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A indústria automotiva europeia é a espinha dorsal da economia e do bem-estar da região, respondendo por 7% do PIB da União Europeia e gerando cerca de €170 bilhões em exportações. Emprega em torno de 13,8 milhões de pessoas, sendo 3,5 milhões em empregos diretos e indiretos – 8,5% da força de trabalho manufatureira total da região. Ao mesmo tempo em que o setor avança em uma trajetória firme rumo à emissão zero, inovações em software, IA generativa, conectividade e tecnologias de direção autônoma estão revolucionando o que a indústria tem para oferecer. Lado a lado com a descarbonização, essa disrupção tecnológica constitui a maior transformação na história da indústria automotiva europeia e cria oportunidades para todos os participantes da sua cadeia de valor.
No entanto, a indústria automotiva europeia hoje enfrenta fortes ventos contrários. A disrupção tecnológica introduz novos requisitos e, combinada com a crescente concorrência internacional, as questões geopolíticas e os altos custos de produção, tem criado enormes desafios para o setor. Nesse cenário altamente disruptivo, um artigo recente da McKinsey aponta que €440 bilhões do PIB – cerca de um terço da indústria – estão sob grave ameaça até 2035.1
As empresas automotivas, juntamente com seu ecossistema de fornecedores, financiadores, reguladores e setores adjacentes, precisam se unir para efetuar mudanças estruturais e reposicionar a região como uma potência automotiva global. Neste artigo, examinamos os desafios que o setor enfrenta e apresentamos um plano de ação de nove pontos, baseado em um relatório anterior que elaboramos para a McKinsey. O plano é ancorado em três dimensões que estabelecerão alicerces sólidos para o futuro do setor: elementos econômicos robustos, resiliência vigorosa e descarbonização eficaz (abatimento de CO2), sintetizadas na sigla “ERA”. Além disso, a digitalização e a inteligência artificial serão fundamentais para o sucesso nessa nova era.
Ventos contrários sopram na indústria automotiva europeia
De longa data, a Europa sempre manteve uma posição global forte no setor automotivo. Agora, porém, o continente enfrenta uma série de desafios complexos e vive uma rápida transformação.
- Disrupção tecnológica e pressões da transição. Novos sistemas de propulsão, digitalização e veículos definidos por software (software-defined vehicles, SDVs) estão reconfigurando aspectos fundamentais do setor. A McKinsey estima que 85% a 90% do valor gerado por um veículo europeu com motor de combustão interna (MCI) é reinvestido na economia do continente, caindo para 75% no caso de veículos elétricos a bateria (battery-electric vehicles, BEVs) produzidos na região e para 15% a 20% no caso de BEVs importados. Os conjuntos motrizes [powertrains] dos veículos MCI estão cedendo lugar para os novos sistemas de propulsão dos veículos elétricos, exigindo não apenas a total reequipagem das linhas de produção, mas também uma redefinição das próprias cadeias de valor e das competências essenciais. Por sua vez, softwares e componentes eletrônicos – particularmente nas áreas em que empresas não europeias estão avançando rapidamente, como sistemas avançados de assistência ao motorista (advanced driver-assistance systems, ADAS), conectividade veicular e a qualidade da experiência do motorista ao dirigir – estão se tornando diferenciais importantes. Uma experiência digital superior também se tornou indispensável para muitos condutores. Pesquisas da McKinsey mostram que os avanços na digitalização e na IA afetam cada vez mais o valor das empresas no mercado global: por exemplo, o valuation das dez maiores empresas automotivas europeias (OEMs e fornecedores) despencou €71 bilhões desde 2015 (uma queda de 19%), ao passo que o das empresas de tecnologia dos EUA quadruplicou no mesmo período (segundo o índice NASDAQ 100).
- Intensificação da concorrência global e surgimento de novas empresas de tecnologia. As empresas automotivas europeias tradicionais perderam cerca de um quinto de seu share do mercado global desde 2017, enquanto o das novas montadoras dobrou. Com isso, cada grupo detém agora cerca de um quarto do mercado global. As empresas estabelecidas enfrentam a competição cada vez mais acirrada das novas nativas digitais no setor de veículos elétricos, que tendem a ter ciclos de desenvolvimento mais curtos, estruturas de integração vertical e até mesmo vantagens de escala, o que lhes permite desenvolver veículos cada vez mais avançados – frequentemente duas vezes mais depressa e pela metade do custo. Embora as marcas europeias ainda tenham excelente reputação, o centro de gravidade da inovação global está mudando, com a Ásia e a América do Norte liderando em tecnologias emergentes.
- Ventos contrários geopolíticos e econômicos. O alto preço e a volatilidade da energia, principalmente diante das mais recentes tensões geopolíticas, tornaram mais caro fabricar na Europa do que em outras regiões do mundo; o custo médio da energia na Europa é duas vezes maior que nos Estados Unidos e na China. A volatilidade das cadeias de suprimento de matérias-primas críticas (como elementos de terras raras) ameaça a disponibilidade de insumos essenciais para motores e componentes eletrônicos de veículos elétricos, já que a União Europeia importa da China mais de 95% desses elementos. Assim, as baterias, em particular, agora são tidas como ativos estratégicos. Em 2023, no entanto, não só a China controlava mais de 80% da cadeia de valor global desse componente, como as iniciativas para fabricar baterias mais perto de casa não tiveram êxito: várias falências recentes reduziram quase pela metade a capacidade de produção anunciada.
- Desafios estruturais e regulatórios no cenário operacional europeu. Iniciativas de reestruturação e adaptação – como ajustar a presença operacional e requalificar a força de trabalho – são mais complexas na Europa do que em outras regiões devido a um cenário regulatório com rigorosos padrões de compliance e cronogramas de aprovação.
Apesar dos desafios que a região enfrenta, a indústria automotiva europeia pode aproveitar o momento atual para recuperar sua vantagem competitiva global e, por meio de algumas ações direcionadas, completar com sucesso a transição para a fase seguinte.
Um plano de ação para a indústria automotiva europeia
Elaboramos um plano de ação para a indústria automotiva europeia enfrentar esses desafios e acelerar a transição para um futuro sustentável e competitivo. Fundamental para essa visão de uma nova “ERA” é o foco equilibrado em três dimensões críticas:
- Elementos econômicos robustos. As empresas automotivas europeias têm condições de gerar lucros sustentáveis para firmar e revigorar o ecossistema automotivo, preservar empregos e impulsionar o PIB do continente.
- Resiliência vigorosa. As empresas automotivas europeias estão posicionadas para construir cadeias de valor resilientes, reduzir sua dependência de outras regiões e manter a Europa como uma potência na cadeia de suprimentos.
- Abatimento de CO2. No que se refere à descarbonização, a indústria automotiva europeia está apta a atingir o net zero até 2050, graças aos trens de força sem emissão de poluentes dos veículos elétricos e a uma integração eficaz dos vários setores relevantes.
Para que a Europa realize uma transição bem-sucedida em cada uma dessas dimensões, três pilares são fundamentais: a transformação das empresas automotivas europeias, a adequação da cadeia de valor para o futuro e a equalização das condições de atuação para competir em escala global (Quadro 1).
1. Transformar as empresas automotivas europeias
Adaptar-se para o futuro implica transformação. As empresas automotivas europeias precisarão continuar investindo no lançamento de novos veículos, melhorando a eficiência operacional para reduzir custos e aumentar a velocidade, e implementando portfólios regionalizados para atender às diferentes necessidades dos clientes.
Investir mais de €150 bilhões por ano no futuro do setor automotivo
A indústria automotiva europeia planeja lançar cerca de 350 novos modelos de veículos elétricos no mercado até 2032. Espera-se que mais de 70% deles sejam BEVs; os demais incluem diversos tipos de híbridos, incluindo modelos plug-in e veículos com autonomia estendida e/ou movidos a células de combustível de hidrogênio. Nos últimos anos, os OEMs e os principais fornecedores europeus gastaram quase €150 bilhões por ano em P&D e investimentos de capital, em proporção quase igual – tornando a indústria automotiva, de longe, a maior impulsora da inovação na Europa, responsável por cerca de 30% do gasto total da EU em inovação.
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Investimentos maciços em novas instalações de produção e em tecnologias veiculares de última geração continuarão sendo necessários nos próximos anos, mas o setor só terá condições de sustentar esse nível de utilização de capital se continuar apresentando balanços patrimoniais saudáveis. Embora seja fundamental manter os níveis atuais de investimento, também será essencial direcionar esses recursos para fatores diferenciadores de alto impacto (conforme descrito nas seções a seguir). Diversificar as fontes de capital talvez possa aliviar esse fardo: o aumento no número de fusões e aquisições e a entrada de capital de risco poderão abrir novas oportunidades, enquanto empréstimos a juros baixos, garantidos pela UE, para projetos essenciais poderão proporcionar suporte adicional. Além disso, parcerias público-privadas deverão contribuir para financiar iniciativas de grande escala, como gigafábricas de baterias e redes de recarga. Se focarem não apenas a alocação eficaz de recursos, mas também os mecanismos inovadores de financiamento, os stakeholders poderão criar vantagens competitivas e alcançar sucesso duradouro.
Reduzir os custos em 20% a 50% e o time-to-market pela metade
Em todo o mundo, empresas disruptivas têm aumentado seu market share trabalhando de forma radicalmente diferente das empresas tradicionais, anunciando um novo horizonte industrial. Essas novatas são mais rápidas e ágeis para desenvolver produtos e construir fábricas, e utilizam novas técnicas de fabricação, integração, desenho e inovação em baterias. De acordo com uma análise da McKinsey, é graças a essas técnicas que elas conseguem lançar veículos no mercado duas vezes mais rápido que seus concorrentes europeus, numa faixa de preço 20% a 50% mais baixa.
Algumas ações fundamentais podem fazer com que as empresas europeias consigam acompanhar o ritmo das empresas disruptivas, das novas tecnologias e das mudanças nas preferências dos clientes:
- Efetuar mudanças tecnológicas radicais. Se adotarem uma mentalidade de “design to value” de última geração, focada em verdadeira diferenciação para o cliente, as montadoras europeias poderão priorizar recursos e inovações que reforcem a identidade da marca, eliminando ao mesmo tempo complexidades desnecessárias. Avanços na tecnologia de baterias (como a otimização dos formatos para aumentar eficiência e a adoção de compostos químicos de baixo custo – incluindo tecnologias de fosfato de ferro-lítio com manganês ou de íons de sódio) têm o potencial de reduzir significativamente o custo dos veículos e aprimorar as cadeias de suprimentos. Além disso, a simplificação do desenho estrutural (integrando as células à carroceria, por exemplo) pode reduzir o número de peças, otimizar a montagem e melhorar o desempenho. Por sua vez, a integração funcional – seja combinando múltiplos controles eletrônicos, adotando o carregamento em lotes [bank loading] ou implantando controladores centralizados de componentes e de áreas – minimiza a complexidade da fiação e dos materiais, reduzindo ainda mais os custos e acelerando a produção. Por fim, OEMs e fornecedores devem revisar e realizar testes de estresse em todos os requisitos, que muitas vezes têm origem em práticas comerciais legadas dos veículos com motor de combustão interna (por exemplo, redundância de sensores, fatores de carga, espessura dos materiais e parâmetros de ruído, vibração e aspereza). Os stakeholders devem reavaliar esses requisitos, muitos dos quais têm impacto limitado no valor para o cliente, na segurança e na durabilidade, e implicam custos desnecessários.
- Acelerar o desenvolvimento de produtos para diminuir o time-to-market. Diante da rapidez das mudanças em eletrificação e software, acelerar o desenvolvimento tornou-se crucial para as empresas se manterem competitivas e controlarem os custos. Os OEMs chineses provaram que o time-to-market pode ser reduzido para menos de dois anos, ou seja, é possível lançar novos produtos duas vezes mais depressa que uma montadora tradicional. Para eliminar essa discrepância com concorrentes globais mais velozes, as empresas automotivas europeias precisam acelerar significativamente a inovação e migrar da engenharia sequencial tradicional para modelos de desenvolvimento ágeis e assíncronos. O desenvolvimento baseado em gatilhos – pelo qual softwares são testados e refinados iterativamente, mesmo utilizando-se hardware ainda imaturo – permite comprimir caminhos críticos, especialmente no caso de componentes que fazem uso intensivo de software, como gerenciamento de bateria, controle veicular e sistemas avançados de direção. Essa mudança é particularmente valiosa porque, cada vez mais, são tais sistemas que definem a diferenciação dos produtos e, para tanto, exigem iterações rápidas e contínuas.
- Melhorar a eficiência da cadeia de suprimentos e conquistar vantagem mediante ampla colaboração e parcerias com fornecedores. As montadoras europeias devem buscar novos relacionamentos e processos de trabalho com os fornecedores – por exemplo, adotando uma abordagem de “livro aberto”, pela qual fabricantes e fornecedores colaboram para definir requisitos e desenhos desde o início do processo, acelerando o time-to-market. Esse tipo de colaboração vertical geralmente significa trabalhar lado a lado com fornecedores e parceiros para iterar e explorar novas soluções rapidamente, e também para incorporar informações do ecossistema como um todo. Essas abordagens podem ajudar as empresas a realizar mudanças radicais no desempenho, custo e time-to-market de soluções técnicas, e a construir cadeias de suprimentos mais localizadas, diversificadas e resilientes. Por fim, o compartilhamento de plataformas e componentes entre OEMs também pode gerar economias de escala na cadeia de valor.
- Otimizar os processos e impactos da fabricação. As montadoras precisam reavaliar onde e como produzem veículos e componentes. Se otimizarem sua presença global para utilizar ao máximo suas fábricas e atuar em locais com boa relação custo-benefício e próximos aos principais mercados, os fabricantes terão condições de arcar com os custos, tarifas flutuantes e riscos da cadeia de suprimentos. Desenhar veículos otimizados para a fabricação ajudará a simplificar as etapas do processo, reduzir a variabilidade e agilizar a produção. Além disso, a adoção de técnicas avançadas, como gigafundicão sob pressão [gigacasting] e fabricação modular [em vez de linhas de montagem], pode aumentar a eficiência, acelerar a execução e reduzir custos.
- Incorporar IA para agregar eficiência adicional. Introduzir aplicações de IA ao longo de todo o desenvolvimento e produção de veículos, e também a todos os processos operacionais e administrativos, poderá gerar mais de €100 bilhões em ganhos anuais de valor e eficiência até 2030 para os OEMs europeus, segundo análise da McKinsey. As empresas automotivas europeias podem adotar a IA agêntica para aumentar a produtividade em tarefas de engenharia, vendas e administração; implantar robótica autônoma em diversas etapas da produção; e otimizar processos, desde a logística até os ciclos de desenvolvimento.
Aumentar as economias de escala é essencial para garantir que essas alavancas de custo e de eficiência gerem os resultados pretendidos. Benchmarks de mercado de montadoras que fabricam apenas veículos elétricos indicam que, para obter margens positivas com o aumento da escala, é preciso produzir pelo menos 80.000 veículos por trimestre, de acordo com análise do McKinsey Center for Future Mobility. No entanto, escala, em si, não é suficiente; é preciso excepcional eficiência organizacional para que as operações também possam contribuir. Organizações agilizadas e digitalizadas, com um processo decisório rápido, gestão rigorosa do desempenho e custos indiretos enxutos, estão mais bem equipadas para se adaptar às mudanças no mercado e na legislação – e para traduzir intenção estratégica em desempenho superior e numa liderança segura que consiga dar conta da transição automotiva global.
Implementar um modelo operacional regional focado no cliente
Os mercados automotivos regionais estão divergindo rapidamente, impelidos por grandes diferenças no grau de eletrificação, nas expectativas tecnológicas e no comportamento do consumidor. Na China, quase metade de todos os carros novos vendidos em 2024 foram “veículos de novas energias” (new energy vehicles, NEVs), isto é, veículos movidos predominante ou totalmente a energia elétrica. Do total de vendas de NEVs, os BEVs representaram 28% e os modelos híbridos plug-in (PHEVs), 15%. Adicionalmente, 6% do total foram veículos elétricos de autonomia estendida (extended-range electric vehicles, EREVs)2, que são híbridos de longo alcance encontrados quase só China, mas rapidamente ganhando popularidade na Europa. Em contraste, a taxa de adoção de veículos elétricos a bateria (BEVs) no continente europeu foi de apenas 14%, e os PHEVs representaram 7% das vendas. Os Estados Unidos ficaram para trás, pois as vendas de todos os tipos de veículos elétricos representaram somente 10% do total.
A China também se destaca em termos da demanda futura esperada: 45% dos consumidores chineses que responderam a uma pesquisa recente disseram que planejam escolher um BEV como seu próximo carro, em comparação com apenas 23% na Europa e 12% nos Estados Unidos. Outros 37% de chineses estão considerando um PHEV ou EREV. Vale notar que apenas 18% dos compradores chineses acreditam que seu próximo carro terá motor de combustão interna (MCI), em comparação com 49% na Europa e 70% nos Estados Unidos. No entanto, se os híbridos de longo alcance estivessem facilmente disponíveis, 24% dos consumidores europeus e 23% dos americanos pensariam em adquiri-los – embora quase todos esses clientes tenham afirmado inicialmente que pretendiam adquirir um veículo MCI.
A demanda por sistemas avançados de assistência ao motorista (ADAS) revela um contraste ainda mais marcante: mais de 75% dos consumidores chineses expressaram interesse no ADAS nível 2+ e mais de 65% estão interessados no ADAS nível 33. Isso coloca tais sistemas entre os dez principais critérios de compra na China; e para compradores de veículos premium, ADAS é um dos quatro critérios decisivos. Na Europa, por sua vez, a importância do ADAS é bem menor, com apenas cerca de 40% dos consumidores interessados no nível 2+ e cerca de 30% no nível 3.
Experiências digitais e atitudes perante as marcas também estão revolucionando o cenário automotivo. Na China, funcionalidades de direção inteligente e assistentes de voz são prioritários, mas nos Estados Unidos e na Europa estes são meros recursos “bons de ter”, não fatores decisivos. Os consumidores chineses demonstram notável abertura a novas marcas: 82% têm interesse em novos veículos elétricos nacionais e mais de 65% estão dispostos a mudar de marca na próxima compra, classificando recursos de condução avançada e um cockpit inteligente como os principais motivos para preferirem marcas chinesas. No entanto, embora a fidelidade a marcas domésticas permaneça forte no Ocidente, 21% dos europeus e 25% dos americanos afirmam que considerariam um carro novo de alguma marca chinesa de veículos elétricos.
Dadas essas diferenças regionais marcantes, a estratégia tradicional das montadoras europeias – desenvolver uma plataforma única de veículos para uso global – está deixando de ser viável. Talvez seja hora de mudar de marcha e adotar uma estratégia de desenvolvimento mais localizada, construir cadeias de suprimentos regionais e adaptar as ofertas a cada mercado. Isso atenderia aos requisitos regulatórios, infraestruturais e dos consumidores de diferentes regiões, além de mitigar a volatilidade da cadeia de suprimentos.
Por outro lado, também aumentaria a complexidade e poderia prejudicar as economias de escala, pois um sistema regionalizado exige parcerias e alianças estratégicas para permanecer competitivo em termos de custos.
Atender a esses diversos requisitos exige definições de produtos adaptadas a cada região, prioridades de desenho diferenciadas e uma evolução contínua das marcas. Nos veículos definidos por software (SDVs), por exemplo, pode ser vantajoso oferecer funcionalidades e capacidades específicas em mercados locais importantes, como a China, a fim de se adequar ao ritmo peculiar de adoção digital e às demandas dos consumidores de cada região. Equipes multifuncionais, orientadas por dados e centradas no cliente são essenciais para embasar o desenho desses produtos, as estratégias de precificação e o engajamento local do cliente, tomando por base as tendências, preferências regionais e aspectos problemáticos identificados.
Por fim, a colaboração dentro de ecossistemas locais terá papel essencial no sucesso da regionalização. Parcerias estratégicas com empresas locais podem acelerar o acesso a tecnologias, capacidades e insights sobre mercados. Especialmente em mercados de inovação vigorosa, os veículos diferenciados, desenvolvidos em polos regionais, poderão ao mesmo tempo atender à demanda local e enriquecer portfólios globais. No contexto da crescente regionalização da indústria automotiva global, tais parcerias podem abrir caminho para uma nova era de “globalização regional”, na qual inovações locais impulsionam tanto o sucesso regional como a competitividade global.
2. Adequar a cadeia de valor para o futuro
Além de transformar as operações de cada empresa do setor automotivo europeu, o ecossistema precisa ser fortalecido de modo a adequar a cadeia de valor para o futuro. Isso inclui desenvolver na UE uma cadeia de valor de baterias competitiva, revigorar tecnologias críticas para o futuro e formar alianças para garantir um fornecimento resiliente de materiais essenciais.
Criar na UE uma cadeia de valor de baterias competitiva
De acordo com a McKinsey Battery Insights, a Europa responde por menos de 10% da capacidade global de produção de células de bateria – e por uma fatia ainda menor das atividades upstream [p.ex., mineração] –, deixando os OEMs europeus altamente dependentes das cadeias de suprimentos globais (Quadro 2). Em 2030, a demanda europeia por baterias para veículos elétricos deverá se situar entre 600 e 800 gigawatts-hora (GWh), três a quatro vezes a capacidade instalada em 2024, de quase 200 GWh. Dadas as limitações iniciais de produção (por exemplo, problemas de aceleração [ramp-up] e rendimento da produção), a demanda efetiva poderá ser até quatro a seis vezes superior à capacidade atual. Em julho de 2025, o anúncio de cerca de 600 GWh de capacidade de produção de baterias não se materializou devido a falências de empresas e ao encolhimento de projetos. Agravando ainda mais a situação, quase toda a capacidade perdida ocorreu em empresas europeias, ao passo que os projetos restantes são liderados principalmente por empresas asiáticas. Além disso, há um descompasso crescente entre os produtos químicos em maior demanda (por exemplo, para baterias de fosfato de ferro-lítio, das quais a Europa é totalmente dependente da China) e os planos de produção atuais, que permanecem basicamente focados em baterias de óxido de lítio níquel manganês cobalto (NMC).
A indústria europeia de baterias precisa de um novo paradigma fundamentado em uma abordagem estratégica coordenada que abranja toda a cadeia de valor. Segundo análise da McKinsey, assegurar a competitividade da região exigirá investimentos dirigidos de cerca de €200 a €300 bilhões até 2035, desde que os compromissos de compra [offtakes] se tornem suficientemente atrativos. Esse volume de investimento, especialmente se os instrumentos de financiamento oferecerem condições mais favoráveis que as usuais, poderá ajudar a compensar as diferenças regionais de custos e tornar a Europa um polo produtor de baterias atraente para OEMs, fornecedores, fabricantes de baterias, startups e mercados de capitais. Além disso, aprovações e licenciamento mais rápidos, especialmente para o refino de minerais e materiais críticos, juntamente com medidas para atrair e reter talentos, podem exercer papel fundamental para viabilizar essa mudança. Deslanchar esse projeto exigirá um esforço conjunto, a nível continental, e não meras iniciativas locais de países e/ou empresas.
Nem todos os elementos da cadeia de produção de baterias precisam ser localizados inteiramente na Europa, mas o controle estratégico em áreas críticas pode ajudar a garantir a resiliência contra choques de oferta. O valor para a Europa também aumentará significativamente se o continente tiver maior participação na fabricação de células e demais atividades upstream. Oferecer incentivos para participantes da cadeia de suprimentos, promover ativamente P&D e facilitar a transferência de habilidades será essencial para fortalecer essas etapas da cadeia de produção de baterias na Europa. Grandes empresas estrangeiras poderão ser atraídas por ofertas de joint ventures e outras oportunidades, com ênfase no fomento de parcerias para compartilhamento de tecnologia, na integração profunda das melhores expertises e no aceleramento da regionalização de tecnologia. Investimentos públicos e privados podem atuar juntos para estimular a transferência de conhecimentos e a inovação colaborativa. Somente por meio de uma abordagem de alianças coordenadas a Europa conseguirá estabelecer uma cadeia de valor robusta e competitiva para a produção de baterias, garantindo uma transição resiliente para veículos elétricos.
Apostar tudo em tecnologias críticas para o futuro
Também é vital avançar em outros campos importantes da tecnologia automotiva. Atividades estratégicas, como investimentos internos em P&D e fusões, aquisições e parcerias, podem ajudar a Europa a escalar a produção e recuperar ou expandir sua liderança. Sete domínios tecnológicos estão emergindo como particularmente críticos e devem ser priorizados:
1. Veículos definidos por software (SDVs). O software está se tornando um dos principais diferenciais tanto de veículos como dos modelos de negócio do setor automotivo. Apesar da estagnação das vendas globais de veículos, espera-se que as receitas ao longo do ciclo de vida dos veículos cresçam cerca de 30% até 2035. Grande parte desse crescimento deverá ser impulsionada, direta ou indiretamente, por funcionalidades de software, e os ecossistemas de software deverão criar grandes oportunidades de diferenciação. Nas novas montadoras fora da Europa, mais de 40% dos funcionários de P&D são especialistas em software, mas nas montadoras europeias estabelecidas essa proporção é de apenas cerca de 15%. Para se manterem competitivas, as empresas europeias precisam atentar para a crescente importância do software e construir arquiteturas eletroeletrônicas centralizadas e plataformas de software escaláveis e nativas da nuvem. Para facilitar essa transformação, seria útil desenvolver um stack de middlewares de código aberto (que possam, portanto, ser utilizados por todas as empresas) para camadas fundamentais dos softwares. Esse stack deve ser capaz de reduzir a complexidade e os custos e acelerar a inovação, pois oferecerá uma base compartilhável de funcionalidades não diferenciadoras. Embora já haja projetos em andamento nessa área, uma colaboração maior entre OEMs, fornecedores de primeira linha e empresas de tecnologia poderia liberar todo o seu potencial.
No entanto, as opiniões sobre essa abordagem divergem. Ainda que um stack em comum de middlewares possa trazer benefícios significativos, a capacidade de se diferenciar e manter a competitividade continua sendo essencial. As empresas precisam assegurar que a adoção dessa base compartilhável lhes permitirá concentrar recursos no desenvolvimento de funcionalidades e ecossistemas de softwares proprietários que agreguem valor. A capacidade da Europa de atrair e reter os melhores talentos de software também será um fator decisivo para diminuir o atraso em relação a concorrentes globais, com ênfase especial na necessidade de promover parcerias com universidades e criar carreiras profissionais atraentes para engenheiros de software. Se souberem enfrentar esses desafios, as empresas europeias acelerarão o desenvolvimento de produtos, expandirão a inovação em software e obterão uma vantagem competitiva no mercado global.
2. ADAS e veículos autônomos. Na Europa, devido à demanda reduzida por tecnologias avançadas de condução veicular, o setor automotivo corre o risco de tornar-se indolente, investindo menos do que deveria e colocando OEMs e fornecedores em possível desvantagem. As empresas da UE enfrentam hoje vários problemas, como um ecossistema fragmentado, um sistema de alta complexidade e custos de desenvolvimento elevados. Como acontece no caso dos SDVs, também aqui as empresas europeias podem colaborar na criação de stacks básicos e compartilháveis de código aberto para as principais camadas do ADAS, permitindo que cada uma desenvolva funcionalidades diferenciadoras a partir daí. Investimentos conjuntos em infraestrutura de treinamento em IA, possivelmente com apoio governamental, podem fortalecer ainda mais esse ecossistema. Tais medidas têm o potencial de reduzir os custos em geral, acelerar o desenvolvimento e reduzir o risco de ficar para trás e perder participação de mercado.
Quanto aos veículos autônomos, a Europa carece de uma base tecnológica robusta de nível 4, com poucas empresas envolvidas e pouco investimento.4 Os governos precisariam dedicar recursos substanciais – a McKinsey estima que sejam necessários mais de €200 milhões por zona de teste – para que algumas localidades europeias sirvam como bancos de ensaio de frotas autônomas compartilhadas, com vistas a implantações em larga escala em 2027-28. Contudo, para evitar financiar veículos para grandes frotas experimentais sem antes atingir o estágio da comercialização – e para evitar que se caia na armadilha de criar muitos projetos de P&D em pequena escala – os investimentos devem ser vinculados à implantação no mundo real (por exemplo, cofinanciando cada quilômetro comercial percorrido), assegurando assim que irão favorecer diretamente a expansão dos serviços de mobilidade com veículos autônomos. Esse financiamento pode ser estruturado como um coinvestimento, no qual a maior parte do capital necessário proviria de empresas já ativas no setor de mobilidade com veículos autônomos.
Igualmente fundamental é criar um ambiente atrativo para as empresas lançarem na Europa serviços de mobilidade com veículos autônomos. Para tanto, será preciso introduzir uma estrutura regulatória condizente, construir a infraestrutura de suporte e acelerar os processos de homologação e licenciamento. A unificação dos padrões de condução autônoma e a simplificação dos processos de compliance em toda a União Europeia ajudarão a reduzir os custos de adaptação e acelerar a entrada no mercado. As empresas podem agilizar ainda mais o progresso colaborando nas zonas de teste, desenvolvendo camadas de software compartilhadas e estreitando laços com universidades para atrair os melhores talentos de software.
3. Semicondutores. Semicondutores são essenciais para o progresso dos veículos definidos por software e da IA automotiva, pois é neles que está o poder de processamento necessário para funções veiculares avançadas e nos ambientes de nuvem ou de baixa latência. O setor automotivo europeu precisa urgentemente fortalecer seu ecossistema de semicondutores, pois espera-se que a demanda por semicondutores automotivos na Europa aumente cerca de 25% até 2030, segundo o McKinsey Center for Future Mobility. A expansão global está acelerando, particularmente na Ásia e nos Estados Unidos, mas a Europa concentra apenas cerca de 10% da capacidade global de front-end e somente cerca de 1% da capacidade de back-end, tornando toda a região dependente demais das cadeias de suprimentos globais. Para combater tal situação, o continente deve direcionar investimentos estratégicos para desenho e capacidade de front-end e back-end, eliminar barreiras estruturais de custo e alavancar suas competências em P&D incipiente, equipamentos e eletrônica industrial e energética. Além disso, para garantir cadeias de suprimentos robustas e proteger as vantagens tecnológicas do continente, será essencial ancorar tais iniciativas nas empresas líderes do setor; fomentar a colaboração entre OEMs e a indústria de semicondutores; expandir a expertise em software (possivelmente por meio de programas de qualificação em semicondutores voltados para as necessidades do setor a fim de atrair, desenvolver e reter os melhores talentos); e integrar melhor as startups e as universidades nessas iniciativas.
4. Trens de força elétricos. O mercado de trens de força elétricos (isto é, o conjunto motriz dos veículos elétricos, menos as baterias) é hoje altamente fragmentado, havendo mais de 50 fornecedores apenas de componentes do sistema eDrive, de acordo com análise da McKinsey. A maioria desses fornecedores não obtém lucro, devido aos custos elevados de projetos altamente customizados (embora a diferenciação efetiva seja limitada) e à complexidade das cadeias de valor de nível N. Colaborações, plataformas para todo o setor e certos requisitos padronizados poderiam reduzir significativamente os custos. Ao mesmo tempo, inovações direcionadas – como avanços em semicondutores de potência e maior grau de integração funcional – aumentariam ainda mais a eficiência. E embora OEMs e fornecedores tenham condições de aumentar sua competitividade transferindo algumas atividades de desenvolvimento (como a eletrônica de potência) para regiões de menor custo na Ásia, é importante equilibrar isso com estratégias que evitem dependência excessiva de uma única região e protejam capacidades tecnológicas críticas.
5. Componentes de motores de combustão interna {MCIs). A expectativa é que motores de combustão interna e trens de força híbridos eficientes continuarão atuantes por décadas na Europa (tendo em vista o mercado de reposição) e por mais tempo ainda em mercados fora da Europa, resultando em um mercado avaliado em €100 bilhões para 2035, de acordo com o McKinsey Center for Future Mobility. A região pode aproveitar sua liderança de longa data nessa tecnologia para assegurar um fluxo de caixa industrial estável nos próximos anos. Mas uma gestão eficaz do abandono gradual dos MCIs é imprescindível. Para tanto, será importante estabelecer um polo de operações e de expertise em motores de combustão interna, consolidar esforços com outras empresas do setor e otimizar a utilização de fábricas conjugando recursos e alinhando operações. Essas medidas não apenas ampararão o setor durante a transição, mas também permitirão uma adoção mais tranquila de trens de força de baixa emissão à medida que a demanda global pela tecnologia MCI vai diminuindo.
6. Combustíveis alternativos. A Europa está bem posicionada para liderar a transição para a tecnologia do hidrogênio e outros combustíveis sustentáveis, podendo se valer de seu forte legado de inovação em tecnologias de combustão e processos industriais eficientes. Se expandir soluções como diesel renovável, biogasolina e e-gasolina sintética, talvez consiga até eliminar por completo os combustíveis fósseis em 2050. Essa transição é particularmente importante para áreas mais difíceis de eletrificar, como a frota existente de veículos, o transporte marítimo e a aviação. Uma grande parte dos biocombustíveis vem hoje da Ásia. Isso cria certa dependência regional na Europa, mas também contribui para uma gama maior e mais geograficamente diversa de opções de fornecimento (juntamente com os combustíveis fósseis e os minerais para baterias provenientes de outras regiões), distribuindo a oferta e contribuindo assim para a resiliência. Embora esses combustíveis sejam mais caros que os combustíveis fósseis, a demanda compulsória e a imposição regulatória podem liberar volumes significativos, oferecendo alternativas de descarbonização aos usuários finais e incentivos para aumentar a eletrificação ao longo do tempo.
Outro fator a ser considerado é que a capacidade de produção e a maturidade da cadeia de valor variam conforme o tipo de combustível. Embora as cadeias de suprimentos de biogasolina e e-gasolina permaneçam pouco desenvolvidas, outros combustíveis, como o óleo vegetal hidrotratado (HVO), têm a vantagem de cadeias de suprimentos já maduras e até mesmo de excesso de capacidade temporário. Em vista de sinais claros de aumento da demanda, a Europa poderá assumir um papel de liderança no avanço de combustíveis de emissão zero, ou de baixa emissão, como parte de um portfólio mais amplo de soluções.
7. Circularidade e materiais secundários. O fortalecimento de sistemas de circuito fechado [i.e., sem uso de recursos fósseis] pode contribuir para as metas de sustentabilidade e competitividade da Europa, reduzindo os riscos e custos do fornecimento. A circularidade será fundamental para materiais de baterias, pois a região é dependente de recursos primários e refinados da China. Até 2040, metade da demanda europeia por baterias poderá ser atendida por materiais reciclados. A Europa pode tornar-se bastante competitiva nessa área, mas precisa agir rapidamente para estabelecer uma presença global até o início da década de 2030, quando, segundo análise da McKinsey, a disponibilidade de baterias em fim de vida provavelmente começará a aumentar.
Formar parcerias para assegurar um suprimento resiliente de materiais críticos
Das 34 matérias-primas críticas e estratégicas que a União Europeia designou como fundamentais para a segurança e a sustentabilidade, cerca de 25 são relevantes e 14 são essenciais para o setor automotivo. As cadeias de suprimentos europeias para a produção de veículos elétricos são particularmente suscetíveis, com variadas necessidades: desde lítio e grafite para baterias até a quadruplicação dos elementos de terras raras, em especial para os ímãs permanentes dos motores elétricos. Embora a China detenha menos de 10% das reservas globais da maioria dos materiais para baterias (com exceção do grafite), ela controla, em média, mais de 40% das operações globais de mineração de materiais para baterias e mais de 80% da capacidade de refino, de acordo com análise da McKinsey MineSpans. É preocupante que mais de 95% (em volume) dos elementos de terras raras da União Europeia sejam originários da China e que somente uma parte do processamento final ocorra em território europeu. Isso deixa o continente altamente suscetível a qualquer disrupção do fornecimento.
A segurança da Europa exige uma análise cuidadosa das implicações estratégicas e geopolíticas dessas dependências. Fortalecer a resiliência da cadeia de suprimentos desses materiais críticos é vital – não apenas para aliviar a pressão sobre as margens de lucro de OEMs e fornecedores, mas também para reforçar a independência regional. O que talvez possa fazer a diferença são parcerias estratégicas de recursos com países ricos nesses materiais, garantindo uma abordagem sustentável para sua extração. Ao mesmo tempo, alianças industriais podem ajudar a proteger áreas críticas da cadeia de suprimentos para tecnologias de baterias e semicondutores, por exemplo. O aumento da capacidade local de refino, possivelmente por meio de colaboração internacional, tornaria a Europa menos dependente do processamento externo e poderia ser incentivado por meio de licenciamentos mais simples, incentivos e inovação para garantir escalabilidade e sustentabilidade. Além disso, a formação de estoques estratégicos de materiais – como terras raras, cobalto e níquel – seria uma importante proteção contra disrupções futuras.
3. Equalizar as condições de atuação
Para criar condições contextuais adequadas que permitam equalizar o campo de atuação com outras regiões, os stakeholders europeus devem acelerar a implementação de infraestruturas, redes elétricas e energias renováveis; flexibilizar a transição para a emissão zero; e fortalecer a capacidade competitiva.
Acelerar a implementação de infraestruturas, redes elétricas e energias renováveis
Embora alguns países estejam acelerando a implementação da infraestrutura de recarga, outros continuam bastante atrasados. Para eletrificar inteiramente a Europa, a rede de corrente contínua para recarga da região precisará ser significativamente ampliada e abranger todos os Estados membros da UE: até 2035, a infraestrutura de recarga terá de crescer cerca de seis vezes para garantir que haja aproximadamente um ponto de recarga para cada 15 veículos elétricos (com variações entre regiões e na capacidade de recarga). A McKinsey estima que cerca de €350 bilhões precisam ser investidos na rede de recarga para que as metas de eletrificação sejam alcançadas. Esses investimentos (e também em tecnologias adjacentes, como redes elétricas e energias renováveis que forneçam eletricidade verde a esses pontos de recarga) serão imprescindíveis para atingir a meta de vender exclusivamente veículos com emissão zero a partir de 2035. Redes públicas de recarga consolidadas, alimentadas por energia limpa e com boa relação custo-benefício, poderão reduzir a chamada “ansiedade de autonomia” e os custos da recarga rápida, incentivando os consumidores a adotar os veículos elétricos e construindo um ecossistema de mobilidade sustentável.
Várias medidas podem acelerar a construção da infraestrutura. A simplificação dos processos de licenciamento em toda a União Europeia reduziria atrasos nos projetos de infraestrutura para veículos elétricos e de energia renovável. Se a colaboração entre setores incluir os operadores de redes elétricas e os geradores de energia renovável, as empresas terão um incentivo a mais para inovar, padronizar a infraestrutura de recarga para garantir sua interoperabilidade e sincronizar as melhorias nas redes com a implementação dessa infraestrutura. Parcerias público-privadas também seriam úteis para aumentar a eficiência dos investimentos.
Contudo, enquanto essa infraestrutura estiver sendo implementada, a taxa média de utilização provavelmente ficará abaixo das metas, pois a oferta terá de ser assegurada antes que haja demanda. Para que 100% dos veículos novos vendidos sejam elétricos em 2035, uma vasta rede de infraestrutura de recarga é essencial. No entanto, simulações do McKinsey Center for Future Mobility indicam que apenas cerca de 25% dos veículos em circulação serão elétricos até lá, o que significa que algumas redes regionais enfrentarão um período prolongado de baixa utilização. Ou seja, o financiamento público será indispensável para expandir a rede em certas regiões e casos de uso. Nesse ínterim, calcula-se que a adoção de veículos elétricos ocorra mais rapidamente em áreas de maior densidade.
Enfrentar os desafios no caminho para o net zero
Entre as ambiciosas metas de descarbonização da Europa está a transição completa para veículos com emissão zero até 2035. Para atingir esse alvo, a região enfrentará inúmeros desafios (Quadro 3). Por exemplo, a indústria de baterias e o ecossistema de veículos elétricos da Europa enfrentam alguns obstáculos específicos que impedem sua expansão plena e limitam sua contribuição para uma transição completa para veículos elétricos a bateria (BEVs). A demanda dos consumidores também permanece incerta: apenas cerca de 20% dos consumidores europeus consideram adquirir um BEV como seu próximo carro. E embora mais de 40% se inclinem para híbridos de longo alcance, outros 40% preferem veículos com motor de combustão interna (MCI). Um dos motivos pode ser que os veículos elétricos tendem a custar 20% a 30% mais do que veículos MCI comparáveis (excluindo subsídios), segundo análise do McKinsey Center for Future Mobility. Em outras palavras, preço e autonomia são as principais preocupações dos consumidores. Além disso, os preços da eletricidade na Europa são bastante elevados, ao contrário da China, onde o custo operacional mais alto dos veículos de combustão interna foi um importante fator para a adoção generalizada de veículos elétricos.
Se essas tendências persistirem, alguns consumidores poderão postergar a transição para veículos elétricos – seja por questões de preço ou porque esses carros não atendem às suas necessidades. Isso é particularmente verdade no caso de compradores de carros menores e veículos comerciais leves, e também para aqueles que residem em regiões com infraestrutura de recarga insuficiente. Esse cenário pode atrasar as iniciativas de descarbonização, pois os veículos mais emissores de poluentes permaneceriam em circulação por mais tempo. (Hoje, a idade média de um veículo na Europa é de quase 13 anos, comparado com menos de 10 anos uma década atrás.) Outros possíveis efeitos incluem um aumento nas compras de última hora de MCIs antes de 2035, seguido de uma queda abrupta nas vendas de veículos, complicando a situação econômica de montadoras e fornecedores.
Para mitigar esses riscos, é imprescindível que o ecossistema de veículos elétricos – em particular, a infraestrutura de recarga e a cadeia de valor de baterias na Europa, incluindo o acesso a matérias-primas para baterias – cresça rapidamente, estimulado pela redução dos custos desses veículos. Segundo a análise da McKinsey, a implantação da infraestrutura de recarga precisará ser duplicada ou triplicada em ritmo acelerado. O setor também deve considerar as soluções que funcionaram bem em outros lugares. Por exemplo, veículos elétricos híbridos de autonomia estendida, incluindo PHEVs e EREVs, estão ganhando força em alguns mercados e já representam cerca de metade das vendas de veículos elétricos na China. Muitos desses híbridos agora oferecem autonomia elétrica suficiente para as atividades do dia a dia – cerca de 100 quilômetros para um PHEV médio e mais de 200 quilômetros para alguns modelos de EREV chineses. Isso não apenas favorece a economia de dirigir um carro elétrico durante a maior parte do tempo, como também alivia a “ansiedade de autonomia” dos consumidores, visto que oferecem a alternativa contingente de um MCI (que pode até ser alimentado por combustíveis sustentáveis). Em regiões com infraestrutura limitada de recarga, esses veículos podem complementar e facilitar a adoção dos BEVs, mitigando as preocupações dos consumidores e ajudando a cumprir as metas regulatórias para veículos de baixa emissão. Além disso, as baterias menores desses híbridos podem reduzir a demanda por materiais escassos e aliviar a pressão sobre a cadeia de suprimentos de baterias da Europa.
As emissões podem ser ainda mais reduzidas por meio de estratégias mais abrangentes de descarbonização ao longo de todo o ciclo de vida dos veículos: por exemplo, exigindo a substituição antecipada de veículos mais antigos, ampliando o uso de combustíveis sustentáveis e incentivando o uso de eletricidade verde para recarga. Reduções adicionais, agora em um contexto de “business as usual”, seriam viáveis com o aumento do uso de materiais de baixo carbono, como aço e alumínio verdes, e de energias renováveis nas fábricas. Essas medidas não só reduziriam as emissões dos veículos de passageiros na Europa, como também acelerariam o desenvolvimento da produção industrial de baixo carbono em todo o continente.
No entanto, como outras regiões demonstraram, é importante que nenhuma iniciativa seja implementada como solução de última hora. O desenvolvimento dessas cadeias de valor na Europa exigirá incentivos adequados, planejamento de longo prazo e colaboração entre setores para garantir a escala e o investimento necessários.
Fortalecer a capacidade competitiva
Agora que a Europa vem buscando fortalecer sua capacidade competitiva – especialmente diante dos Estados Unidos e da China –, será preciso resolver questões como: custo elevado e qualificação insuficiente da mão de obra, altos preços da energia, vulnerabilidade da cadeia de suprimentos, baixa produtividade, subinvestimento em crescimento, cenário regulatório complexo com cronogramas estendidos e escala insuficiente devido à fragmentação.
Investimentos substanciais e coordenados serão essenciais. Superar o subinvestimento crônico e garantir uma rápida expansão exigirão mercados de capitais profundos e integrados, além de coinvestimentos público-privados direcionados, especialmente para novas tecnologias. Facilitar o acesso de fabricantes e inovadores a financiamento com juros baixos ajudará a Europa a atrair capital de risco, incentivar grandes indústrias de vanguarda e impulsionar o crescimento duradouro do setor como um todo.
Investimentos também são necessários para acelerar a implantação de energias renováveis e a integração das redes elétricas, garantindo que os polos automotivos europeus tenham acesso a eletricidade verde estável e de baixo custo. Igualmente importante é assegurar a robustez da conectividade digital e da infraestrutura de dados que subjazem tanto a manufatura avançada como a adoção de tecnologias de veículos autônomos impulsionadas por inteligência artificial. Além disso, a Europa deve direcionar recursos para a requalificação da sua força de trabalho no setor automotivo, permitindo que as mais avançadas tecnologias digitais e de IA sejam incorporadas às fábricas para aumentar a produtividade. Programas de mobilidade de talentos, como a concessão acelerada de vistos, assistência habitacional e amplas oportunidades de requalificação, são outros instrumentos eficazes para atrair e reter a expertise necessária.
No cômputo geral, uma abordagem unificada é essencial para que a Europa fortaleça sua competitividade. Se trabalharem em conjunto, os países europeus poderão explorar uma série de caminhos possíveis (como regimes de incentivo no âmbito nacional e da União Europeia) e ações voltadas a fortalecer a demanda (como reinstituir subsídios locais para veículos elétricos novos e usados, ou programas de renovação de frotas para estimular a demanda interna e acelerar a substituição de veículos MCI mais antigos).
Se souber aprender com as lições de São Francisco e Shenzhen, a Europa poderá acelerar seu ciclo de inovação criando zonas inovadoras específicas, com processos administrativos simplificados, financiamento integrado para P&D, acesso a capital nos estágios iniciais e parcerias público-privadas entre indústria, governo e universidades.
Por fim, para efetivamente competir em nível global, a Europa deve aproveitar sua vasta diversidade de qualidades, em todas as regiões, empregando mão de obra de baixo custo em algumas áreas, usando energia verde acessível em outras, e acessando minerais críticos ou polos industriais avançados em ainda outras. Se alavancar estrategicamente esses ativos complementares de forma colaborativa (em vez de cada país agir por conta própria), a Europa poderá construir cadeias de valor automotivas integradas com mais eficiência, escala e inovação.
Para fortalecer sua competitividade no longo prazo, a Europa precisará de um campo de atuação equitativo, especialmente durante esse período de transição. À medida que o setor automotivo evolui, os stakeholders terão de se manter a par das práticas internacionais de precificação e das diferenças regionais em mão de obra, energia e padrões. Salvaguardas criteriosas e eficazes nessas áreas ajudarão a preservar a resiliência do setor quando os investimentos de longo prazo se consolidarem, contribuindo para uma concorrência saudável.
Para a Europa restabelecer sua posição de liderança na indústria automotiva global, adequar a cadeia de valor para o futuro e equalizar o campo de atuação, será preciso iniciar esforços imediatos, coordenados e em larga escala. Não é possível exagerar o que está em jogo: se não houver ações radicais e decisivas agora, o risco de um grave retrocesso econômico no setor automotivo – e no continente de modo geral – é imenso. As empresas precisam agir com urgência para realizar transformações fundamentais em ritmo acelerado, adotando novas tecnologias, melhorando a produtividade e se adaptando às mudanças na dinâmica do mercado. Por sua vez, o setor público tem de criar condições para que essas transformações sejam bem-sucedidas – por meio de uma legislação ágil e simplificada, incentivos dirigidos e investimentos em infraestrutura crítica, como energias renováveis, conectividade digital e cadeias de suprimentos resilientes. O tempo das mudanças graduais já passou. Somente ações audaciosas e sincronizadas entre empresas e governos poderão revigorar o setor manufatureiro da Europa, resgatar sua competitividade e assegurar prosperidade duradoura para a indústria e a região. O momento de agir é agora.