Seis anos atrás, o Walmex – subsidiária de capital aberto da Walmart Inc. e um dos maiores varejistas e empregadores do México – era uma empresa muito diferente da que é hoje. Desde 2017, mais de 400 novas lojas omnicanal foram abertas, oferecendo entrega em domicílio, áreas de drive-through para retirada de mercadorias e quiosques comerciais dentro das lojas, nos quais até mesmo clientes que só fazem transações em dinheiro podem comprar online.
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Hoje, todas as métricas do Walmex são positivas. A receita em 2022 atingiu mais de $40 bilhões e vem crescendo 8% ao ano, com margens de lucro maiores a cada ano. Possui mais de 1.000 lojas que oferecem serviços sob demanda e mais de 1.400 que permitem retirar mercadorias adquiridas online. O negócio de mídia da empresa, Walmart Connect, lançado em 2019, oferece espaços de publicidade física e online e se tornou o quarto maior protagonista de mídia no México, com receita superior a $100 milhões. Os negócios de telecomunicações e de serviços financeiros da empresa têm 7,8 milhões e 5,4 milhões de usuários, respectivamente.1
O CEO do Walmex, Guilherme Loureiro, a diretora de crescimento Beatriz Núñez e o ex-diretor de operações Cristian Barrientos (atualmente CEO do Walmart Chile) dizem que o extraordinário sucesso foi possível graças a uma transformação abrangente que exigiu reimaginar não apenas a estratégia omnicanal da empresa, mas também uma releitura fundamental da hierarquia, do trabalho em equipe e da própria liderança. Quando a transformação começou em 2017, os mais de 200.000 funcionários do Walmex trabalhavam em mais de 2.300 lojas físicas ou em vendas online, e havia apenas alguns poucos indivíduos dedicados à integração dos dois canais. E visto que milhões de pessoas na América Latina realizam transações exclusivamente em dinheiro, todos esses clientes estavam impedidos de fazer compras online, que exigem um cartão de crédito ou débito.
Loureiro já havia notado que concorrentes digitais começavam pouco a pouco a corroer os negócios e viu distintamente que o Walmex precisaria se reinventar como uma empresa omnicanal se quisesse estar preparado para o futuro. Contudo, ao analisarem a grandeza do desafio e a criatividade e agilidade que seriam necessárias para enfrentá-lo, ele e os diretores executivos logo perceberam que uma transformação cultural teria que acontecer primeiro.
Antes de 2017, a empresa operava em silos isolados e tinha uma estrutura hierárquica tradicional. O estilo de liderança nesses silos pode muito bem ser descrito como “comando e controle”, explica Loureiro. Os talentos e conhecimentos digitais desenvolvidos em um silo tendiam a permanecer lá, em vez de permearem outras partes da empresa. Para aproveitar ao máximo as pessoas e ideias inovadoras, a equipe executiva procurou reorganizar os silos em esquadrões empreendedores (squads) que colaborassem uns com os outros. Em alguns casos, foi preciso que novos talentos em soluções digitais tomassem as rédeas das mãos de líderes antigos cuja maior expertise era o varejo à moda antiga. Por toda a empresa, mentoria e coaching foram implantados para ajudar as pessoas a assimilar as mudanças no modo de trabalharem.
Liderar uma transformação cultural e operacional – e, ao mesmo tempo, assegurar bons resultados da estrutura existente – exige coragem, criatividade e flexibilidade, como atestam Loureiro, Núñez e Barrientos. Mas eles afirmam que o resultado – uma organização mais plana e mais centrada no cliente, capaz de oferecer uma experiência de compras omnicanal – mais do que compensou toda a introspecção profunda e a humildade exigidas. Os três executivos conversaram com o McKinsey Quarterly, refletindo sobre como eles próprios tiveram que se transformar para cumprirem essa missão, e apresentam uma visão franca e sem retoques de como a empresa se reinventou.
Quarterly: Qual era a situação da empresa no início da jornada de transformação?
Beatriz Núñez: Ingressei no Walmex como diretora digital em agosto de 2018. A empresa iniciara esse profundo processo de transformação em 2017, alinhada com a estratégia corporativa global do Walmart de capacitá-la digitalmente. Ainda sem entender muito bem o isso poderia significar, Guilherme – ou Gui, como o chamamos – iniciou um processo de descoberta. Ele leu muitos livros e esforçou-se para entender as pessoas e entidades que já haviam nascido no mundo digital, enquanto o comitê executivo estudava outras empresas e organizações para compreender plenamente o que precisávamos fazer.
Cristian Barrientos: O Walmex era uma empresa de muito sucesso, com um vigoroso histórico de ótimos resultados ano após ano. Enfrentamos uma fase difícil em 2012, mas a empresa começou a realizar mudanças a partir de 2013, incluindo grandes mudanças na gestão. Reconhecemos que, como nossos clientes estavam mudando rapidamente, precisaríamos nos transformar e agregar novos caminhos de crescimento para nos conectarmos com eles.
Guilherme Loureiro: Quando iniciamos a transformação, a empresa ia bem em termos de mercado. À primeira vista, era até difícil entender que precisávamos mudar. Porém, um mentor muito querido me ensinou que, em tudo que fazemos, temos que pensar dez, quinze anos à frente. Tenho utilizado esta metodologia tanto na minha vida profissional como na minha vida pessoal. Mas apenas reconhecer isso não era suficiente – eu tinha que estar preparado e tinha que mudar. A mudança exigiu deixar de lado nosso antigo modelo de liderança de comando e controle. Eu precisava aprender a ouvir as pessoas e deixá-las participar do processo. Não era algo que eu pudesse fazer sozinho. Assim, procurei um coach e lhe disse que estava bem claro para mim o que tinha que ser feito, mas que eu precisava dele para me ajudar a convencer meu time. Esse coach me disse: “Só porque você já sabe para onde quer ir não significa que esteja pronto”. O trabalho começou comigo e isso foi muito difícil.
Um mentor muito querido me ensinou que, em tudo que fazemos, temos que pensar dez, quinze anos à frente.
Quarterly: Como foi o novo foco em formas ágeis de trabalhar?
Beatriz Núñez: Começamos elaborando nossa própria declaração de problemas, em que perguntávamos como transformar a empresa para que se tornasse mais centrada no cliente. Meses depois, passamos a perguntar como a estratégia poderia tornar a empresa mais centrada também nos colaboradores, pois reconhecemos que tínhamos que colocar no centro não apenas os clientes, mas também nossos funcionários. Além disso, se quiséssemos melhorar exponencialmente os resultados, precisávamos fornecer soluções de ponta a ponta e nos guiarmos por dados concretos. Ao longo desse processo, buscamos manter a taxa de crescimento de dois dígitos e, ao mesmo tempo, obter eficiências que fossem além de nossos ganhos tradicionais ano a ano. Em fevereiro de 2019, redefinimos nossa aspiração como empresa. O comitê executivo se reuniu para analisar hipóteses sobre onde deveríamos iniciar esse processo. Decidimos começar pela área de comercialização de produtos, pois, sendo o coração da organização, certamente nos traria aprendizados que poderiam ser escalados para a empresa inteira.
Guilherme Loureiro: Os clientes de hoje são diferentes dos de ontem. Estão migrando para os canais online, de descontos e de clubes, e podem facilmente comparar preços online para garantir que estão obtendo valor. Se não mudássemos, logo estaríamos utilizando ferramentas obsoletas para atendê-los. Para provocar a mudança e nos tornarmos mais ágeis, precisávamos de equipes multidisciplinares com autonomia. No entanto, nossa estrutura organizacional era baseada em silos. O que se ganhava com os silos – um modo mais eficiente de organizar pessoas e funções para fornecerem serviços à organização como um todo – perdia-se na velocidade e qualidade de nossos produtos ou serviços. Portanto, tivemos que parar de trabalhar em silos. E, se eu quisesse criar equipes multidisciplinares com visão de ponta a ponta, todas essas pessoas precisariam de autonomia. Isso significava que, como CEO, eu teria que abrir mão do comando e controle? Sim, e como isso tem sido maravilhoso! A maneira como trabalhamos agora é muito mais divertida e muito mais eficiente. Um bom líder não precisa de comando e controle para liderar seu pessoal.
Quarterly: Como o comitê executivo aprendeu as novas maneiras de trabalhar e quais mudanças foram pessoalmente mais desafiadoras?
Cristian Barrientos: Uma das coisas que aprendemos foi que anos de experiência de trabalho não têm mais o mesmo peso de antes. Eu, pessoalmente, percebi que é preciso aliar experiências disruptivas, transformação e adaptação às verdadeiras necessidades que o cliente nos apresenta. E é preciso ter a humildade de incorporar ao nosso dia a dia novas pessoas com visões diferentes.
Uma das coisas que aprendemos foi que anos de experiência de trabalho não têm mais o mesmo peso de antes.
Guilherme Loureiro: Para que a transformação aconteça, o bom desempenho é essencial. A melhor defesa que você pode ter contra os que duvidam é continuar atingindo suas metas, porque se o desempenho cair em qualquer ponto do processo de transformação, seus opositores cairão em cima. E há uma linha tênue entre um CEO transformador brilhante e um trapalhão que afastou a empresa do bom caminho.
Fizemos três perguntas a nós mesmos: Eu entendo a transformação? Quero fazer parte dela? Consigo fazer parte dela? Se não responder “sim” a todas as três, você não pode fazer parte da transformação. Sobre o primeiro ponto, é preciso comunicar constantemente no que consiste a transformação, para dar a todos uma chance justa de entender os objetivos. Sobre o segundo, eu não entendia como era possível alguém não querer fazer parte da mudança. Mas o fato é que havia pessoas que não queriam participar de uma organização mais centrada no cliente e mais eficiente, na qual todos tivessem autonomia. Algumas pessoas simplesmente não queriam abrir mão do comando e controle. Sobre o terceiro ponto, há também aqueles que querem fazer parte do processo, que o entendem, mas por algum motivo não conseguem. Eu mesmo talvez fosse inicialmente um deles.
Em termos pessoais, aprendi muito sobre a verdadeira liderança. Fomos visitar o CEO de uma empresa que havia realizado uma transformação semelhante na Europa. Ele a apresentara ao Conselho, obtivera sua aprovação e, em seguida, renunciou, pois sentia que não era a pessoa certa para executá-la. Isso mostra que conceber a transformação e convencer as pessoas não lhe dá o direito de ser o líder. Você talvez tenha que parar de fazer as coisas que antes o tornavam bem-sucedido. E terá que fazer as coisas de forma diferente.
Quarterly: Como o comitê executivo lidou com as mudanças de talentos que se fizeram necessárias?
Beatriz Núñez: Lembro-me de um momento simbólico com o comitê executivo, quando informamos à equipe de comercialização que iríamos dar início à transformação. Dissemos a eles como ia funcionar, com pessoas de diversas áreas, e que começaríamos do zero para colocar as pessoas certas nas funções certas. Tivemos que trazer pessoas de diferentes áreas para liderar diferentes experimentos. Por exemplo, o que acontece se eu trouxer alguém de marketing para liderar uma das equipes das novas categorias? O que acontece se você deixar de se chamar vice-presidente e passar a ser um “líder da tribo”? O que acontece se um vice-presidente e um diretor se tornarem hierarquicamente iguais? Será que se sentirão rebaixados ou explorados por terem que fazer o mesmo trabalho como vice-presidente ou como diretor?
Começamos em abril de 2019, com um pequeno grupo de 129 pessoas em cerca de 15 equipes. O restante da empresa sabia da iniciativa e acompanhava atentamente os resultados do trabalho desse grupo. Havia muita incerteza e medo, porque agilidade significa ser mais eficiente e eficiência significa menos gente. Não havia lugar para todos – só para os melhores. No entanto, duas coisas importantes foram feitas em termos de retenção e talentos. Primeiro, capacitamos as equipes para que pudessem adquirir as habilidades necessárias para a nova organização. Tentamos contratar coaches de agilidade externos para trabalhar conosco, mas não havia um número suficiente deles no mercado para uma empresa do nosso porte. Por isso, decidimos lançar um apelo por coaches ágeis internos. Isso significava, em essência, que pessoas teriam que abandonar sua carreira e se candidatar a uma função totalmente nova. Nossa grande surpresa foi que 500 pessoas se inscreveram — e estávamos buscando apenas 50!
A outra coisa que fizemos foi trazer para cargos chave pessoas com talentos diferenciados, que então trouxeram outros talentos para a empresa, em particular aqueles com habilidades tecnológicas e digitais. Cargos e nomes de cargos foram modificados para refletirem essa mudança, e o processo de contratação também se tornou mais digital. Além disso, houve um esforço – que continua até hoje – para compreender as nuances de uma gestão de talentos diferenciada.
Cristian Barrientos: Na área de operações, passamos por uma profunda mudança na liderança. Em alguns casos, tivemos que escolher novos líderes com novas habilidades e ideias. Isso pode ser doloroso, mas às vezes é o que precisa acontecer para se criar novas maneiras de trabalhar.
Guilherme Loureiro: Um elemento importante foi a mentoria reversa. Eu não sou um nativo digital, mas nem precisei sê-lo para liderar uma revolução digital nos negócios. Percebemos que teríamos que recorrer a pessoas mais jovens, com inteligência digital, para orientar os líderes mais velhos. E esses jovens se beneficiaram da experiência de passarem tempo e aprenderem com pessoas de níveis hierárquicos superiores.
A literatura nos dizia que, numa transformação como a que buscávamos, metade das pessoas teria que partir – o que era inviável. Ao contrário do que muitos dizem sobre as transformações tecnológicas, acredito que uma pessoa com formação em negócios e que seja capaz de adquirir experiência digital é muito melhor do que uma pessoa que só tenha formação digital. Eu acreditava firmemente que as pessoas podem ser transformadas e que seria inviável fazer o que os livros prescreviam. Alguém que tenha vasta experiência em negócios, seja minimamente digital e saiba liderar uma equipe digital vale seu peso em ouro. Essa combinação vale muito mais do que alguém que é exclusivamente digital. Acho que o fato de termos continuado com nossas pessoas e as transformado nos dá uma enorme vantagem. Hoje temos indivíduos muito experientes em negócios que são também capazes de liderar equipes digitais.
Quarterly: O que surpreendeu o comitê executivo desde que você iniciou essa jornada e quais foram as lições mais importantes?
Beatriz Núñez: Vejo o grande número de áreas que tivemos que criar do zero, como o escritório de dados, a organização de produtos, novos negócios. Hoje a organização de produtos já oferece para a organização soluções rápidas de tecnologia e dados, todas elas multifuncionais. Desde a sua criação, o Walmart Connect – que vende espaços publicitários online e físicos – tornou-se a quarta maior empresa de mídia do México. E ainda me impressiona que uma organização como o Walmex, que poderia ter se tornado um dinossauro, tenha essa capacidade de inovar a partir do zero. Uma grande lição foi que a agilidade é apenas um elemento capacitador. A meta nunca foi a transformação em si e o destino almejado não era tornar-se uma empresa ágil; foi sempre realizar o propósito de colocar o cliente e nossos colaboradores no cerne de um negócio de varejo omnicanal.
Cristian Barrientos: Talvez seja novidade para muita gente, mas o Walmart, onde estou há 13 anos, sempre defendeu que sejamos duros com o problema, não com as pessoas. É uma expressão que ilustra muito bem que não se deve levar as coisas para o lado pessoal, que é preciso abrir a mente e trabalhar de forma colaborativa, receber feedback e realmente resolver os problemas em vez de se sentir atacado.
Guilherme Loureiro: A transformação do Walmart me ensinou que não importa o que alguém tenha feito na vida, o mundo está mudando e nós também temos que mudar. É preciso ter a humildade de aceitar que não importa quão bem-sucedidos possamos ser, devemos sempre continuar aprendendo e crescendo.
Quarterly: Por fim, como você descreveria o caminho que percorreu até agora? E para onde ele levará a empresa agora?
Guilherme Loureiro: Nós éramos um varejista físico tradicional que acrescentou um negócio de e-commerce e foi crescendo até se tornar um varejista omnicanal. À medida que fomos aprendemos mais com nossos clientes, capitalizamos nossos ativos e adicionamos serviços digitais como telecomunicações [Bodega Aurrera Internet y Telefonia, BAIT] e serviços financeiros [Cashi].
Agora aspiramos nos tornar um ecossistema omnicanal. Precisaremos continuar aprendendo, desenvolvendo nosso pessoal e, o mais importante, ouvindo nossos clientes a fim de adquirirmos as habilidades e capacidades necessárias para melhor atendê-los todos os dias.