Instabilidade bancária. Taxas de juros elevadas. Abalos geopolíticos generalizados. Esses e outros ventos contrários estão fazendo forte pressão contra as tentativas de líderes e organizações de serem mais produtivos e gerarem mais valor econômico. Neste episódio do McKinsey Podcast, o sócio sênior Sven Smit coloca essas tendências em contexto. Ele revela as descobertas da mais recente pesquisa do McKinsey Global Institute sobre o Futuro da Riqueza com a apresentadora do podcast e diretora editorial Roberta Fusaro. São apresentados quatro possíveis cenários de inflação, taxas de juros e crescimento até 2030 e consideradas suas implicações para a saúde e a riqueza futuras da economia global.
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Também neste episódio, em um trecho de nossa série Author Talks, ouvimos Farah Stockman, que, em seu livro American Made: What Happens to People When Work Disappears? (Penguin Random House, outubro de 2021), explica nossa visão da classe trabalhadora.
O McKinsey Podcast é apresentado conjuntamente por Roberta Fusaro e Lucia Rahilly. Esta transcrição foi editada para maior clareza e brevidade.
A diferença entre a riqueza real e a riqueza de papel
Roberta Fusaro: Sven, muito obrigado por participar conosco do podcast de hoje.
Sven Smit: É ótimo estar com você, Roberta.
Roberta Fusaro: Vamos falar da saúde e da riqueza de nossa economia global. Em nossa recente pesquisa sobre o Futuro da Riqueza, modelamos as perspectivas da economia global, especificamente com relação à inflação, às taxas de juros e ao crescimento nos próximos dez anos. Analisamos o que isso pode significar para as ações, os imóveis e as dívidas.
A pesquisa confirma que o balanço patrimonial global cresceu mais rapidamente do que o PIB. Essa é uma espécie de diferença entre a riqueza real e riqueza de papel, certo? Como é isso na prática?
Sven Smit: Você está certíssima. Pela primeira vez, realizamos pesquisas que somam o balanço patrimonial completo do mundo inteiro. No mundo real, isso é representado por casas, imóveis em geral, o capital produtivo das empresas etc. Também analisamos as dívidas e as ações, que representariam a propriedade desses ativos.
Se você observar os últimos 20 anos de crescimento do PIB, isso poderia se manifestar na forma de um crescimento significativo do setor imobiliário, de mais terrenos e de mais equipamentos nas fábricas. Os preços também poderiam subir.
Normalmente, esses fatores se alteram em sintonia. Porém, nos últimos 20 anos, vimos um crescimento de US$ 160 trilhões em riqueza de papel – mas esse crescimento só veio por meio dos preços. Obviamente, isso mostra que os ativos estão escassos; isso é evidente no mercado da habitação. Muitas pessoas gostariam de uma casa melhor e maior, mas não há disponibilidade suficiente.
Agora, se essa riqueza de papel vai permanecer depende da continuidade dessa escassez. A habitação pode muito bem continuar sendo uma reserva de valor, mas, se a escassez de habitação não se mantiver e se outros fatores surgirem, poderemos ver a riqueza de papel evaporar.
Roberta Fusaro: Além desse exemplo envolvendo o mercado de habitação, há outras implicações mais amplas? Por que os líderes empresariais precisam se preocupar com essa discrepância?
Sven Smit: Muitas pessoas costumam olhar apenas a demonstração de lucros e perdas ao analisarem a economia como um todo. Não olham o balanço patrimonial, mas este tem implicações muito profundas.
Você pode ter grandes discrepâncias entre a dívida que foi usada para financiar ativos e o valor do que você comprou com esse financiamento – por exemplo, imóveis, equipamentos etc. O valor desses equipamentos pode cair, mas a dívida talvez precise ser paga a taxas de juros mais altas. Olhar para o futuro do mundo dessa maneira é muito importante porque estamos passando por um momento de taxas de juros mais elevadas e inflação mais alta.
Portanto, queremos prestar atenção ao balanço patrimonial porque é aí que está o valor em ações. O PIB mundial está em cerca de US$ 100 trilhões, mas o balanço patrimonial do mundo supera US$ 500 trilhões. Assim, há mais valor em ações do que fluxo. Logo, se o valor em ações se altera em cerca de 20%, isso corresponde ao valor do PIB global.
Uma pequena variação no balanço patrimonial acabaria sendo uma grande variação na economia real. Esse valor em ações é a riqueza das pessoas, a riqueza das empresas, e influencia sua percepção sobre poder continuar gastando. Nesse sentido, os imóveis podem refletir a riqueza das pessoas.
Aplicações globais
Roberta Fusaro: Certo. Muitas das análises focam nos Estados Unidos – por que isso? Essas descobertas se aplicam globalmente?
Sven Smit: Os resultados são absolutamente aplicáveis globalmente. Analisamos muitos países. Dito isto, os Estados Unidos têm mais dados, em geral. É também um mercado grande e mais uniforme. Estamos trabalhando continuamente para analisar os outros mercados em maior profundidade, mas as lições deste relatório são totalmente aplicáveis a todos os outros lugares.
Primeiro cenário: volta ao passado
Roberta Fusaro: Sven, você e a equipe analisaram a riqueza e a saúde econômica dos Estados Unidos e de outros países em quatro cenários. Três prenunciam estagnação e estagflação. Um aponta para o que chamamos de aceleração da produtividade. Quero olhar mais de perto cada um dos quatro.
O primeiro sobre o qual falaremos é um cenário de “volta a uma era passada”. Como seria isso na prática?
Sven Smit: Basicamente, esse cenário se assemelha aos últimos 30 anos: a era global dos mercados, da globalização, da baixa instabilidade geopolítica, das taxas de juros baixas, da inflação baixa etc. A manutenção da escassez de ativos significaria que, com o crescimento do PIB, a discrepância entre a riqueza de papel e a riqueza real aumentaria. Então, essencialmente, voltaríamos ao que estávamos acostumados nos últimos dez, 20 anos.
Roberta Fusaro: Perfeito. Então seria mais do mesmo.
Sven Smit: Sim.
Roberta Fusaro: Uma espécie de cenário inerte.
Sven Smit: Sim, embora eu deva esclarecer que não estamos em “mais do mesmo” agora – isso estaria mais para uma volta aos últimos 20 anos.
Segundo cenário: inflação alta e taxas de juros elevadas
Roberta Fusaro: Ok. E como isso se compara ao próximo cenário, o cenário “mais alto por mais tempo”? Fale mais sobre isso.
Sven Smit: Isso envolveria inflação e taxas de juros persistentemente altas, situação na qual o crescimento desacelera. Seria semelhante ao choque do petróleo dos anos 70 na economia dos EUA e na Europa. Naquela época, essencialmente por duas décadas, a inflação ficou em torno de 5%, e as taxas de juros estavam acima de 5%.
Nesse cenário, há um risco de queda das ações e de pressão sobre as dívidas, muita reestruturação acontecendo, uma crise de dívida nos mercados emergentes e assim por diante. Basicamente, o balanço patrimonial não seria financiado por um nível consistente de crescimento, enquanto, ao mesmo tempo, as pressões sobre a inflação e sobre as taxas de juros afetariam o preço do capital.
Roberta Fusaro: Para alguns dos nossos ouvintes mais jovens que não se lembram dos choques do petróleo dos anos 1970, como foi isso na prática?
Sven Smit: Bem, eu era um menino de sete anos de idade. E eu andava de patins pelas estradas do meu país porque os pais não tinham permissão para dirigir aos domingos, a fim de poupar petróleo. Foi a escassez de petróleo, não tanto a escassez de imóveis, que levou os preços até o território inflacionário.
Outros fatores, como a Guerra Fria, também contribuíram. Posso dizer que tive uma juventude feliz e não notei muito aquilo. Mas, naquela época, os preços das casas caíram 20% em alguns mercados e 40% em outros, e as ações caíram 20% e 40% durante períodos mais longos, o que é bastante coerente com o que é modelado aqui. Por algum motivo, uma criança podia ter uma vida boa. No entanto, meus pais estavam basicamente me protegendo da pior parte daquilo.
Terceiro cenário: crise
Roberta Fusaro: Certo. Lembro-me das longas filas nas bombas de gasolina.
O terceiro cenário é aparentemente o pior cenário possível, certo? “A reinicialização do balanço patrimonial.” Como ficaria a economia nesse cenário?
Sven Smit: Foi o que aconteceu com o Japão na crise imobiliária. Envolveu uma discrepância muito maior na riqueza de papel, no Japão, do que temos atualmente no mundo. Esse cenário preveria que o balanço patrimonial teria de ser ajustado de forma relativamente rápida, o que implicaria quedas rápidas dos preços dos imóveis, do ativo imobilizado etc. As ações, por sua vez, seriam afetadas por isso porque serão reprecificadas para o crescimento. Seria algo prolongado, com desalavancagem e forte contração dos preços dos ativos.
Roberta Fusaro: Como as empresas vivenciaram isso no Japão? O que aconteceu?
Sven Smit: Pareceu uma crise. Houve reestruturação, reajuste de custos e redefinição de balanços patrimoniais, eliminando-se as bolhas. Isso coloca pressão sobre o mercado de trabalho, o que significa que pode não haver aumentos salariais. E eu diria que a primeira rodada disso é bem difícil. É claro que, em qualquer crise, após a primeira rodada de ajustes, há um caminho de volta para cima, mas você parte de um ponto muito baixo. E as pessoas sentiram isso em sua vida diária.
Quarto cenário: mais com menos
Roberta Fusaro: Ok. Portanto, a aceleração da produtividade parece ser, de longe, o resultado mais desejável. Qual é a definição mais simples e direta de aceleração da produtividade?
Sven Smit: Com a produtividade, basicamente medimos o PIB per capita: quanto podemos fazer enquanto indivíduos, em termos de produção por hora, produção por ano. Em geral, ele vem crescendo 1% ou 2% ao ano. Então, resumidamente, nesse cenário, para a mesma quantidade de horas trabalhadas, poderíamos observar uma produção 1% ou 2% maior.
Isso vem acontecendo em virtude dos avanços tecnológicos e da digitalização. Antigamente, no entanto, era mais baseado no consumo de energia, ferramentas e educação. Esse cenário futuro é baseado na expectativa de que, no futuro do trabalho, 50% das tarefas poderão ser automatizadas com a tecnologia disponível. Isso nos permitiria dobrar a produção com o mesmo número de pessoas devido aos ganhos de produtividade. Levaria talvez 20 anos para tanto, e promoveria muito crescimento. Com base na produção resultante, esse crescimento seria um crescimento real – não um crescimento inflacionário.
Isso, por sua vez, conteria a inflação, o que, por sua vez, conteria as taxas de juros. Esse aumento da produção seria sentido como prosperidade. E, de certa forma, todos os apuros pelos quais estamos passando agora seriam atenuados, como a ameaça de a inflação corroer nossa riqueza à medida que envelhecemos, ou os efeitos inflacionários das transições energéticas, ou a necessidade de diversificar as cadeias de suprimentos, ou mesmo o imperativo de gastar mais com defesa em tempos incertos. Esses problemas seriam resolvidos se pudéssemos fazer mais em menos tempo ou se pudéssemos fazer o dobro da quantidade no mesmo tempo. Dessa forma, a produtividade terá de ser a solução.
A parte interessante é que a tecnologia para a produtividade existe; a questão é se teremos a velocidade de transformação humana necessária para isso.
Roberta Fusaro: O relatório diz que a aceleração da produtividade é difícil de alcançar nas economias avançadas. Por quê?
Sven Smit: Basicamente, o crescimento da produtividade desacelerou nas últimas décadas no mundo ocidental, enquanto, é claro, o crescimento dos mercados em desenvolvimento foi parcialmente impulsionado pelo aumento da produtividade na China, África, Índia, América Latina e assim por diante.
Tivemos uma desaceleração. Isso foi estudado um milhão de vezes, e não acho que haja uma boa resposta sobre o porquê. Diferentes ideias vêm sendo discutidas. Uma é se realmente medimos a produção da maneira correta ao medirmos os preços e as coisas que possuímos. Estamos, por exemplo, representando realmente o fato de que, por meio da tecnologia, podemos fazer muito mais? Levamos em conta a aceleração da tecnologia da maneira correta? Essa é uma pergunta.
A segunda é se os seres humanos estão alcançando a tecnologia. Por exemplo, todo mundo previu que os caixas automáticos substituiriam os caixas no banco. E sim, é verdade, não temos mais caixas no banco, mas temos assessores no banco; o número de pessoas que trabalham em um banco continua praticamente o mesmo.
Basicamente, quando uma coisa desce, outra sobe. E a coisa nova pode ser menos produtiva do que a antiga. Então você ganha produtividade de um lado, mas isso é compensado pela adição de algo menos produtivo. Dito isto, acredito que a aceleração da produtividade é possível no futuro devido ao quanto já somos digitais e ao quanto já podemos automatizar.
A tecnologia trará os maiores ganhos
Roberta Fusaro: Nesse relatório e em outras pesquisas da McKinsey, ela está examinando com cuidado a produtividade em tempos de incerteza. De onde deve vir a produtividade agora? Ou de onde ela está vindo agora?
Sven Smit: Acho que o maior ganho está relacionado à tecnologia, e corresponde a todas as formas de automação. Algum algoritmo faz aquilo; alguma ferramenta faz aquilo. Pode ser um robô, pode ser um digitalizador etc. Mas a automação deverá ser um dos principais acontecimentos. É claro que sempre há a educação e outras melhorias no capital humano, pelas quais as pessoas ficam mais produtivas; quanto melhor a habilidade das pessoas, melhor elas podem se conectar à sua produtividade.
Porém, há um terceiro fator que é subestimado. É a capacidade das organizações de mudar em ritmo acelerado, que, na verdade, é quase independente das habilidades e da tecnologia. Qual é a sua velocidade de adoção? Em muitas empresas, você primeiro faz um programa-piloto em uma parte, depois dá escala em um caso de uso, depois no próximo, depois no próximo. Consequentemente, você leva dois, três anos para começar. E se todos, a cada nova onda de integração, começarem em escala ao mesmo tempo? Acho que há muita inércia que precisamos romper.
Também pode haver alguns obstáculos regulatórios à transformação rápida em direção à alta produtividade. Teremos que resolver esse problema. Estamos em uma nova era e precisamos nos comportar considerando que se trata de uma nova era em todas as frentes. Isso inclui a geopolítica, inclui essa aceleração da produtividade, inclui as questões do balanço patrimonial que não estavam lá antes: muitíssimos problemas novos. Se usarmos nossa mente para resolvê-los, vamos acelerar. Mas não devemos agir como nos anos 70, quando levamos 14 anos para achar nossas respostas.
Roberta Fusaro: Certo. Você falou da regulamentação. Que papel os formuladores de políticas podem desempenhar na aceleração da produtividade?
Sven Smit: As reformas do mercado de trabalho ajudarão nesse aspecto. Políticas que incentivem a recapacitação também podem ajudar. Acho também que o capital voltado à automação será disponibilizado por causa das muitas vantagens.
As instituições financeiras precisam ficar atentas
Roberta Fusaro: Dada a dinâmica que destacamos com relação à riqueza de papel versus a riqueza real e os resultados reais, qual é a jogada para as empresas financeiras, para os bancos? Como eles precisarão mudar nesse contexto?
Sven Smit: Acho que a maior mudança é não presumir que o futuro será igual ao passado. Você tem que entender se a sua empresa, o seu banco, a sua seguradora é capaz de manter esses cenários, é capaz de realmente prosperar nesses cenários e como você pode detectar – em tempo hábil – em qual cenário você se encontra e se está transitando por ele da maneira certa.
Isso provavelmente incluirá a necessidade de mudar os seus modelos de negócios em certos lugares para lidar com os riscos e retomar o balanço nos lugares certos. É por isso que achamos tão importante falar sobre o balanço patrimonial.
Porque a oscilação do balanço é enorme. E a sua pergunta sobre as instituições financeiras é muito importante porque, como intermediárias financeiras, elas abarcam todo o balanço patrimonial. Então, essas coisas vão passar muito por elas.
Roberta Fusaro: E os investidores? Eles também devem pensar em suas decisões de forma diferente?
Sven Smit: Sim. Eles vêm modelando o lucro por ação e todo esse tipo de coisa, mas, agora, diferentes empresas serão expostas de forma diferente ao balanço global. Algumas ficarão bem em todos os quatro cenários, talvez com mais ou menos crescimento.
Outras sofrerão grandes impactos ou benefícios em seu balanço patrimonial, mas o balanço vai oscilar. Nem todas as empresas têm a mesma estrutura de balanço patrimonial. Contudo, se você tem eventos na economia que afetam o balanço, vai querer saber se está investindo contra ou a favor do balanço patrimonial mundial.
Roberta Fusaro: Estamos sugerindo que os executivos analisem todos esses quatro cenários? Ou temos uma ideia da probabilidade de um cenário prevalecer sobre os outros?
Sven Smit: Acho que eles devem analisar todos os quatro e, depois, outros fatores também. Dentro dos cenários macroeconômicos, haverá muitos eventos, certa regulamentação, certa guerra, certo isso, certo aquilo. Em cada país, pode haver regulamentação. Em cada país, um concorrente pode fazer alguma coisa. Em cada lugar, algo mais pode acontecer. Seus clientes também podem ser afetados por todos esses eventos.
Roberta Fusaro: Essa é uma função do CEO? Quem está envolvido na análise desses cenários e na tomada de decisões?
Sven Smit: Sim. Isso depende do CEO, do conselho, da equipe da alta gerência. Não é um trabalho secundário. As pessoas estão mudando sua cadeia de suprimentos, estão mudando seu modelo de negócios. Vêm mudando sua postura de investimento. Vêm mudando suas estruturas de dívida. Essas coisas são grandes demais para supor que é possível resolver no nível das microcélulas.
Roberta Fusaro: Certo. Isso me leva à questão mais ampla. Todos nós queremos acelerar a produtividade. Esse parece ser o melhor cenário, não é? Mas como as empresas podem se preparar para os menos favoráveis?
Sven Smit: Algo que é constante no nosso artigo é observar o seu balanço patrimonial: onde estão os ativos? Como são financiados? Quais são as implicações das taxas de juros elevadas, da remuneração do capital próprio mais baixa?
Depois de compreender isso, você poderá observar o seu modelo de negócios para descobrir a melhor situação em termos de lucratividade e analisar os fluxos. Porém, os cenários não são contínuos. É provável passarmos de um a o outro em um prazo relativamente curto. Pode ser daqui a um ano, pode ser daqui a quatro anos. Mas estaremos em um desses contextos.
Como o balanço patrimonial é tão grande, uma mudança de um cenário para o outro afetará muito rapidamente o balanço e levará grandes eventos à sua demonstração de lucros e perdas. Então, eu dedicaria mais tempo ao balanço patrimonial, além, é claro, de todo o trabalho no modelo de negócios e na demonstração de lucros e perdas. É crucial nestes tempos.
O mercado se adaptará à visão de longo prazo
Roberta Fusaro: E quanto ao “longo prazismo” versus o “curto prazismo”? Analisar os quatro cenários requer uma visão de longo prazo, e sei que às vezes os executivos podem ter dificuldade para adotar essa mentalidade.
Você tem uma ideia de por que é tão difícil e por que as pessoas precisam começar a adotar essa visão de longo prazo?
Sven Smit: Eu posso surpreendê-la, mas não acredito que essa questão de curto ou longo prazo seja um grande problema.
Roberta Fusaro: Interessante.
Sven Smit: Pode ser no nível de alguns indivíduos, mas vimos empresas com lucro zero que mantiveram um valor muito alto por um bom tempo. Portanto, não é que o mercado não consiga ver um futuro singular versus um futuro muito diferente de hoje. Vimos empresas fazer investimentos enormes ante um trimestre e ser bem-sucedidas e valorizadas.
Não é o mercado que é o problema. Na verdade, acho que o mercado pode ser menos de curto prazo. Elementos do mercado são de curto prazo, mas o mercado pode fazer apostas de longo prazo e já fez isso no passado.
Tendo conversado com muitíssimos líderes do mundo todo, há muito mais raciocínio de longo prazo agora porque ele é mais necessário. Então, já vejo isso ser internalizado, mas é algo novo, e os assuntos são complexos. E é aí que as pessoas ainda estão tendo dificuldades.
Roberta Fusaro: Sim, e obrigado por fazer essa distinção entre “curto prazismo” / “longo prazismo” e a visão que o mercado tem do longo prazo. Isso é muito útil. Sven, qual foi a sua maior surpresa na pesquisa?
Sven Smit: No início desta pesquisa, pensamos que seriam as grandes instituições financeiras que teriam mais interesse nos resultados do balanço patrimonial global. De fato, elas tinham um forte interesse nisso.
No entanto, agora que criamos cenários concretos que mostram que o balanço patrimonial pode desencadear cenários nos quais as ações não vão subir, essa é uma mensagem muito séria para todos que participam da economia, do mercado, porque as oscilações do balanço patrimonial podem afetá-los e acelerá-los de maneiras surpreendentes.
Roberta Fusaro: Eu só gostaria de dizer, como alguém cuja mente não está imersa em todos os detalhes do balanço patrimonial global, que foi muito educativo. Agradeço a você pela disponibilidade.
Sven Smit: Obrigado, Roberta. Não é um assunto fácil, mas é fundamental.
Lucia Rahilly: Passando da macro para a microeconomia, vamos ouvir Farah Stockman, autora de American Made: What Happens to People When Work Disappears?, falar sobre as mudanças nas nossas percepções a respeito da classe trabalhadora.
Farah Stockman: Falamos muito sobre a classe trabalhadora branca. A classe trabalhadora não é branca. É muito diversificada. Deixar de enxergar isso é um desserviço às pessoas da classe trabalhadora.
Para os trabalhadores fabris, os movimentos pelos direitos civis e pelos direitos das mulheres tiveram muito a ver com os empregos. Em muitos casos, eles se resumiam literalmente a um único aspecto: você está autorizado a operar uma máquina no chão de fábrica? O movimento trabalhista criou esses empregos de classe média. Então, o que foi o movimento pelos direitos civis senão a luta por esses empregos?
É claro que, nos 15 anos após a aprovação da Lei dos Direitos Civis, as fábricas começaram a ir embora. Primeiramente em direção ao sul dos Estados Unidos, onde não há sindicatos, e depois ao exterior. Portanto, nunca saberemos como seriam as disparidades raciais hoje se essas fábricas tivessem permanecido.
Acho que, em alguns meios instruídos, há um modo de falarmos da classe trabalhadora e dos trabalhadores fabris demitidos como se fossem apenas um bando de homens brancos privilegiados e lamuriantes que precisam superar isso. Não atentamos para o fato de que, nos anos 70, muitos deles foram obrigados a dividir seu emprego com negros e mulheres, e eles não queriam fazer isso. Mas fizeram. Adivinhe quem não dividiu seu emprego? Os conselhos corporativos que hoje se parecem muito com os dos anos 60.
Então, de muitas maneiras, a raça é usada como uma maneira de desconsiderar esse ressentimento econômico de toda uma classe de pessoas. A conversa que temos, nos círculos instruídos, a respeito do privilégio dos brancos é importantíssima, mas muitas vezes finge que o trabalhador fabril branco demitido tem o mesmo grau de privilégio que o CEO branco.
Pesquisei quantas mulheres estão trabalhando em manufatura. É algo como três milhões de mulheres norte-americanas que trabalham em manufatura – número muito superior ao de advogadas. Mesmo assim, as necessidades delas são quase invisíveis. Mas, se você fosse até elas e falasse dos problemas das mulheres e do que elas esperam, elas esperam creches. Elas estão buscando a possibilidade de terem um bebê e tirarem licença remunerada.
Muitas das questões femininas sobre as quais leio estão relacionadas a como negociar salários como um homem. Uma mulher em uma fábrica precisa negociar salários como um homem. Elas não negociam seu salário – o sindicato tem salários que todo mundo que é operador de máquina com tantos [muitos] anos de serviço tem que ganhar. Não entendemos muito bem a vida delas. Esse é um dos motivos pelos quais é tão difícil se comunicar a respeito das necessidades delas e do que podemos fazer por elas.
A coisa mais chocante que aprendi ao longo desse processo é que apenas um terço dos adultos norte-americanos tem um diploma universitário de quatro anos. Quase todas as decisões importantes são tomadas por pessoas com diplomas de pós-graduação. E, no entanto, somos uma pequena parcela do país. Temos o poder de tomar essas decisões e, apesar disso, nossa realidade econômica é muito diferente da realidade das pessoas que têm que conviver com as nossas decisões. A lacuna cultural e geográfica ficou muito clara.
Precisamos refazer nossos laços com os trabalhadores. Se quisermos representá-los e continuar tomando essas decisões e governando o país, temos que fazer com que a globalização funcione para eles.