Ingredientes para o futuro: trazendo a revolução biotecnológica para a indústria alimentícia

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Novas tecnologias biológicas estão se disseminando por diversos setores e criando possibilidades extraordinárias para a produção de alimentos. A fermentação, um tipo de bioprocessamento, permite que os produtores de alimentos criem proteínas e outros ingredientes utilizando micróbios em vez de animais, reduzindo significativamente o uso da terra e as emissões da pecuária, e ao mesmo tempo fortalecendo a confiabilidade e a segurança alimentar.

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As novas proteínas fermentadas poderão representar cerca de 4% da produção total de proteínas até 2050, um mercado anual avaliado entre $100 e $150 bilhões, a depender das políticas climáticas e do ritmo do desenvolvimento tecnológico. Os avanços na tecnologia de fermentação também deverão beneficiar outros setores, como produtos químicos e materiais industriais.

No entanto, antes que novas proteínas possam decolar, será preciso escalar a tecnologia de fermentação. Hoje, a maioria dos fabricantes de novos ingredientes enfrenta custos de produção uma ordem de magnitude maior do que os das proteínas tradicionais, normalmente na faixa de $2 a $15 por quilo. Nossas projeções mostram que, para que economias de escala possam reduzir esses valores, os fabricantes dos novos ingredientes fermentados precisarão investir cumulativamente mais de $250 bilhões até 2050 para expandir a capacidade.

Neste artigo, examinamos como a indústria alimentícia pode acelerar a adoção de ingredientes derivados da fermentação, principalmente proteínas. Para chegar lá, empresas estabelecidas, startups e investidores terão de aprimorar os processos de produção por fermentação e a tecnologia dos biorreatores para reduzir custos, criar novos produtos que cativem o consumidor e atrair parceiros para ampliar a escala do setor como um todo.

O potencial dos novos ingredientes

Estima-se que o mercado para produtos de proteína fermentada atingirá $100 a $150 bilhões até 2050 (Quadro 1), o que incentivou empresas de produtos de fermentação tradicional, gigantes do setor de alimentação, fundos soberanos e outros a investir mais de $4 bilhões na fermentação de precisão e de biomassa nos últimos cinco anos.

O grande interesse por novos alimentos se deve ao fato de eles permitirem ampliar a produção tradicional de alimentos. No caso das proteínas em especial, o mercado global hoje já é considerável, cerca de $3 trilhões, e estima-se que se aproxime de $3,5 trilhões em 2050. No entanto, o aumento dos preços das rações, a volatilidade climática e as doenças estão desafiando a capacidade da pecuária de atender às necessidades nutricionais da crescente população mundial.

Novos ingredientes produzidos por bioprocessamento são uma forma de mitigar esses riscos (veja Box, “Sobre fermentação e cultivo de culturas de células”). Como a fermentação ocorre em um ambiente sintético (os biorreatores), a fabricação é controlada e modular, aumentando a flexibilidade geográfica e reduzindo a suscetibilidade a intempéries, à cadeia de suprimentos e a disrupções provocadas por doenças na cadeia de valor tradicional de alimentos e produtos agrícolas. Além disso, a fermentação requer muito menos terreno do que a agricultura tradicional, tornando-a uma opção poderosa para assegurar maior segurança alimentar.

A fabricação é controlada e modular, aumentando a flexibilidade geográfica e reduzindo a suscetibilidade a intempéries, à cadeia de suprimentos e a disrupções provocadas por doenças na cadeia de valor tradicional de alimentos e produtos agrícolas.

Fatores capazes de escalar a indústria alimentícia do futuro

Antes que a indústria de novos ingredientes possa ajudar a tornar os sistemas alimentares mais sustentáveis e resilientes, ela precisa ser significativamente redimensionada. No entanto, a ampliação de escala é limitada pela capacidade existente e as organizações de fabricação por contrato (CMO, contract manufacturing organizations) geralmente têm expectativas de rentabilidade pouco alinhadas com as dos fabricantes de alimentos, o que tende a inviabilizá-las para empresas que queiram ampliar a capacidade. Embora vários novos acréscimos de capacidade tenham sido anunciados, muitos outros acabaram sendo deixados de lado devido a fatores macroeconômicos.

Ampliar a capacidade não é o único desafio. É preciso desenvolver e aprimorar a tecnologia e os processos subjacentes. As oportunidades e riscos dos novos ingredientes ainda estão sendo investigados, e tanto empresas estabelecidas como startups e investidores estão no processo de alocar despesas de capital, acompanhar de perto os últimos avanços e tentar entender as necessidades dos clientes.

Para desmistificar o futuro dessa indústria em expansão, identificamos três áreas que são cruciais para construir e escalar um novo ecossistema alimentar:

  • O aprimoramento dos processos e o redesenho dos biorreatores podem aumentar o rendimento, reduzir os custos dos biorreatores e diminuir os custos de produção em cerca de 50%; novas tecnologias de biorreatores também têm o potencial de permitir que os OEMs tenham acesso ao mercado global.
  • O aprimoramento da formulação e do desenho dos alimentos, por sua vez, pode resultar em uma variedade maior de ofertas de alta qualidade, principalmente se as empresas conseguirem melhorar o sabor e a textura dos produtos.
  • Novos modelos de negócio podem ajudar o setor a mitigar riscos e financiar os mais de $250 bilhões da expansão esperada da infraestrutura.

Melhorias na produção podem reduzir os custos unitários em 50%

O fator mais importante para lançar novos alimentos no mercado será a redução do custo unitário dos novos ingredientes. Se implementarem inovações tecnológicas no bioprocessamento e nos processos de produção dos estágios mais adiantados e se adotarem a perspectiva do custo total dos produtos vendidos (COGS), os fabricantes desses novos ingredientes terão em sua mira imediata reduções de custo de cerca de 50% (Quadro 2).

Estima-se que a maior parte da redução virá dos fatores mais determinantes do COGS, incluindo titulação (medida da concentração do produto no caldo pós-fermentação), processamento nos estágios mais adiantados da sequência (a conversão do caldo de fermentação em um produto estável) e o tempo de ciclo.

Alguns desses fatores têm melhorado constantemente ao longo do tempo. Por exemplo, os grandes detentores de propriedade intelectual realizam avanços contínuos na titulação; e, há décadas, as empresas químicas e farmacêuticas vêm implantando análises digitais – e, cada vez mais, IA – para otimizar a fabricação.

O que realmente impulsionaria o setor seria um grande aprimoramento dos processos. Mudanças fundamentais no bioprocessamento podem aumentar significativamente o tempo do ciclo ativo e a eficiência do capital. Várias startups estão investigando como converter processos de bateladas alimentadas em processos contínuos (veja Box, “Estudo de caso: Cauldron, uma startup australiana de bioprocessamento”) e outras empresas têm convertido processos aeróbicos tradicionais em anaeróbicos.

Além de melhorias radicais nos processos, será fundamental atualizar a tecnologia de biorreatores. As indústrias farmacêutica e química, por exemplo, desenharam fermentadores que atendem às suas necessidades, mas ainda não houve um redesenho dos biorreatores voltado às necessidades da indústria alimentícia. Novos equipamentos precisarão ser desenvolvidos em conformidade com as especificações da produção de alimentos e com as expectativas de rentabilidade do setor.

Nesse sentido, os biorreatores e seus componentes precisarão ser desmontados e reconstruídos a partir do zero com vistas a finalidades específicas. Entretanto, os OEMs globais ainda não se abriram para essa oportunidade. Diante dessa lacuna, algumas startups (incluindo um pequeno grupo focado em equipamentos, como a Sterling Bio Machines e a Ark Biotech) redesenharam biorreatores e, por necessidade, construíram modelos personalizados. Além disso, algumas empresas estão investigando o uso de tanques de fermentação mais modulares para reduzir significativamente os custos de capital e reforçar as curvas de aprendizagem.

Recursos mais aprimorados na formulação de alimentos poderão criar novos produtos revolucionários no mercado de proteínas, avaliado em cerca de $3,5 trilhões

À medida que a curva de preços dos novos alimentos fermentados começa a se estabilizar, as empresas do setor de alimentos e bebidas terão a chance de trazer novos ingredientes e ofertas para os consumidores. Embora os ingredientes produzidos por fermentação de precisão sejam geneticamente equivalentes aos derivados de animais, as proteínas de biomassa apresentam um potencial intrigante e pouco explorado, pois muitas jamais foram oferecidas ao consumo humano. Com isso, surgirão novos sabores, bebidas inéditas e alternativas à carne, e as empresas inovadoras que se destacarem por seus recursos na formulação de alimentos poderão vir a liderar esse mercado.

E à medida que cientistas de alimentos forem descobrindo a verdadeira amplitude das texturas, sabores e potencial de fortalecimento das novas proteínas, as empresas poderão criar ofertas exclusivas e patenteadas para os consumidores. Por exemplo, os fabricantes podem realizar experimentos com novas gorduras que deixam uma sensação melhor na boca e adicionam sabores mais apetitosos aos alimentos, substituindo ingredientes indesejáveis, como o óleo de palma. A fermentação de precisão também permite que os fabricantes usem proteínas específicas de ovos e laticínios, por exemplo, para oferecer textura, nutrimento ou sabor mais especializado. É possível que esses novos ingredientes venham a substituir muitos produtos de origem tradicional, como gomas e metilcelulose, que tornam possível alimentos de desempenho superior, mas que tendem a ser vistos como indesejáveis pelos consumidores.

Os fabricantes podem realizar experimentos com novas gorduras que deixam uma sensação melhor na boca e adicionam sabores mais apetitosos aos alimentos, substituindo ingredientes indesejáveis, como o óleo de palma. A fermentação de precisão também permite que os fabricantes usem proteínas específicas de ovos e laticínios, por exemplo, para oferecer textura, nutrimento ou sabor mais especializado.

Saber quais serão os interesses dos consumidores é fundamental para impulsionar o desenvolvimento de novos alimentos. Um artigo recente da McKinsey destaca que insights sobre o consumidor, embora ainda sejam incipientes neste estágio, já revelam uma aceitação promissora dos novos ingredientes: 49% a 67% dos entrevistados indicaram estar dispostos a experimentar novos alimentos e bebidas contendo esses novos elementos. Os resultados da pesquisa também indicam que os consumidores estão particularmente abertos a experimentar novos ingredientes no lanche e durante o almoço, informações que podem servir para orientar os formuladores de alimentos no desenvolvimento de novas ofertas e na educação do consumidor sobre ingredientes inéditos.

Escalar o setor é uma oportunidade de investir na construção de novos modelos de negócio avaliados em mais de $250 bilhões

A escala futura deste setor exigirá investimentos de $250 bilhões ou mais em equipamentos e instalações de fermentação nos próximos 30 anos, segundo a análise da McKinsey, um grau de expansão global semelhante ao visto em anos anteriores nas indústrias de painéis solares e veículos elétricos, por exemplo.

É provável que os investimentos em infraestrutura sejam elevados demais para serem financiados apenas por capital de risco. E até que os demais marcos tecnológicos e comerciais sejam alcançados, os investidores financeiros e parceiros de capital continuarão relutantes em participar, abrindo uma lacuna no cenário financeiro global que o ecossistema poderá se adaptar para preencher (Quadro 3).

Para possibilitar novos modelos de financiamento e permitir que os pools globais de capital comecem a investir em escala, duas áreas merecem atenção:

  • As aquisições contratuais [commercial offtakes] tiveram papel crucial como garantia das dívidas contraídas durante a grande expansão de capital em outros setores, como baterias para veículos elétricos, combustíveis sustentáveis para aviação e tecnologias de hidrogênio. Embora aquisições vinculativas sejam tradicionalmente menos comuns nos setores de consumo, tanto startups como grandes empresas alimentícias estão começando a firmar acordos recíprocos de desenvolvimento.
  • Riscos tecnológicos podem dissuadir os investidores, particularmente enquanto as inovações nos processos, os biorreatores redesenhados e os novos alimentos ainda estão sendo testados. No entanto, espera-se que avanços tecnológicos envolvendo processos, equipamentos e escala reduzam substancialmente os custos nos próximos cinco anos, tornando a proposta bem mais atrativa para os investidores.

Novos modelos de negócios são o principal fator subjacente que permitirá que a indústria de novos alimentos resolva esses pontos. Se startups e outras empresas de novos alimentos conseguirem construir um ecossistema de vendas vinculativas e compartilhamento de riscos, poderão atrair investidores e eliminar a falta de financiamento. Essas conexões também tornariam mais fácil aprimorar a tecnologia dos processos, construir biorreatores melhores e comercializar novos alimentos.

Alguns tipos de parcerias e formas de financiamento já estão se mostrando eficazes no espaço dos novos alimentos:

Joint ventures. Joint ventures podem ser criadas para que os riscos – e retornos – sejam compartilhados entre os vários participantes, diferentemente das organizações de fabricação por contrato (CMO), que alteram a estrutura do custo unitário de um produto. Embora as joint ventures sejam complexas, várias startups estão explorando esses arranjos e outras alianças que reúnem múltiplas fontes de capital para reduzir o risco dos investimentos e contribuir com propriedade intelectual e ativos. Por exemplo, a Autoridade de Investimentos de Omã firmou parceria com a MycoTechnology para construir uma unidade para reciclar tâmaras descartadas e convertê-las em proteínas de micélio.

Investimentos soberanos. Embora tenha havido um desaquecimento do capital de risco corporativo nos últimos anos, a expectativa é que volte a atingir os níveis anteriores no longo prazo, dado o seu bom histórico na indústria alimentícia. Enquanto isso, o interesse dos fundos soberanos e estratégicos de investimento continua alto. Por exemplo, o Fundo Nacional de Crescimento da Holanda alocou €60 milhões para a fermentação de precisão e o cultivo de novos ingredientes.

Programas governamentais. Muitos países estão criando programas governamentais para apoiar a incipiente indústria de fermentação, seja mediante financiamento não dilutivo ou facilitando a ampliação da capacidade. Por exemplo, em uma recente rodada de angariação de fundos, a Business Finland, uma organização gerida pelo governo finlandês, concedeu à Onego Bio uma subvenção de $10 milhões. E a Change Foods concordou em concentrar a sua produção de laticínios de origem não animal nos Emirados Árabes Unidos, com apoio da Iniciativa NextGen FDI daquele país.

Considerações para novas empresas de ingredientes criarem a indústria do futuro

Os investidores, parceiros estratégicos e parceiros comerciais que se juntarem aos inovadores para construir o mercado de novos alimentos desempenharão papel crucial no fomento do crescimento global da biotecnologia. Mas todos devem considerar alguns fatores importantes:

Empresas estabelecidas de ingredientes. Os alimentos produzidos por biotecnologia permitem que os fabricantes de ingredientes expandam seus portfólios e criem uma vantagem competitiva por meio de habilidades e recursos especiais na criação de novas fórmulas. Como as novas proteínas podem ser produzidas em qualquer lugar, elas oferecem uma oportunidade para empresas estabelecidas de ingredientes de todo o mundo entrarem nos mercados de proteína animal pela primeira vez, transformando o cenário competitivo para laticínios, colágeno, ovos e até mesmo produtos não proteicos como cacau.

OEMs. A construção de uma base robusta de ativos para a produção de ingredientes biotecnológicos constitui uma excelente oportunidade de mercado para os OEMs de biorreatores e equipamentos para os estágios mais adiantados do processamento. Na indústria de novos ingredientes, a maioria dos ativos utilizados hoje provém de outros setores e necessita ser reprojetada para agregar valor à produção de alimentos. As empresas que decidirem investir no desenho e desenvolvimento de tecnologias específicas nos próximos anos poderão vir a se tornar protagonistas, dada contínua expansão global do capital nesse segmento.

Inovadores. As startups estão ansiosas para suprir as necessidades de volume com capacidade sob demanda e poderão se beneficiar muito de parcerias com empresas e investidores estabelecidos. No atual cenário macroeconômico de financiamento, algumas empresas talvez não consigam apresentar progresso rápido o suficiente para continuarem a obter financiamento, o que cria um campo mais restrito para os inovadores. Olhando para o futuro, cada inovador precisará escolher em quais recursos investir, desde aperfeiçoamentos na titulação até a criação contínua de propriedade intelectual. Desenvolver recursos para a formulação de alimentos e entender a fundo como trabalhar com novos ingredientes se tornarão uma vantagem competitiva à medida que mais proteínas forem comercializadas.

Investidores. Com o amadurecimento dos stakeholders, os investidores tradicionais começam a olhar mais de perto o setor em busca de modelos de negócio que mereçam mais investimentos. Estima-se que financiamentos infraestruturais baseados em ativos securitizados com aquisições vinculativas a preços justos de mercado serão cruciais para o redimensionamento da indústria, como aconteceu na expansão de outros setores – os de energia eólica e solar, por exemplo.


Nos próximos cinco anos, esperamos que uma combinação de paridade de custos e demanda dos consumidores amadureça e reduza os riscos da indústria de novos ingredientes, levando a uma expansão global da infraestrutura. Nesse ínterim, os líderes devem continuar construindo mecanismos criativos para equilibrar capital, risco e retornos. Se as empresas souberem aproveitar esta oportunidade de investimento, poderão construir a cadeia de suprimentos dos alimentos do futuro.

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