Com a aproximação, a passos largos, da próxima fase das metas do Acordo de Paris, governos e organizações de toda parte estão buscando aumentar a adoção de fontes de energia renováveis. Algumas das regiões que mais usam energia têm incentivos adicionais para buscar alternativas à energia tradicional. Na Europa, o incentivo vem de uma crise energética. Nos Estados Unidos, ele vem da Lei de Redução da Inflação, uma lei de 2022 que aloca $ 370 bilhões a investimentos em energia limpa.
Esses desdobramentos estão impulsionando o mercado de sistemas de armazenamento de energia a bateria (BESS, na sigla em inglês). O armazenamento a bateria é fundamental para viabilizar a geração de energias renováveis ao ajudar essas energias alternativas a dar uma contribuição constante às necessidades energéticas do mundo, apesar da natureza basicamente intermitente das fontes dessas energias. A flexibilidade que os BESS oferecem fará deles parte essencial de aplicações como abastecimento de energia nos horários de pico, otimização do autoconsumo e energia alternativa em caso de apagões. Essas aplicações estão começando a ficar mais lucrativas com a queda dos preços das baterias.
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Tudo isso criou uma grande oportunidade. Mais de $ 5 bilhões foram investidos em BESS em 2022, de acordo com nossa análise – quase o triplo do ano anterior. Prevemos que o mercado global de BESS atinja algo entre $ 120 bilhões e $ 150 bilhões até 2030, mais do que o dobro de seu porte atual. Porém, ainda se trata de um mercado fragmentado, e muitos provedores estão se perguntando onde e como concorrer. Agora é a hora de descobrir onde estarão as melhores oportunidades no vertiginoso mercado de BESS e de começar a se preparar para elas.
Eis aqui algumas perguntas – e respostas – que ajudarão os players de BESS a formular suas estratégias.
Quais são as principais oportunidades?
A melhor maneira de ter uma noção das oportunidades relacionadas a BESS é segmentar o mercado pelas aplicações e pelo porte dos usuários. Existem três segmentos em BESS: instalações em frente do medidor (FTM, na sigla em inglês) em escala de serviço público, normalmente superiores a dez megawatts-hora (MWh); instalações comerciais e industriais atrás do medidor (BTM, na sigla em inglês), usualmente entre 30 quilowatts-hora (kWh) e dez MWh; e instalações residenciais BTM, geralmente inferiores a 30 kWh (Quadro 1).
Nossa previsão é de que os BESS em escala de serviço público, que já respondem pela maior parte da nova capacidade anual, crescerão cerca de 29% ao ano pelo resto desta década – o mais rápido dos três segmentos. Os 450 a 620 gigawatts-hora (GWh) de instalações anuais em escala de serviço público previstos para 2030 proporcionariam aos BESS em escala de serviço público uma participação de até 90% do mercado total naquele ano (Quadro 2).
Os clientes de instalações FTM são principalmente concessionárias de serviços públicos, operadoras de rede e desenvolvedores de energias renováveis que querem equilibrar a intermitência dessas energias, prestar serviços de estabilidade de rede ou adiar investimentos dispendiosos em sua rede. Em geral, os provedores de BESS desse segmento são fabricantes de baterias verticalmente integrados ou integradores de grandes sistemas. Eles se destacarão com base no custo, escala, confiabilidade, histórico de gestão de projetos e capacidade de desenvolver sistemas de gestão de energia e soluções de software para comercialização e otimização de redes.
As implantações de BESS já estão acontecendo em enorme escala. Uma empresa de energia dos EUA está trabalhando em um projeto de BESS que pode, no final, atingir uma capacidade de seis GWh. Outra empresa norte-americana que tem interesses comerciais dentro e fora do setor de energia já superou isso, tendo atingido 6,5 GWh em implantações de BESS em 2022. Grande parte do dinheiro que vem sendo investido em BESS está indo agora para serviços que aumentam a flexibilidade dos provedores de energia – por exemplo, por meio de resposta rápida a alterações de frequência. No longo prazo, o crescimento do setor de BESS provirá mais da construção de parques solares e eólicos, que precisarão de baterias para suas necessidades de armazenamento de curta duração.
Os modelos de receita para os BESS FTM em escala de serviço público dependem muito da dinâmica das regiões nas quais os provedores estão entrando. A maioria dos players de BESS em escala de serviço público segue uma estratégia de acúmulo de receitas, ou seja, a agregação de receitas provenientes de diversas fontes. Eles podem participar de serviços auxiliares, arbitragem e leilões de capacidade. Por exemplo, muitas instalações de BESS do Reino Unido giram atualmente em torno de serviços auxiliares, como controle de frequência. A Itália tem players de BESS que fizeram avanços ao vencerem um dos leilões de capacidade com foco em energias renováveis realizados no país. As oportunidades na Alemanha estão mais relacionadas a evitar melhorias dispendiosas na rede. Os players de BESS que vêm progredindo no segmento de FTM em escala de serviço público entenderam que é melhor responderem individualmente aos países e seus regulamentos em vez de usarem uma estratégia monolítica.
Onde se encontra o valor no segmento comercial e industrial?
O segmento comercial e industrial (C&I) é o segundo maior, e a taxa de crescimento anual composta (CAGR, na sigla em inglês) de 13% que prevemos para ele deve permitir que o C&I atinja entre 52 e 70 GWh de adições anuais até 2030.
O C&I tem quatro subsegmentos. O primeiro é o de infraestrutura de carga de veículos elétricos (EVCI, na sigla em inglês). Os veículos elétricos passarão de cerca de 23% das vendas globais de veículos em 2025 para 45% em 2030, segundo o Centro McKinsey de Mobilidade Futura. Esse crescimento exigirá uma rápida expansão das estações de carga comuns e dos supercarregadores, o que pressionará a infraestrutura de rede atual e gerará a necessidade de melhorias caras e demoradas. Para evitar isso, os proprietários e empresas de estações de carga podem optar por instalar BESS em seus estabelecimentos. Já foram formadas parcerias entre players de BESS e fabricantes de veículos elétricos para construir mais EVCI, inclusive em locais distantes.
O próximo subsegmento de C&I é o de infraestrutura essencial, como torres de telecomunicações, data centers e hospitais. Nesse subsegmento, as baterias de chumbo-ácido costumam atuar como alternativa temporária por meio de uma fonte de alimentação ininterrupta durante os apagões, até que a energia volte ou os geradores a diesel sejam ligados. Além de substituírem as baterias de chumbo-ácido, produtos BESS de íons de lítio também podem ser usados para reduzir a dependência de geradores a diesel, menos ecológicos, e podem ser integrados a fontes renováveis, como placas de energia solar nos telhados. Em certos casos, a energia excedente armazenada em uma bateria pode permitir que as organizações gerem receitas por meio de serviços de rede. Vários players de telecomunicações e proprietários de data centers já estão mudando para BESS como solução de fonte de alimentação ininterrupta e pelas vantagens adicionais que os BESS oferecem.
O terceiro subsegmento é o de infraestrutura pública, edifícios comerciais e fábricas. Esse subsegmento usará principalmente sistemas de armazenamento de energia para ajudar na redução de picos, integração com energias renováveis no local, otimização do autoconsumo, aplicações de alternativas energéticas e prestação de serviços de rede. Acreditamos que os BESS têm o potencial de reduzir em até 80% os custos da energia nessas áreas. A justificativa para o uso de BESS é especialmente forte em lugares como Alemanha, América do Norte e Reino Unido, onde costumam ser cobrados encargos de demanda.
O último subsegmento de C&I consiste em ambientes adversos – aplicações em mineração, construção, exploração de petróleo e gás e eventos como festivais ao ar livre. A fonte do crescimento serão clientes que estão deixando de usar geradores a diesel ou a gás em favor de soluções de baixa emissão, como BESS e geradores híbridos. Um dos fatores principais a impulsionar a adoção neste segmento são os regulamentos futuros (inclusive a iniciativa Big Buyers da Comissão Europeia, focada na sustentabilidade, e o plano de Oslo, voltado a emissões líquidas zero nos canteiros de obras até 2025). Muitas das empresas que fizerem a mudança começarão pela conversão para soluções de geradores híbridos, em vez de migrarem imediatamente para BESS.
E a questão do consumidor residencial de BESS?
As instalações residenciais – que devem atingir cerca de 20 GWh em 2030 – representam o menor segmento de BESS. No entanto, o residencial é um segmento atraente, dada a oportunidade de inovação e diferenciação em áreas que vão desde o armazenamento doméstico tradicional até a criação de microrredes em comunidades distantes. Do ponto de vista de vendas, os BESS podem ser fornecidos em conjunto com placas fotovoltaicas ou integrados a casas inteligentes ou sistemas domésticos de carga de veículos elétricos. Produtos sob medida ajudarão os clientes residenciais a atingir metas como autossuficiência, autoconsumo otimizado e picos mais baixos de consumo de energia – e podem representar margens mais altas neste setor. Nossa recente pesquisa com consumidores sobre compras de energia alternativa indica que o interesse em um produto BESS se resume a alguns poucos fatores, a começar pelo preço, a segurança e a facilidade de instalação (Quadro 3).
Como podemos pensar no nosso posicionamento estratégico?
Em um mercado novo como este, é importante ter uma noção das possíveis receitas e margens associadas aos diferentes produtos e serviços. A cadeia de valor dos BESS começa com os fabricantes de componentes de armazenamento, como células e conjuntos de baterias, e de inversores, gabinetes e outros componentes complementares essenciais do sistema. De acordo com nossa estimativa, os provedores dessa parte da cadeia receberão cerca de metade do pool de lucros do mercado de BESS.
E ainda há as atividades de integração de sistemas, inclusive o projeto geral e o desenvolvimento de sistemas de gestão de energia e outros softwares para tornar os BESS mais flexíveis e úteis. Prevemos que esses integradores ficarão com outros 25% a 30% do pool de lucros disponível.
Por fim, entre 10% e 20% do pool de lucros está associado a entidades de vendas, organizações de desenvolvimento de projetos, outras atividades de aquisição de clientes e comissionamento (Quadro 4).
O que precisamos saber sobre o que está acontecendo na área de tecnologia de baterias?
Do ponto de vista tecnológico, as principais métricas de bateria com as quais os clientes se importam são a vida útil em número de ciclos e a acessibilidade econômica. As baterias de íons de lítio são dominantes atualmente porque atendem às necessidades dos clientes. O cátodo de níquel, manganês e cobalto costumava ser a principal química de bateria, mas o fosfato de ferro e lítio (LFP, na sigla em inglês) ultrapassou-o como uma opção mais barata. (Os consumidores de fosfato de ferro e lítio parecem dispostos a aceitar o fato de que o LFP não é tão bom quanto uma bateria de níquel em certos aspectos, como a densidade de energia.) No entanto, o lítio é escasso, o que abriu as portas para uma série de outras tecnologias de bateria interessantes e promissoras, sobretudo opções baseadas em células, como íons de sódio (Na-ion), sódio-enxofre (Na-S), metal-ar e baterias de fluxo.
Íons de sódio é uma tecnologia a ser acompanhada. De fato, as baterias de íons de sódio ainda estão atrás das de íons de lítio em alguns aspectos importantes. As baterias de íons de sódio têm uma menor vida útil em número de ciclos (2 mil a 4 mil ante 4 mil a 8 mil no caso do lítio) e densidade de energia mais baixa (120 a 160 watts-hora por quilograma ante 170 a 190 watts-hora por quilograma no caso do LFP). No entanto, as baterias de íons de sódio têm o potencial de ser menos dispendiosas – até 20% mais baratas do que LFP, segundo nossa análise –, e a tecnologia continua melhorando, sobretudo com o aumento da escala de fabricação. Outra vantagem é a segurança: as baterias de sódio são menos propensas a instabilidades térmicas. Há também uma justificativa de sustentabilidade para as baterias de íons de sódio porque o impacto ambiental da mineração de lítio é alto.
Tudo isso torna provável que as baterias de íons de sódio capturem uma parcela crescente do mercado de BESS. Aliás, pelo menos seis fabricantes devem iniciar a produção de baterias de íons de sódio em 2023. Está claro que os provedores terão de decidir em qual tecnologia apostar. Os integradores talvez queiram configurar seus sistemas de modo que sua transição para as baterias de íons de sódio seja simples com o aumento da disponibilidade das baterias.
Existe uma receita para o sucesso no mercado de BESS? Se sim, qual?
Essa é uma questão crucial, dados os muitos segmentos de clientes disponíveis, os diferentes modelos de negócios existentes e as mudanças tecnológicas iminentes. Aqui vão quatro medidas que podem contribuir para o sucesso no mercado:
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Identificar uma necessidade mal atendida na cadeia de valor. Em um setor incipiente como esse, vale a pena as empresas pensarem em outros produtos e serviços nos quais podem entrar por meio de ações orgânicas ou inorgânicas. Por exemplo, há algo que impeça um integrador de sistemas de montar conjuntos de baterias internamente? Ou de desenvolver uma nova química de célula em conjunto com um fabricante de baterias? Aliás, há algo que impeça um fabricante de baterias de acrescentar recursos de integração de sistemas ou serviços para atrair um segmento específico de BESS, como o de serviços públicos?
O software é uma área particularmente crucial a explorar. O valor dos sistemas de armazenamento provavelmente evoluirá do simples hardware para o software que controla e aprimora o sistema, gerando a oportunidade de capturar segmentos de clientes maiores e margens mais altas. Os players de BESS precisam desenvolver essas capacidades cedo.
- Desenvolver resiliência nas cadeias de suprimentos. Muitos componentes essenciais de BESS (de células de bateria a semicondutores em inversores e sistemas de controle) dependem de cadeias de suprimentos complexas, que são suscetíveis a choques de oferta de muitíssimas origens, inclusive escassez de matérias-primas e mudanças na regulamentação. Parcerias estratégicas e sourcing múltiplo e local são ferramentas a serem consideradas ao definir uma estratégia de cadeias de suprimentos, sem esquecer de se preparar para possíveis mudanças tecnológicas. Além dos componentes de BESS, outro gargalo para quem está no mercado são os recursos e a capacidade de engenharia, procurement e construção (EPC), particularmente para aplicações em frente do medidor. Parcerias estratégicas com grandes players de EPC prontos para instalações de BESS de larga escala são cruciais para garantir a execução bem-sucedida dos projetos de BESS.
- Concentrar-se nas características do produto que mais importam. As especificações do produto devem refletir aquilo com que os clientes se importam. Ter uma estratégia de segmentos de clientes que sirva de base para o roteiro aumentará as chances de que cada característica seja importante para os clientes. Essa abordagem é especialmente importante considerando-se que a concorrência de preços provavelmente continuará sendo uma realidade permanente no mercado de BESS. O roteiro de produto certo também aumentará as chances de se ter uma proposta exclusiva de venda em qualquer segmento no qual a empresa atue. Por exemplo, tomar a decisão certa sobre a arquitetura do sistema e integrar-se à infraestrutura existente do cliente (digamos, unindo a corrente contínua à tecnologia fotovoltaica) pode reduzir as barreiras à entrada para muitos clientes.
- Pensar grande e agir com rapidez. Com os BESS no centro das atenções e as receitas começando a aumentar rapidamente, agora não é hora de buscar segurança. Embora seja verdade que o mercado é altamente fragmentado, também é verdade que alguns players maiores estão começando a acumular participação de mercado. Isso aumenta as implicações para todas as empresas, sobretudo para as pequenas que podem ter começado há uma década como projetos de pesquisa e agora se veem donas de valiosa propriedade intelectual. Essas empresas provavelmente precisarão assumir alguns riscos para ter alguma chance de ganhar participação e evitar que sejam eliminadas por empresas maiores.
O mercado de BESS está em um estágio de desenvolvimento exponencial; os players que não agirem agora perderão a oportunidade. Os vencedores no mercado serão as empresas que contarem com os quatro itens necessários para o sucesso. Esses vencedores gerarão valor em um novo mercado com a aceleração da transição energética.