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Como o nosso mundo interconectado está mudando

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A globalização não está desaparecendo, mas está mudando, segundo pesquisa recente do McKinsey Global Institute (MGI). Neste episódio do McKinsey Podcast, a diretora do MGI Olivia White fala com a diretora editorial global Lucia Rahilly sobre os fluxos de bens, conhecimento e mão de obra que promovem a integração global – e sobre o que a remodelação desses fluxos pode significar para o nosso futuro interconectado.

Depois disso, falamos sobre a fabricante global de cervejas AB InBev, que prosperou em meio ao que seu diretor financeiro, Fernando Tennenbaum, descreve como “reviravoltas” recentes. Saiba mais neste trecho de “Como prosperar durante uma retração econômica: a perspectiva de um diretor financeiro”, que foi gravado em dezembro de 2022 em nossa série McKinsey Live.1

O McKinsey Podcast é apresentado conjuntamente por Roberta Fusaro e Lucia Rahilly.

Esta transcrição foi editada para maior clareza e brevidade.

A globalização veio para ficar

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Lucia Rahilly: Especialistas e outras figuras públicas vêm prevendo erroneamente o fim da globalização há um tempo que parece ser anos. Agora, devido à guerra na Ucrânia e a outras disrupções, muitos estão, mais uma vez, fazendo previsões catastróficas. O que essa nova pesquisa do MGI nos diz sobre o destino da globalização? Ela está realmente recuando?

Olivia White: Os fluxos de bens, das coisas tangíveis, reais, se estabilizaram depois de quase 20 anos de crescimento a uma taxa duas vezes superior à do PIB. Porém, os fluxos de bens acompanharam o ritmo do PIB e até subiram um pouco, surpreendentemente, nos últimos dois anos. Como o PIB vem crescendo, isso significa que os laços reais ficaram mais fortes.

Uma das descobertas mais marcantes desta pesquisa foi que os fluxos que representam conhecimento e know-how, como propriedade intelectual [PI] e dados, e os fluxos de serviços e estudantes internacionais se aceleraram e já estão crescendo mais rapidamente do que o fluxo de bens. Os fluxos de dados cresceram mais de 40% ao ano nos últimos dez anos.

Lucia Rahilly: Os bens constituem uma parcela menor dos fluxos totais, uma parcela menor da produção econômica, do que no passado. Isso não soa necessariamente como algo ruim. Pode ser um sinal de progresso?

Olivia White: O fato de o fluxo de certos bens estar crescendo menos rapidamente do que outros tipos de fluxos mostra essa mudança na nossa economia e o que é mais importante para o funcionamento da economia. Ele vem na esteira de um longo histórico de diferentes fatores que influenciam o crescimento e as mudanças no funcionamento dos padrões. Em parte, o que está acontecendo é que uma série de países vem produzindo mais internamente – sobretudo a China. Isso vem reduzindo boa parte do fluxo, se você adotar a visão longitudinal, nos últimos dez anos em relação a antes.

O mundo continua interdependente

Lucia Rahilly: Na sua opinião, qual é o nosso grau de interdependência neste estágio? Poderia nos dar alguns exemplos de como estamos interconectados?

Olivia White: A primeira constatação é que cada região do mundo depende de outra região importante para, no mínimo, 25% de um fluxo que ela mais valoriza.

Em termos gerais, as regiões manufatureiras – Europa, Ásia-Pacífico e China, se pensarmos nesta individualmente por ser uma economia tão grande – dependem muitíssimo do resto do mundo para obter recursos: alimentos até certo ponto, mas principalmente energia e diferentes tipos de minerais. Vou dar alguns exemplos.

Em termos gerais, as regiões manufatureiras dependem muitíssimo do resto do mundo para obter recursos: alimentos até certo ponto, mas principalmente energia e minerais.

Olivia White

A China importa mais de 25% de seus minerais, que são provenientes de lugares geograficamente espalhados, como o Brasil, o Chile e a África do Sul. A China importa energia, particularmente na forma de petróleo do Oriente Médio e da Rússia. A Europa é emblemática dessas formas de dependência energética. Ela dependia da Rússia para obter mais de 50% de sua energia, mas agora isso mudou radicalmente.

Algumas outras regiões do mundo – lugares ricos em recursos, como o Oriente Médio, a África subsaariana e a América Latina – são altamente dependentes do resto do mundo para obter seus produtos manufaturados. Mais da metade da população mundial vive nesses lugares. Eles importam bem mais de 50% de seus produtos eletrônicos e uma quantidade semelhante de seus produtos farmacêuticos. São altamente dependentes de outras partes do mundo para adquirir coisas que são realmente cruciais para o desenvolvimento e para a vida moderna.

A América do Norte é um caso um pouco diferente. Não temos nenhuma área específica com uma dependência tão grande, pelo menos no nível das categorias amplas. Em termos de valor líquido, importamos cerca de 25% do que usamos em todo o espectro, tanto recursos quanto bens manufaturados.

Isso sem levar em conta os dados e a PI, nos quais, por exemplo, os EUA e a Europa são produtores / exportadores bastante importantes. Um país como a China é um grande consumidor de PI.

Lucia Rahilly: Em que medida somos interdependentes em termos da força de trabalho global?

Olivia White: Isso é extraordinário. Perguntamos quantos trabalhadores de outras regiões que não a América do Norte atendem à demanda norte-americana. E fizemos a mesma pergunta com relação à Europa. Pelo que vimos, 60 milhões de pessoas de fora da América do Norte atendem à demanda norte-americana e, na Europa, o número correspondente é 50 milhões.

Esses números são muito substanciais em relação à população trabalhadora desses países. Então, quando você pensa em quanto do que os norte-americanos ou europeus estão consumindo poderia ser produzido localmente, por mão de obra local, a resposta não é nem remotamente próxima desses tipos de números – pelo menos considerando-se os meios de produção ou a maneira pela qual os serviços são prestados hoje e o papel que as pessoas desempenham nisso.

Lucia Rahilly: Vamos abordar algumas das categorias de fluxos que aumentaram nos últimos anos. O que está por trás do crescimento dos fluxos globais, agora que o comércio internacional de bens se estabilizou?

Olivia White: Os fluxos referentes a conhecimento e know-how. Os serviços relacionados a conhecimento, que historicamente cresceram mais devagar do que os bens e recursos manufaturados, deram uma guinada nos últimos dez anos com o aumento da conexão global ao longo do tempo.

Os serviços profissionais, como os de engenharia, estão entre os fluxos comerciais mais tradicionais que vêm crescendo com a maior rapidez, em torno de 6% ao ano, em comparação com os recursos, que caíram para cerca de 2%, apenas. Tudo que envolve know-how efetivo – engenharia, mas também, digamos, a prestação de suporte de call center – está nessa categoria.

Os fluxos de PI estão crescendo ainda mais rapidamente. Agora, PI é complicada porque é muito difícil contabilizá-la. Mas ela indica, em linhas gerais, os fluxos das coisas divertidas. No relatório, mencionamos Round 6 / Squid Game, mas a PI também inclui filmes, plataformas de streaming, música e qualquer tipo de elemento cultural que consumimos.

Além disso, é importante levar em conta os fluxos de patentes e ideias e o uso que países ou empresas farão de ideias ou know-how desenvolvidos em um país para ajudar no que fazem em todo o mundo. Esses fluxos também têm crescido cerca de 6% ao ano.

Existem os fluxos de dados – os fluxos de pacotes de dados. Por exemplo, se estivéssemos em países diferentes durante a realização desta entrevista, haveria fluxos entre nós. Também há fluxos relacionados ao nosso uso cada vez maior da nuvem e da localização de dados. A transferência de dados está acontecendo com rapidez crescente.

Os fluxos de estudantes internacionais também estão em alta. Eles foram fortemente interrompidos pela pandemia, por motivos que não preciso detalhar, mas parecem estar se recuperando. É importante avaliar em que grau eles vão voltar a sua trajetória de crescimento acelerado.

Como a COVID-19 afetou os fluxos globais

Lucia Rahilly: Você mencionou a queda, por motivos óbvios, dos fluxos de estudantes internacionais durante a COVID. Os outros fluxos em geral tiveram uma queda durante a pandemia? Ou há exemplos de fluxos que foram particularmente resilientes ao longo desse período?

Olivia White: Há alguma variação, mas muitos fluxos foram notavelmente resilientes – resilientes de uma maneira que vai um pouco contra a narrativa geral do que aconteceu durante a pandemia.

Os fluxos de recursos e bens manufaturados saltaram de forma razoavelmente significativa em 2020 e 2021, ambos para níveis de cerca de 6% ao ano em termos anualizados. Em certa medida, o que aconteceu foi que os fluxos transfronteiriços entraram em cena para substituir as produções internas interrompidas. Houve fluxos da Ásia, por exemplo, para os EUA ou para a Europa. Observamos alguns fluxos passar por uma inversão de sentido. Houve uma série de interrupções nas produções internas, o que foi um tanto surpreendente.

Os fluxos de capital também deram um grande salto, na medida em que as pessoas precisaram mudar o modo de se financiarem. As multinacionais precisaram mudar o modo de se financiarem. Algumas levaram liquidez para diferentes partes do mundo em tempos de estresse financeiro. Mas isso saltou para níveis de crescimento na casa da dezena em relação ao que havia sido um crescimento negativo nos últimos dez anos. Tudo isso saltou. A PI saltou um pouco; os dados permaneceram altos. Ou seja, esses fluxos têm sido notavelmente resilientes.

A boa e a má notícia sobre a concentração de recursos

Lucia Rahilly: Você tocou um pouco no assunto da concentração quando citou o fato de a Europa depender da Rússia para 50% de sua energia. Pode falar um pouco mais sobre o que significa a concentração nesse contexto e como ela afeta a dinâmica da nossa conexão global?

Olivia White: Do ponto de vista global, há alguns produtos que realmente se originam em apenas alguns lugares do mundo, e todos nós, no mundo inteiro, dependemos desses poucos lugares para o nosso abastecimento. O minério de ferro é bastante concentrado, e o cobalto está concentrado na RDC [República Democrática do Congo].

O segundo tipo de concentração é do ponto de vista de um país individual. Lucia, você falou sobre a Europa e a dependência do gás.

Por exemplo, a Alemanha estava obtendo gás apenas de um conjunto muito concentrado de fontes. São casos nos quais, por uma série de motivos, os países criaram dependências de um pequeno número de outros países.

Por que isso aconteceu? Por que estamos nessa posição? O custo é um dos motivos. As pessoas tomaram decisões com base em fatores econômicos. Outro motivo é a preferência regional. Nem todos os bens são criados iguais, mesmo que se enquadrem na mesma categoria.

O terceiro motivo são os acordos comerciais preferenciais entre diferentes países ou outras formas de tarifas ou impostos que determinam a maneira pela qual os fluxos ocorrem. Estamos em um mundo no qual, de repente, as pessoas estão percebendo que precisam pensar nas consequências da concentração – não de fornecedores, mas do país de origem daquilo que estão comprando.

Lucia Rahilly: Parece que a concentração também aumenta a eficiência em alguns casos nos quais não ocorrem essas disrupções. A concentração é sempre ruim? Se repensarmos a concentração, podemos esperar alguma perda de eficiência nesse ínterim?

Olivia White: Não, nem sempre é ruim. No entanto, há muitas considerações a serem feitas que envolvem custos, envolvem relações geopolíticas, envolvem o papel que diversos países querem desempenhar, o que eles pensam a respeito do desenvolvimento, o que pensam sobre sua força de trabalho. Tudo isso tem que fazer parte do mix.

Imagine três ou quatro países diferentes, cada um com três parceiros comerciais, e esses parceiros comerciais são, em grande parte, diferentes. Mudar quem abastece quem é um problema de coordenação gigantesco.

Como as cadeias globais evoluirão

Lucia Rahilly: Obviamente, os riscos geopolíticos direcionaram um foco das políticas à reformulação dessas cadeias de valor globais por motivos de segurança ou para aumentar a resiliência de forma mais geral. Aceitando o fato de que o mundo continua interdependente, como vemos a evolução dos fluxos comerciais nos próximos anos?

Olivia White: Em linhas gerais, existem quatro categorias de evolução potencial. Os semicondutores são mais proeminentes na discussão pública. A eletrônica, em um sentido mais amplo, é uma das cadeias de valor que vêm mudando mais rapidamente desde 1995, com 21 pontos percentuais de movimento de ações por década. Os produtos farmacêuticos e a mineração de minerais críticos são outros exemplos. E eles farão parte das mudanças que acontecerão na maneira pela qual os fluxos cruzam o globo.

Segunda categoria: têxteis e vestuário. Essa categoria não é tão sensível no sentido geopolítico como algumas das coisas que eu mencionei antes. É uma categoria na qual há de fato a criação de novos polos agora. É possível que os eletrônicos de consumo, outras formas de equipamentos elétricos que não são particularmente sensíveis, também se enquadrem nessa categoria.

A terceira categoria é a de serviços de TI e intermediação financeira ou serviços profissionais. Ela reconfigurará as maneiras pelas quais os serviços fluem.

Em quarto e último lugar, há as coisas que permanecerão estáveis – alimentos e bebidas, papel e impressão. Não há nenhum motivo particular para achar que existem mecanismos importantes que mudarão a maneira pela qual essas coisas fluem hoje pelo mundo. São coisas que permanecem relativamente estáveis nos últimos dez anos ou mais.

Os fluxos globais são necessários a uma transição para o carbono líquido zero

Lucia Rahilly: Temos uma visão sobre se o estado evolutivo dos fluxos globais está favorecendo ou atrapalhando a transição para o carbono líquido zero?

Olivia White: Eu diria que não há como avançarmos rapidamente em direção a uma transição para o carbono líquido zero sem os fluxos globais. É claro que há aspectos dos fluxos globais que são complicadas do ponto de vista do carbono líquido zero. Há um custo de carbono em enviar e movimentar as coisas a longa distância. Mas, para que o carbono líquido zero seja alcançável, precisamos garantir que as tecnologias e os combustíveis geradores de energia possam fluir pelo mundo.

As tecnologias geradoras de energia incluem tanto os minerais que estão na base da criação dessas tecnologias quanto a fabricação em si. Então, na primeira categoria, pense em níquel e lítio. Na segunda categoria, pense na fabricação dos painéis solares. Os próprios minerais são processados em apenas alguns países do mundo. Então, será necessário movimentá-los de um lugar para outro. Talvez o mundo pudesse ter uma diversificação mais ampla dessas coisas, mas, em média, o prazo que vai da descoberta de um mineral à capacidade de produzi-lo em escala é bem superior a 16 anos. Se quisermos avançar rapidamente, temos o luxo de movimentar as coisas pelo mundo. Será importante seguir as curvas de custos da fabricação em escala e em locais onde você tem pelo menos alguma presença estabelecida.

O último elemento crucial com relação ao carbono líquido zero são os fluxos de capital transfronteiriços. É muito importante que os países em desenvolvimento sejam capazes de financiar mudanças na maneira de produzirem e consumirem energia, o que significa que talvez tenham que, ao mesmo tempo, gastar mais, pelo menos em relação ao PIB, e ficar com menos capacidade de gastar, levando-se em conta os outros imperativos de desenvolvimento.

As multinacionais e a resiliência global

Lucia Rahilly: Qual é o papel das principais empresas multinacionais ao olharmos para frente, em direção à reformulação do futuro da nossa conectividade global?

Olivia White: A primeira coisa que precisa ser reconhecida é que as principais corporações multinacionais desempenham um papel descomunal nos fluxos globais de hoje. As multinacionais são responsáveis por cerca de 30% do comércio internacional. São responsáveis por 60% das exportações e por 82% das exportações de bens intensivos em conhecimento. Assim, elas têm uma importância desproporcional para os fluxos, sobretudo os associados ao conhecimento. E, portanto, elas serão o centro de gestão de sua própria resiliência, mas também, em um sentido coletivo, da resiliência do mundo.

O futuro dos fluxos globais

Lucia Rahilly: A mídia tende a focar no que alguns veem como o fim iminente da globalização. Aceitando o fato de que os laços globais continuam a nos unir e conectar no mundo todo, também é natural que as pessoas tenham reações bem fortes a essas disrupções globais intensas que vivemos nos últimos anos e que ainda estão em curso. Como você sintetizaria a nossa maneira de pensar no futuro da globalização em um nível alto?

Olivia White: O mundo em que vivemos hoje é altamente dependente dos fluxos. Será que esses fluxos vão se reconfigurar e mudar? Sim, com certeza. Isso aconteceu no passado e vai acontecer no futuro.

Lucia Rahilly: Há algo nas pesquisas que indique que o mundo está se movendo de fato em direção a uma desconexão, o que também faz parte da narrativa da mídia?

Olivia White: Se você olhar pelo aspecto regional, as regiões individuais não têm como ser independentes. Se você parar para pensar em que tipo de desconexão de regiões seria possível, logo verá que não é algo que se possa fazer.

Agora, é possível haver grupos de países que fiquem mais fortemente interconectados entre si e menos fortemente conectados com os outros? Sem dúvida. É possível seguir nessa direção. A questão passa a ser se existe uma desconexão real ou se é só uma mudança de grau? Como acontece com a maior parte das coisas no mundo, a resposta tende à mudança de grau, a não a uma mudança ou desconexão abrupta ou acentuada.

Lucia Rahilly: Uma maior regionalização aumenta a resiliência?

Olivia White: Até certo ponto, pode-se dizer: “Olha, se sou autossuficiente, sou mais resiliente”. Por outro lado, de repente você depende de si mesmo para tudo, e esse é um ponto de vulnerabilidade do mesmo modo que obter tudo de apenas uma outra fonte seria um problema.

Há uma série de motivos pelos quais algum grau de regionalização pode ajudar. As coisas estão mais próximas de você. Mas a dependência de apenas alguns conjuntos de pessoas, estejam ou não na sua região, significa que você tem dependência de apenas alguns possíveis pontos fracos em vez de uma rede ampla, que costuma ser uma estrutura mais resiliente e robusta.

Lucia Rahilly: Muito obrigada, Olivia. Foi uma discussão muito interessante.

Olivia White: Foi um prazer, Lucia. Obrigada.


Roberta Fusaro: Um exemplo de resiliência é a AB InBev. Para falar sobre como ela vem prosperando a despeito da disrupção mundial, está aqui seu CFO, Fernando Tennenbaum. Este trecho, “Como prosperar durante uma retração econômica: a perspectiva de um diretor financeiro”, da nossa série McKinsey Live, foi gravado em dezembro de 2022.

Lucia Rahilly: Fernando, estamos encarando uma constelação incomum de disrupções: inflação, taxas de juros altas elevando o custo do capital, turbulência geopolítica desarranjando inesperadamente as cadeias de suprimentos e encarecendo a energia – é realmente um momento de volatilidade. Diga-nos, como a AB InBev está se saindo no contexto atual?

Fernando Tennenbaum: Temos a sorte de estar em uma categoria resiliente. Apesar dessas reviravoltas em diferentes partes do mundo, as vendas de cerveja têm sido bastante robustas. Dito isto, a inflação acabou por ser muito maior do que o esperado.2 Precisamos garantir que as nossas operações estejam em sintonia com o mercado para fazermos frente a este momento único. Precisamos entender o estado do consumidor e ajustar as nossas operações de acordo com isso.

Em mercados emergentes, como a América Latina e a África, a inflação não é novidade. Existem diferentes níveis de inflação, mas ela faz parte dessas economias há muito tempo. Os consumidores estão mais acostumados com ela, as empresas estão mais acostumadas com ela – e provavelmente a discussão é mais objetiva.

Lucia Rahilly: Você passou grande parte da sua carreira na América Latina, onde, como disse, a inflação tem sido historicamente muito maior e mais volátil do que nos EUA ou na Europa Ocidental. Fale sobre algumas das lições que nós, dos EUA, por exemplo, poderíamos aprender.

Fernando Tennenbaum: Lembrem-se de olhar sempre para os seus clientes e de acompanhar sempre a inflação. Vocês devem evitar uma defasagem excessiva e uma precificação acima da inflação. Se exagerar para mais ou para menos, você passará a afetar a saúde do consumidor. Se acertar, isso provavelmente será bom para o negócio. Você tem que saber lidar com o cenário de custos crescentes e, ao mesmo tempo, garantir que o consumidor esteja em boa posição, que seu produto esteja em boa posição e que a categoria seja saudável. É uma questão de equilíbrio.

Vocês devem evitar uma defasagem excessiva e uma precificação acima da inflação. Se exagerar para mais ou para menos, você passará a afetar a saúde do consumidor

Fernando Tennenbaum

Lucia Rahilly: A AB InBev tem um portfólio de marcas diversificado. Os volumes são bons. Neste período, os clientes têm mudado para marcas superiores ou para inferiores, entre as suas marcas premium e as de mercado de massa?

Fernando Tennenbaum: A premiumização continua sendo uma tendência, e os consumidores continuam mudando para marcas premium. Ao longo deste ano, as pessoas muitas vezes perguntaram se os consumidores estavam mudando para marcas inferiores – e não vemos nenhum indício disso. Isso vale para os EUA, vale para a África e vale para a América Latina – o que é bastante singular.

Não sei se o futuro será diferente; o mundo está mudando com muita rapidez. Mas, se você me perguntar sobre daqui a dez anos, minha expectativa é de que o segmento premium será ainda maior do que é hoje.

Lucia Rahilly: Vamos falar sobre a incerteza. A economia pode evoluir de diversas maneiras. Como você gerencia isso?

Fernando Tennenbaum: Vejamos a nossa carteira de dívidas. Agora é o momento em que as taxas de juros estão em alta. A inflação e a tomada de empréstimos estão em alta. Em termos gerais, isso tende a ser uma má notícia – mas, para nós, é exatamente o oposto porque não temos nenhuma dívida a vencer nos próximos três anos. Nós nos preparamos para isso quando vimos o mundo tomar um rumo bem diferente no início de 2020.

Acabamos contraindo alguma dívida de longo prazo e pagando toda a nossa dívida de curto prazo. Agora estamos com uma carteira de dívidas que tem um prazo médio de 16 anos e nenhum montante significativo de dívida com vencimento nos próximos três anos – tudo a taxa fixa. Como não precisamos refinanciar, estamos, na verdade, comprando a nossa dívida de volta. O aumento das taxas de juros pode ser bom quando você pode comprar de volta a dívida por menos do que custou para emitir.

Lucia Rahilly: Você assumiu como diretor financeiro da AB InBev em 2020, quando a incerteza causada pela pandemia estava no auge. Conte-nos como você lidou com aquele período.

Fernando Tennenbaum: A primeira coisa que fizemos em 2020 foi reforçar a nossa posição de caixa. Não que precisássemos, mas achei que daria paz de espírito às operações. Para nos preparamos, passamos a tomar muito dinheiro emprestado. E passamos a cuidar do nosso pessoal. Precisávamos garantir que o nosso pessoal estivesse seguro — essa era a prioridade número um.

Uma vez garantido que os nossos funcionários estavam seguros, que as nossas operações estavam seguras, olhamos para as oportunidades e começamos a avançar rapidamente. Lembro que olhamos para o mês de maio, por exemplo, e começamos a ver que muitos mercados estavam indo bem em termos de volume. Tínhamos muito dinheiro. Começamos a recomprar algumas dívidas, em especial as de curto prazo, para criar ainda mais opcionalidade para o futuro.

Também aceleramos a nossa transformação digital. O momento era particularmente adequado para isso. O digital era uma maneira muito melhor de chegar aos clientes em um momento no qual todo mundo estava com medo de se encontrar pessoalmente. Em retrospecto, a empresa acabou em uma posição muito melhor hoje do que há três anos – em termos do nosso portfólio, da nossa transformação digital e até financeiramente – porque agimos bem rápido e criamos muita opcionalidade nos primeiros meses da pandemia.

Lucia Rahilly: Algum erro a evitar?

Fernando Tennenbaum: Olhando para trás, eu não teria feito nada de muito diferente. Se eu soubesse o resultado, poderia ter feito algumas coisas de maneira diferente. No entanto, sem saber o resultado, achei que a nossa gestão e a opcionalidade que criamos nos deixaram bem-preparados.

Lucia Rahilly: A produção de cerveja é um negócio bastante dependente da agricultura, e a agricultura sofreu disrupções significativas, tanto por causa da guerra na Ucrânia quanto por causa do risco relacionado ao clima. Como diretor financeiro, o que você acha da sustentabilidade em termos de criação de valor no longo prazo?

Fernando Tennenbaum: A sustentabilidade perpassa todo o nosso negócio. Temos muitos fornecedores locais – 20 mil agricultores locais. Nossos processos de produção de cerveja são naturais. Quanto mais eficientes formos nisso, mais sustentáveis seremos, e até mais lucrativos. Temos operações locais e vendemos para a comunidade local. E a maioria dos nossos clientes é formada por pequenos empresários. Quanto mais nós os ajudamos, melhor eles conseguem tocar seus negócios. E dizemos que a cerveja é inclusiva porque temos dois bilhões de consumidores.

Lucia Rahilly: As embalagens também fazem parte da abordagem de sustentabilidade?

Fernando Tennenbaum: Sem dúvida. Por exemplo, temos garrafas de vidro retornáveis. Isso é muito eficiente, muito sustentável e, do ponto de vista econômico, essa é provavelmente a embalagem mais lucrativa que temos. É também a mais econômica para os consumidores. Portanto, é algo bom para nós, bom para o meio ambiente e bom para os consumidores.

Lucia Rahilly: Você disse que a cerveja é inclusiva em parte porque muita gente a bebe. De que outra forma vocês abordam a inclusão na AB InBev?

Fernando Tennenbaum: Nossos dois bilhões de consumidores são muito diferentes entre si. Precisamos garantir que, como empresa, nós sejamos um reflexo dos nossos consumidores. Sempre que olhamos para os nossos colegas, precisamos ter certeza de que eles refletem as sociedades onde atuamos – e atuamos em sociedades bem diferentes.

Uma equipe diversificada e inclusiva será uma equipe melhor. Isso também se aplica aos nossos fornecedores. Por exemplo, se você pensar nos fornecedores da África, alguns são muito pobres. Eles conseguem ter acesso à tecnologia, o que significa que podemos monitorar se estão recebendo o dinheiro que pagamos a eles. Podemos monitorar onde as commodities agrícolas estão sendo adquiridas. Portanto, o empoderamento financeiro que proporcionamos a eles também é uma parte muito importante da nossa estratégia de sustentabilidade.

Lucia Rahilly: Olhando para o futuro, como vocês estão pensando na inovação e no investimento em tecnologia com vistas a viabilizar o crescimento?

Fernando Tennenbaum: A inovação é um componente fundamental da cerveja, e há dois lados nisso. Um deles é a inovação em produtos. O outro é a embalagem. No México, por exemplo, temos diferentes tamanhos de embalagem para diferentes ocasiões de consumo e necessidades do consumidor.

Além disso, há também a inovação tecnológica. Vejamos a nossa plataforma B2B, que começamos a testar em 2019. Agora, três ou quatro anos depois, temos cerca de $ 30 bilhões em GMV [valor bruto de mercadorias] na nossa plataforma de comércio eletrônico, que pode ser acessada em mais de 19 países. Esse é o portfólio ideal para melhorar o envolvimento do cliente em seu ponto de venda. Antes de lançarmos a nossa plataforma B2B, costumávamos passar sete minutos por semana interagindo com os nossos clientes. Hoje, com a nossa plataforma B2B, interagimos com eles 30 minutos por semana. Aumentamos o número de pontos de venda. Por exemplo, no Brasil, tínhamos 700 mil clientes e agora temos mais de um milhão de clientes. Anteriormente, eles compravam os nossos produtos de um distribuidor. Agora podemos chegar a eles diretamente com o sistema B2B em funcionamento.

Devido a essa conexão com os nossos clientes, podemos fazer muitas outras coisas, como nosso marketplace online, no qual produtos de terceiros geraram um GMV anualizado de $ 850 milhões, tendo partido do zero quatro anos atrás. Esse mercado continua crescendo e gerando muito valor para os nossos clientes e para nós mesmos.

Lucia Rahilly: Só mais uma pergunta: se você pudesse dar um conselho ao novo diretor financeiro de uma grande corporação multinacional, qual seria neste mercado?

Fernando Tennenbaum: Lembre-se de planejar pensando em diferentes cenários. O mundo vem mudando muito rapidamente, e você não pode esperar que ele avance de uma certa maneira. Mas, se você tem opções, é ágil na tomada de decisões e conta com uma equipe bem engajada, então, independentemente das reviravoltas, você pode se mostrar à altura dos acontecimentos. E você é definitivamente capaz de cumprir os seus objetivos.

Lucia Rahilly: Eu menti. Vou fazer mais uma pergunta. Como você vê a relação entre sustentabilidade, inclusão e crescimento para esses novos diretores financeiros? Você vê uma tensão entre esses aspectos?

Fernando Tennenbaum: Existe um mito de que ou você é sustentável ou é lucrativo. Pelo menos na AB InBev, temos certeza de que essas coisas andam de mãos dadas. Quanto mais sustentável você for, mais lucrativo será e mais valor gerará para os seus diferentes stakeholders.

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