemplo, muitos funcionários com algum quadro adverso de saúde comportamental mencionaram que evitariam um tratamento porque não queriam que as pessoas soubessem de seu quadro adverso de saúde mental (37%) ou de algum distúrbio por uso de substâncias (52%). O estigma também está associado à menor produtividade da força de trabalho. Quase sete em dez participantes da pesquisa com níveis altos de autoestigma disseram perder pelo menos um dia de trabalho por conta de esgotamento ou estresse6.

Oportunidade para os empregadores tratarem o estigma

Há uma desconexão muito grande entre as perspectivas de empregadores e funcionários sobre estigma no ambiente de trabalho. Enquanto cerca de 80% dos funcionários que ouvimos disseram acreditar que uma campanha antiestigma ou de conscientização seria útil, apenas 23% dos empregadores disseram ter implementado esse tipo de programa. Quando foi pedido que os funcionários priorizassem 11 potenciais iniciativas focadas em saúde comportamental, eles classificaram a redução do estigma em último lugar (Quadro 1).

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Porém, 75% dos mesmos empregadores reconheceram a presença de estigma em seus ambientes de trabalho. Eles sabem que seus funcionários temem falar sobre suas necessidades de saúde comportamental. De fato, muitos líderes admitem que eles mesmos podem não se sentir à vontade para pedir ajuda. Portanto, por que eles não estão combatendo o que sabem que existe?

Embora as empresas possam evitar o estigma porque imaginam ser muito abstrato para tratar, elas estão, na verdade, perdendo uma enorme oportunidade. Os empregadores não podem resolver todos os aspectos de distúrbios de uso de substâncias e doenças mentais em seus ambientes de trabalho. Porém, o estigma é algo que elas realmente podem mudar. Adotar as ações corretas pode mudar o diálogo de estigma para apoio.

A curta janela de tempo na qual as organizações estão fazendo a transição de suas operações para a vida pós-pandemia é o momento perfeito para agir. Entender, priorizar e planejar a saúde mental dos funcionários no pós-pandemia precisa ser parte da estratégia de toda empresa no retorno para o ambiente de trabalho. Uma cultura inclusiva e benefícios igualitários podem possibilitar uma intervenção antecipada e mais eficaz e apoio para pessoas com quadros adversos de saúde comportamental. Tratar o estigma como uma responsabilidade coletiva nos três níveis (sistemas organizacionais, líderes e pares e colegas ) tornará esses planos mais eficazes e ajudará a garantir saúde e compromisso da força de trabalho no longo prazo.

A curta janela de tempo na qual as organizações estão fazendo a transição de suas operações para a vida pós-pandemia é o momento perfeito para agir.

Estratégias para reduzir estigma no ambiente de trabalho

Entendemos que o estigma possa parecer um conceito vago e um desafio insuperável para os empregadores. Também sabemos que as atitudes para enfrentar o estigma podem variar de acordo com aspectos demográficos e outros fatores, dificultando o tratamento adequado sem uma abordagem customizada. Entretanto, os empregadores que trataram o estigma criaram abordagens que podem funcionar em uma variedade de populações. Combinando experiências desses empregadores e as lições de nossa pesquisa, há três estratégias abrangentes que podem ajudar a eliminar o estigma associado aos quadros adversos de saúde comportamental no ambiente de trabalho.

Mudar a percepção de vício e doença mental

Para os iniciantes, os empregadores podem mudar a incorreta percepção de que um quadro adverso de saúde comportamental é uma falha moral. Essas condições são doenças tratáveis assim como qualquer outro quadro médico adverso. De acordo com nossa pesquisa, uma porcentagem significativa dos funcionários com quadros adversos de saúde comportamental relataram se sentir “envergonhados” ou “sem lugar no mundo” em função de suas condições. Muitos participantes mostraram preocupação de que as pessoas os considerassem sem valor ou que tivessem falha de caráter caso seu quadro adverso de saúde comportamental fosse descoberto (Quadro 2). Como mencionou um funcionário, “eu tinha um forte sentimento de vergonha e a alta gerência não falou comigo em momento algum. Eles agiam como se nada tivesse acontecido, mesmo que a razão que tenha me levado a tirar licença tivesse sido uma ansiedade relacionada ao trabalho.” Muitos participantes também estavam preocupados de que seus colegas soubessem de sua doença e questionassem seu talento ou suas habilidades.

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As empresas não podem mudar percepções de doença mental por decreto. Em vez disso, elas precisam de programas direcionados que eduquem as pessoas e promovam equipes apoiadoras. Essas ações diretas podem mitigar sentimentos em toda a empresa:

  • Oferecer treinamento de conhecimento sobre saúde mental para todos os funcionários. Programas como Mental Health First Aid8 ou Just Five9 podem ajudar a reconhecer e responder a desafios de saúde comportamental no ambiente de trabalho. Esse tipo de treinamento dissemina a mensagem de que distúrbios mentais e de uso de substâncias são quadros tratáveis para os quais prevenção, intervenção precoce, tratamento e apoio na recuperação podem permitir que as pessoas vivam de forma saudável e plena.
  • Treinar líderes e gerentes para reconhecer sinais de estresse. Se os líderes da equipe forem educados para entender problemas de saúde comportamental, eles serão capazes de identificar problemas antecipadamente e conectar os colegas ao apoio disponível e adequado. Esse tipo de apoio tangível pode reduzir o estigma que pode desencorajar os colegas de pedir ajuda.
  • Utilizar estratégias de educação com base no contato. Uma abordagem à educação baseada em evidências permite que as pessoas que tenham condições estigmatizadas dividam suas histórias. É importante incentivar os líderes a dividir suas experiências com desafios de saúde comportamental. Esse canal normalmente inexplorado (apenas 24% dos empregadores afirmaram usar seu grupo de diretores para comunicar sobre saúde mental) pode ter um forte impacto em uma empresa.

Uma abordagem à educação baseada em evidências permite que as pessoas que tenham condições estigmatizadas dividam suas histórias.

Eliminar o comportamento discriminatório

Como esperado, a maioria dos empregadores concordam que os quadros adversos de saúde mental precisam ser tratados com a mesma urgência, preparo e compaixão que outros quadros médicos adversos (por exemplo, diabetes). No entanto, os funcionários ainda enfrentam preconceito no ambiente de trabalho. “No meu emprego, existe um estigma relacionado à busca por ajuda e a falar sobre doenças mentais”, afirmou um funcionário. “Talvez seja porque muitas práticas no ambiente de trabalho sejam a razão pela qual muitas pessoas se sintam ansiosas, estressadas e depressivas.” Entre os participantes da pesquisa, a grande maioria com distúrbios mentais (65%) ou uso de substâncias (85%) percebem o estigma no ambiente de trabalho – e por uma boa razão. Os participantes que tinham pouca experiência com quadros adversos de saúde comportamental tinham uma probabilidade muito menor de estarem fortemente dispostos a trabalhar com alguém em recuperação comparando com pessoas que sofrem de distúrbios mentais e de uso de substâncias (Quadro 3). No entanto, mais de um terço dos participantes que tinham pouca experiência com quadro adverso de saúde comportamental se disseram razoavelmente dispostos, indicando uma potencial oportunidade de reduzir o estigma entre uma parte considerável da força de trabalho.

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Políticas e práticas para criar uma cultura livre de discriminação agora são consideradas fundamentais. Os empregadores precisam olhar atentamente para as culturas de seus ambientes de trabalho e muitos podem precisar seguir passos concretos para garantir que o ambiente seja de inclusão e apoio ao se comprometer a tratar pessoas com distúrbios de saúde mental e de uso de substâncias com dignidade e respeito. Apresentamos a seguir potenciais ações que os empregadores podem adotar para reduzir o comportamento discriminatório:

  • Comprometer-se a usar linguagem não estigmatizante10 nas comunicações internas e externas. Por exemplo, usar discurso em primeira pessoa que enfatize a humanidade de uma pessoa reduz estereótipos. Fazer o esforço de chamar alguém de uma “pessoa com distúrbios por uso de substâncias” em vez de viciado substitui um estereótipo negativo por aceitação.
  • Incluir neurodiversidade (incluindo quadros adversos de saúde comportamental) como parte de uma agenda expandida de diversidade, igualdade e inclusão. Criar um ambiente de trabalho apoiador com customização e flexibilidade amplamente disponível é uma forma significativa de ajudar as pessoas que têm quadros adversos de saúde comportamental (divulgados ou não) a superar barreiras.
  • Promover uma cultura psicologicamente segura. Pense em como recompensar a mentalidade de um atleta em vez de fomentar algum tipo de complexo de herói. Priorizar o bem-estar mental é crítico para a alta performance em vez de recompensar o excesso de trabalho às custas do descanso e da renovação.

Esforçar-se para garantir igualdade entre os benefícios de saúde mental e psicológica oferecidos

A maioria dos funcionários quer que seus empregadores garantam igualdade nos planos de saúde, programas de assistência a funcionários e outros programas de suporte oferecidos (Quadro 4). Chegar a essa igualdade não seria apenas um movimento simbólico dos empregadores. Na verdade, seria um dos componentes mais tangíveis que eles poderiam oferecer aos seus funcionários. Como comentou um funcionário, “conseguir serviços de saúde comportamental pode ser incrivelmente difícil. Isso faz com que eu me sinta muito sozinho”.

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Oferecer igualdade real em programas de apoio a funcionários requer trabalho. As empresas precisam se avaliar regularmente para garantir que estejam oferecendo o que elas dizem oferecer. O estigma torna a questão ainda mais importante. É necessário que uma pessoa tenha confiança até mesmo para pedir ajuda em primeiro lugar. Se elas se depararem com barreiras ao acesso, suas percepções sobre o estigma podem fazer com que elas simplesmente desistam em vez de pedir mais ajuda. Como nos disse um funcionário, “em fevereiro, recebi uma indicação para o meu quadro mental adverso, por meio do programa de assistência a funcionários, mas o provedor que eles indicaram não estava aceitando novos clientes. Demorou muito para buscar a indicação e eu ainda não solicitei outro.

Apresentamos aqui algumas possíveis ações que os empregadores podem adotar para atingir a igualdade de benefícios de saúde mental e física que eles oferecem:

  • • Garantir a igualdade e comunicá-la amplamente. Os empregadores podem fomentar a igualdade em políticas (por exemplo, políticas de retorno ao trabalho para as pessoas com quadros adversos de saúde comportamental), benefícios (por exemplo, acesso a tratamento e custos menores) e programas para o ambiente de trabalho. Os empregadores podem fazer uma conferência adicional das políticas e dos benefícios para quadros adversos de saúde comportamental, entender se estão totalmente alinhados e então amplificar e explicar sua disponibilidade. As avaliações de igualdade ajudam os empregadores a identificar melhores práticas do estado atual de seus benefícios e encontrar áreas de melhoria.
  • • Garantir participação nas prioridades da liderança. Os empregadores podem designar e empoderar líderes para tornar a saúde mental uma prioridade em suas organizações. Os resultados da nossa pesquisa sugerem que apenas 39% das organizações designaram um líder de nível executivo como responsável por supervisionar sua estrutura de saúde comportamental. Os empregadores também podem aprofundar a mensuração e a responsabilização por resultados de saúde comportamental, como fariam para qualquer outra prioridade organizacional. Menos de metade dos funcionários que afirmaram esperar melhoria nos resultados de saúde mental disseram que estavam, de fato, medindo resultados.

Menos de um em dez funcionários descrevem que seu ambiente de trabalho não possui estigma de distúrbios mentais ou de uso de substâncias. Com o retorno de funcionários com ansiedade ao ambiente de trabalho e com o ajuste das organizações às novas realidades pós-COVID-19, os sistemas organizacionais e os comportamentos de líderes e funcionários precisam mudar. As empresas têm uma oportunidade única de substituir atitudes negativas e políticas discriminatórias por atitudes e políticas mais saudáveis que possam melhorar o bem-estar de suas pessoas.

Promover educação sobre saúde comportamental, criando uma cultura inclusiva e tornando a saúde mental uma clara prioridade organizacional, são mudanças definitivas, especialmente em um momento no qual a batalha pelos talentos está ficando mais acirrada. Reduzindo o estigma e aumentando o apoio, os empregadores podem mitigar os custos humanos, organizacionais e econômicos do aumento dos distúrbios mentais e do uso de substâncias durante a pandemia.

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