Há muito em jogo quando se trata de encarar os problemas de saúde mental sem precedentes que os adolescentes de hoje enfrentam. Neste episódio do McKinsey Podcast, a diretora editorial global Lucia Rahilly conversa com Erica Coe, sócia da McKinsey e uma das líderes do McKinsey Health Institute, e com Harold Koplewicz, presidente-fundador e diretor médico do Child Mind Institute, sobre o que essa batalha significa para a sociedade como um todo.
Depois, em um trecho de entrevista de nossa série Author Talks, Maggie Smith, autora de You Could Make This Place Beautiful (Atria/One Signal Publishers, abril de 2023), comenta sobre como o sofrimento pode ser transformador.
Esta transcrição foi editada para maior clareza e brevidade.
O McKinsey Podcast é apresentado conjuntamente por Roberta Fusaro e Lucia Rahilly.
Um imperativo de saúde mental
Lucia Rahilly: Ouvimos falar muito sobre a crise de saúde mental entre os adolescentes. Harold, você poderia nos dar uma ideia do que está observando na sua atuação como líder do Child Mind Institute?
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Harold Koplewicz: A crise de saúde mental dos jovens é muito real e é também uma crise global. Em todo o mundo, pelo menos 200 milhões de crianças e adolescentes sofrem de um transtorno de saúde mental. E, nos EUA, cerca de 17,1 milhões de jovens têm um transtorno de saúde mental até os 18 anos.
As meninas, em particular, estão realmente em crise. De acordo com o relatório do CDC [Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA] publicado este ano, quase 60% das adolescentes dos EUA disseram sentir-se persistentemente tristes ou sem esperança. E uma em cada três cogitou seriamente tentar o suicídio em 2021. Trata-se de um aumento de quase 60% em relação à década anterior.
Lucia Rahilly: Quanto dessa deterioração da saúde mental você atribui à pandemia?
Harold Koplewicz: O fato mais assustador é que o número de suicídios de adolescentes deu um salto entre 2007 e 2018.
E isso foi antes da pandemia. Acho que a única coisa que podemos ver que mudou na sociedade naquele período foram as redes sociais. Devemos levar a sério o alerta do Cirurgião Geral dos EUA, Vivek Murthy, de que as redes sociais podem ser bem perigosas para certos adolescentes, sobretudo para os que têm um transtorno de saúde mental.
O atoleiro das redes sociais
Lucia Rahilly: Erica, você e alguns colegas do McKinsey Health Institute escreveram recentemente um artigo sobre o impacto das redes sociais na geração Z, em particular. Muitos pais se preocupam com o uso de redes sociais por seus filhos, citando o FOMO [sigla em inglês de “fear of missing out”, ou “medo de ficar de fora”], a imagem corporal e outros problemas. O que você aprendeu ao fazer essa pesquisa?
Erica Coe: Foi revelador. Foi uma pesquisa global feita em 26 países com mais de 40 mil entrevistados. Conseguimos não apenas observar de perto as percepções e os comportamentos da geração Z, mas também compará-la com outras gerações. A geração Z relatou uma autopercepção da saúde mental que muito pior do que a de qualquer outra geração.
Com relação às redes sociais e à tecnologia, sabemos que elas não vão desaparecer. Portanto, um aspecto importante da pesquisa é: como as pessoas estão usando as redes sociais e a tecnologia? O que está levando aos impactos positivos e aos impactos negativos? Enquanto um terço dos entrevistados relatou um impacto positivo em sua imagem corporal, quase o mesmo número relatou um impacto negativo.
Curiosamente, as pessoas da geração Z se mostraram muito mais propensas a vivenciar efeitos negativos da interação nas redes sociais e a interagir de maneiras muito passivas, e não ativas, em comparação com as gerações mais velhas.
Lucia Rahilly: Erica, fale um pouco mais sobre a postura passiva e a ativa e o significado delas.
Erica Coe: Houve uma série de estudos que mostraram que as interações passivas, como percorrer postagens no Instagram ou ver todas as experiências que outras pessoas estão tendo, podem estar associadas a diminuições do bem-estar subjetivo ao longo do tempo.
Se você usa as redes sociais de maneira ativa, isso talvez não se limite ao envio de mensagens diretas às pessoas; pode incluir também o uso das redes para fazer contatos profissionais e para desenvolver círculos sociais.
Compare isso com as interações passivas, nas quais você vê quantas curtidas algo pode receber. Mesmo dar uma curtida pode ser considerado passivo porque você não está interagindo de fato com os outros de uma maneira diferente.
A prisão das telas
Lucia Rahilly: Harold, o que a sua pesquisa diz sobre a quantidade de tempo que os adolescentes passam com as telas?
Harold Koplewicz: Analisamos o uso problemático da internet ao longo da pandemia, definido como hábitos de uso da internet que prejudicam a qualidade de vida. Nossa pesquisa indicou que o uso das telas aumentou e continuou alto nos primeiros anos da pandemia. Entre a avaliação inicial de 2019 e nossa pesquisa de maio de 2020, a maioria dos jovens passou de menos de uma hora por dia jogando games para uma a três horas ou mais. E, antes da pandemia, menos de 20% dos jovens usavam streaming de vídeo quatro horas por dia ou mais, mas, em maio de 2020 – lembre-se, já estávamos em confinamento nessa altura –, constatamos que esse número dobrou, ou seja, 40% estavam passando quatro horas por dia ou mais assistindo a vídeos online.
Lucia Rahilly: Esse salto é bem significativo. Algo mais a dizer a respeito da pesquisa sobre o uso de tecnologia entre os adolescentes?
Harold Koplewicz: Bem, houve um claro aumento do uso de redes sociais tanto por jovens como por adultos durante a pandemia. E, depois da pandemia, se os pais estavam usando a internet em demasia, seus filhos provavelmente também a estavam usando em demasia. Mais para frente, em fevereiro de 2021, descobrimos que essas mudanças se mantiveram.
Sabemos que o maior número de horas que os pais passam na internet tem um efeito nítido nos filhos. Até 50% dos adultos estavam vendo mídias digitais quatro ou mais horas por dia, e idem para 40% de seus filhos. Essa é uma quantidade de tempo preocupante porque quanto mais horas você passa na internet ou nas redes sociais, menos horas você dorme. Há mais privação de sono, menos atividade física e menos interações presenciais. E não há dúvida de que precisamos dessas três coisas para um desenvolvimento saudável do cérebro.
Depois dos 24 anos, você não é mais considerado adolescente, mas a adolescência e a infância são períodos cruciais para o desenvolvimento cerebral. Por isso, o uso problemático da internet pode ter um efeito muito grave no presente e no futuro.
Lucia Rahilly: Erica, você queria acrescentar alguma coisa a esse respeito?
Erica Coe: Quando fizemos nossa pesquisa global em 26 países, quase três quartos dos entrevistados da geração Z achavam que passavam tempo demais online. Em muitos casos, eles reconhecem que provavelmente não é o melhor a fazer, mas têm dificuldade em evitar.
Harold Koplewicz: Existe aí um caráter viciante que tem um efeito diferente no cérebro de um adulto em relação ao cérebro de um adolescente. É de conhecimento geral que os algoritmos são desenvolvidos de modo a manter as pessoas nas plataformas o maior tempo possível. Portanto, às vezes é algo diretamente prejudicial. Mas o conteúdo dessas plataformas se baseia em dados muito específicos dos usuários – por exemplo, uma pessoa que está preocupada com o peso ou outra que está pensando em se exercitar e fazer regime. Esse conteúdo pode ser muito problemático para uma adolescente ou um adolescente de uma maneira particularmente diferente. O cérebro do adolescente é muito mais vulnerável.
Já basta a dificuldade de uma pandemia
Lucia Rahilly: Pode dar exemplos de outros fatores significativos que estão contribuindo para a saúde mental problemática dos adolescentes de hoje?
Harold Koplewicz: A COVID-19 pegou uma situação ruim e a piorou exponencialmente. Imagine se preocupar com a possibilidade de seus avós morrerem ou de perder o pai ou a mãe. A recuperação desse trauma pode levar mais de uma década. Se 30% dos cerca de 17 milhões de jovens que têm um transtorno de saúde mental fazem tratamento, isso significa que há aproximadamente 70% que, por diversos motivos, não estão recebendo nenhuma intervenção.
Acho que esses são os jovens que foram mais afetados pela COVID-19, pela perda de dois anos de escola e de interações sociais e por preocupações com o futuro, com sua saúde e com a saúde dos pais. De algum modo, acreditamos que nosso sistema de ensino é tão bom, que os jovens vão simplesmente se recuperar da perda de dois anos de escola. Não entendo como um aluno da terceira série que está aprendendo leitura e só volta à escola na quinta série pode recuperar o atraso sem um reforço escolar de verdade. Isso é bem óbvio. No entanto, acho que fica menos óbvio, mas mais assustador, quando se pensa no que acontece com os jovens ansiosos que agora precisam voltar e retomar as interações sociais. Assim, acho que os índices de depressão, ansiedade e solidão continuarão a subir, a menos que comecemos a pensar em uma maneira totalmente diferente de abordar esse problema.
Acreditamos que nosso sistema de ensino é tão bom, que os jovens vão simplesmente se recuperar da perda de dois anos de escola. Não entendo como um aluno da terceira série que só volta à escola na quinta série pode recuperar o atraso sem um reforço escolar de verdade. Harold Koplewicz
Conscientização sobre a saúde mental
Erica Coe: Acrescento que a intervenção precoce e o foco na prevenção e na promoção são muito valiosos. É conveniente lembrar não só que é valioso abordar a necessidade imediata dos jovens agora mesmo, mas que isso pode mudar a trajetória da vida da pessoa.
Pode não apenas aliviar uma sobrecarga ou um transtorno mental. Há muita ocorrência simultânea de problemas crônicos de saúde física. É possível mudar tudo isso se você ensinar algumas dessas habilidades desde cedo e identificar problemas logo no início.
Basicamente, trata-se de dar às pessoas mais conhecimento em saúde mental sobre o que é normal, o que não é e como captar os sinais de que pode ser necessária uma intervenção. Dessa forma, pode-se evitar muita carga de doenças posteriormente na vida.
Harold Koplewicz: Também temos que ajudar os pais a ficar mais perspicazes. A maioria dos pais sabe que uma criança deve começar a andar no primeiro ano de vida, dizer as primeiras palavras no segundo e aprender a usar o vaso sanitário no terceiro. Mas não tenho certeza se ensinamos aos pais quando seus filhos devem interagir com os amigos, quando devem dormir a noite toda ou quais são os parâmetros de apetite e níveis de energia. Acho que esse tipo de informação e educação pode ser muito útil, quase como um mosquiteiro em relação à malária. Que modelos de prevenção devemos analisar?
Lucia Rahilly: Os pais falam muito de segurança e de encontrar o equilíbrio entre segurança e independência. Nossa geração tinha muito mais liberdade do que muitos jovens de hoje. Tínhamos muita mobilidade e saíamos por aí. Algum conselho para os pais sobre a liberdade de ação e a saúde mental dos adolescentes?
Harold Koplewicz: Não é nada difícil um pai ou mãe sentir preocupação ou culpa com relação a algo pelo qual seu filho está passando. Para dar alguma liberdade a eles, às vezes temos que lutar contra nossa necessidade de protegê-los. Precisamos reconhecer quando eles são capazes de ir a pé até a escola por conta própria ou quando podem andar de ônibus, com o entendimento de que deve haver grades de proteção.
Acho que a COVID-19 piorou isso para os pais, então temos que reaprender a dizer: “isso é coisa do passado”. Como nós, enquanto pais, guardamos nosso celular, passamos um tempo sem ele e conversamos no jantar por dez minutos, pelo menos? Como podemos levar nossos filhos novamente para fora de casa, para praticarem esportes com os amigos, com algum monitoramento? Eles precisam experimentar e vivenciar até mesmo angústias e fracassos para poderem ficar mais resilientes, saudáveis e independentes.
Ênfase nos modelos de conduta
Erica Coe: A influência dos pares pode ser forte desde o começo; então, como aproveitar isso? Em conversas recentes que tivemos com líderes juvenis, muitas vezes ouvimos claramente que um dos desejos dos jovens é poder ajudar os amigos, mas que nem sempre se sentem preparados. Como os capacitá-los e investir de fato em um modelo de apoio entre pares voltado aos jovens? Dar a eles essa capacidade pode liberar muito potencial.
Harold Koplewicz: O apoio entre pares mudou muito. Os jovens não estão tão discretos sobre se fazem terapia, se tomam medicamentos ou se estão passando por dificuldades. Eles expõem essas informações. Saber como seus pares superaram as dificuldades pode ser muito útil para os adolescentes.
No Child Mind Institute, investimos em campanhas de conscientização do público desde 2017. Mais recentemente, fizemos a campanha You Got This. E estou espantado com o poder de esportistas como o Kevin Love e o Brandon Marshall. Eles são a personificação da saúde física; então, quando falam de sua ansiedade ou depressão, os adolescentes reagem a isso e se inspiram para lidar com seus próprios problemas de saúde mental.
Lucia Rahilly: Harold, você mencionou o gênero como um importante fator de suscetibilidade a problemas de saúde mental. Como isso influi no tratamento? Existem abordagens que funcionam particularmente bem para mulheres jovens e meninas?
Harold Koplewicz: As meninas são muito mais abertas. Elas falam das coisas. Parecem ter menos vergonha e menos constrangimento com relação a seus problemas. Francamente, sempre tivemos mais facilidade em conseguir que atrizes e esportistas do sexo feminino participassem desses programas.
Então, em maio de 2017, foi a Emma Stone que falou de sua ansiedade. Foi um marco na vida das meninas ouvir uma pessoa incrível e criativa – que, na tela, parece totalmente despreocupada – dizer que teve dificuldades na vida e que a terapia funcionou e facilitou as coisas.
Acho que um dos motivos pelos quais estamos observando um maior índice de ansiedade e depressão em meninas após a puberdade é que há uma diferença hormonal. Vemos muito mais meninos malcomportados no período pré-púbere. Mas sabemos que as meninas demoram menos para pedir ajuda. Quando estão sofrendo, são mais propensas a contar a uma amiga e a buscar ajuda. Acho que os meninos tendem se sentir mais expostos se parecerem fracos. Esse é um dos motivos pelos quais os esportistas parecem ter muito mais poder como influenciadores na esfera da saúde mental do que imaginávamos anteriormente.
A percepção demográfica varia
Lucia Rahilly: Existem variações geográficas, culturais e de classe, mesmo dentro dos Estados Unidos, na maneira pela qual os tratamentos e as abordagens afetam esses jovens?
Harold Koplewicz: Veja, por exemplo, os ISRS – inibidores seletivos da recaptação de serotonina. Na década de 1980, foi lançado o Prozac. E descobriu-se que ele também era bom para o transtorno obsessivo-compulsivo e pode ter sido bom para outros transtornos de ansiedade. E ele começa a ser distribuído em uma quantidade surpreendente.
Os consideráveis índices de suicídios de adolescentes caem em todo o país. Contudo, os afro-americanos hesitam muito em fazer qualquer tipo de tratamento que pareça ser experimental ou de pesquisa. Porém, observando-se os códigos postais, ficou muito claro que havia menos suicídios e tentativas de suicídio em regiões nas quais os pediatras prescreviam esses medicamentos.
Mas aí houve uma reação adversa. Houve mortes causadas por eventos violentos, como tiroteios, que as pessoas atribuíram ao uso de ISRS, mas não conseguiram provar. Na verdade, em muitos casos, quando fizeram autópsia nesses jovens que tinham recebido prescrições de ISRS, descobriu-se que eles nunca tinham tomado o medicamento. Então, é difícil culpar o remédio. Mesmo assim, houve audiências no Congresso, e foi colocada uma advertência em todos os ISRS, indicando que poderiam causar suicidalidade. Nem sei o que isso quer dizer. Era uma palavra nova. Podia significar dar um tapa na própria cara.
Inevitavelmente, os pediatras pararam de prescrever ISRS. O índice de suicídios em termos gerais voltou a subir, mas, se você olhar os dados por código postal, poderá ver que eles continuaram iguais nos bairros afro-americanos.
Portanto, precisamos pensar em que tipo de educação, que tipo de campanha estamos fazendo para as comunidades afro-americana e hispano-americana, a fim de podermos aumentar a conscientização e diminuir o estigma.
Também há problemas na força de trabalho. É bem difícil conseguir um terapeuta homem que não seja branco. Há pouquíssimos. Acabamos de iniciar um programa-piloto chamado Youth Mental Health Academy. Na Califórnia, vamos encontrar 2,5 mil jovens brilhantes dos dois últimos anos do ensino médio que tenham interesse em saúde mental. Eles farão estágios remunerados e ganharão experiência prática em pesquisa e em atendimento clínico. A esperança é que possamos abri-los à possibilidade de se tornarem profissionais de saúde mental infantil no futuro.
Falar sobre o assunto
Lucia Rahilly: A saúde mental está muito mais presente no discurso público do que na minha juventude.
Harold Koplewicz: Quando eu era criança, as pessoas não revelavam que faziam reforço escolar em leitura, mas hoje elas estão muito mais abertas e dispostas a falar sobre o assunto. Então, estou otimista. Acho que a pandemia de COVID-19, embora horrível, teve dois aspectos positivos. Um é que todo mundo começou a se preocupar com a saúde mental dos filhos, mesmo que eles não tivessem um transtorno. Assim, isso passou a fazer parte das conversas no país. O segundo é que a telessaúde passou a ser muito mais difundida e utilizada devido ao isolamento que tivemos.
Lucia Rahilly: Erica, você trabalhou muito com a questão do estigma. Viu alguma mudança palpável no ambiente de trabalho?
Erica Coe: Uma coisa que estamos observando é a pressão sobre os empregadores. Cemuito longe se os serviçosrca de três quartos das pessoas da geração Z de todo o mundo disseram que a disponibilidade de recursos de saúde mental – acesso a terapia ou a programas de bem-estar mental – é um dos principais fatores ao escolher um empregador. Isso é diferente em relação a outras gerações.
Cerca de três quartos das pessoas da geração Z de todo o mundo disseram que a disponibilidade de recursos de saúde mental é um dos principais fatores ao escolher um empregador.
Harold Koplewicz: Basta pensar no fato de que os transtornos de saúde mental não têm paridade nos seguros com os distúrbios físicos. Um dos motivos é que os funcionários não exigem isso. Havia muito estigma. “Por que você quer cobertura para depressão?”. O fato de os novos funcionários estarem questionando de fato o que é a cobertura de saúde mental significa apenas que, com sorte, logo veremos mais paridade.
Acho o câncer infantil importante, e devemos apoiar os trabalhos relacionados a ele, mas não tem comparação com a crise de saúde mental em termos de escala.
O desenvolvimento do sistema de saúde mental
Lucia Rahilly: Ao pensarmos nessa força de trabalho da próxima geração, há alguma dificuldade específica que você vê conforme os adolescentes de hoje começam a se profissionalizar e a entrar no mercado de trabalho?
Harold Koplewicz: Nós temos um sistema de ensino, mas será que temos um sistema que vai tratar sintomas de saúde mental e transtornos de saúde mental com o mesmo respeito, o mesmo rigor científico e os mesmos recursos financeiros que levaram aos avanços que fizemos no câncer, no diabetes ou nos distúrbios convulsivos?
Não investir em um sistema como esse tem custos. Os jovens que têm um transtorno de saúde mental são mais propensos a ser reprovados, a sair da escola, a usar drogas ilícitas ou a passar pelo sistema de justiça juvenil. Também são mais propensos a ter queixas físicas no futuro e a utilizar mais serviços de saúde física do que aqueles que não têm esses transtornos.
Se há um número maior de jovens sintomáticos do que antes, acho que é necessária uma reavaliação de como vamos cuidar deles e tomar medidas preventivas. Mais importante ainda é que, quando surgem os sintomas, precisamos fazer uma intervenção precoce.
Erica Coe: Concordo totalmente. Essas coisas não vão muito longe se os serviços estão inacessíveis. Muito disso tem que girar em torno de desenvolver o sistema de saúde mental como parte do sistema de saúde como um todo. Eliminar a falta de paridade será a base de muitas melhorias. Há uma questão interessante relacionada às soluções digitais de saúde mental de modo geral. Está claro que elas se proliferaram, então às vezes é difícil descobrir o que é útil e o que não é.
Uma coisa que se destacou em nossa pesquisa foi uma contradição muito interessante. Cerca de 22% dos entrevistados da geração Z relataram usar ferramentas digitais de saúde mental. No entanto, 80% dos que as usaram relataram que elas são eficazes, mas, em muitos casos, não foram fiéis a elas. Portanto, existe uma questão real de como envolver os usuários da geração Z para que utilizem de fato o poder da inovação digital.
Harold Koplewicz: Temos uma subvenção voltada à análise da próxima geração de terapêuticas digitais. Parece ótimo, mas será que tudo isso funciona de fato? A psicoterapia ou psicofarmacologia baseadas em evidências são muito desafiadoras, particularmente para os jovens. Fingir que podemos simplesmente abrir um programa e dizer que “agora vamos fazer isso em uma tela” é algo que acho que menospreza o fato de que precisamos ter técnicas diferentes. Isso vai exigir estudo.
Posso lhe dizer empiricamente que o Child Mind Institute ainda faz cerca de 50% de nossas sessões online. Mas descobrimos que 30 minutos é o máximo que conseguimos manter um jovem em uma tela, em comparação com 45 minutos ou uma hora se for presencial. Então, isso significa que você tem que usar um ritmo diferente.
Talvez precise de algumas sessões a mais. Talvez precise envolver os pais como intermediários. Talvez tenha que usar coaches ou e-mails para mantê-los envolvidos de uma maneira diferente que talvez você não usasse se estivesse fazendo isso da maneira presencial à moda antiga. Mas acho que o fato de 20% deles estarem usando e 80% acharem útil significa que estamos no caminho certo. Só precisamos garantir que o caminho seja mais suave e mais eficaz.
Erica Coe: Outro ponto, voltando ao uso passivo ou ativo das redes sociais: sabemos que, entre todas as faixas etárias, os entrevistados da geração Z foram os menos propensos a relatar que postam de forma realmente ativa e, ao contrário, relatam mais horas de uso passivo das redes sociais. Mas imagine uma janela pop-up no seu telefone, que lhe apresente um lembrete de quanto do seu tempo foi de uso passivo e quanto foi de uso ativo. Da mesma forma que ensinamos o que são alimentos saudáveis e o que se deve fazer em termos de atividade física, precisamos fornecer mais informações para possibilitar a tomada de decisões inteligentes.
Harold Koplewicz: Essa é uma ideia excelente porque usa dados e propõe uma intervenção. No meu período de formação, os pacientes fumavam e os médicos fumavam. Hoje, as pessoas não fumam nas escolas, nos prédios, nem nos aviões. Nem sequer fumam no aeroporto. Portanto, é possível mudar esse comportamento. E lembre-se, é muito mais fácil ensinar novos hábitos a pessoas com cérebro jovem, de 24 anos de idade ou menos, do que às mais velhas.
Erica Coe: Sei que em Utah houve uma grande adoção do aplicativo SafeUT, por trás do qual está o Huntsman Mental Health Institute. É um meio de os jovens entrarem em contato e obterem as informações de que precisam caso tenham um amigo com quem estejam preocupados.
Harold Koplewicz: Há diferentes grupos, novas fundações familiares, fazendo investimentos enormes em saúde mental porque é algo real, comum e tratável. Todos os que estão ouvindo este podcast conhecem e amam um desses jovens. Se você tiver a sorte de não ser um filho seu, então é a sua sobrinha ou o seu sobrinho, é o filho do seu melhor amigo ou é o melhor amigo do seu filho. Por isso, quando esses números são atingidos, temos que parar para refletir e descobrir o que está acontecendo. Se continuarmos em negação, ela poderá cobrar uma quantidade extraordinária de custos futuros, sejam mortes, sejam tentativas de suicídio, seja uma deficiência de produtividade em uma grande parcela de nossa população.
Lucia Rahilly: Erica e Harold, muito obrigada por estarem conosco hoje.
Harold Koplewicz: O prazer é meu. Para mim, é uma alegria que você esteja dando destaque a este assunto.
Erica Coe: Sim. Muito obrigada.
Roberta Fusaro: A saúde mental é prioridade para muita gente, inclusive para Maggie Smith, autora de You Could Make This Place Beautiful.
Maggie Smith: Este livro foi escrito, na verdade, a partir da turbulência do meu divórcio, mas também de outras grandes mudanças na minha vida. Acho que uma das histórias cruéis que costumamos contar a nós mesmos é: “ok, o que é a minha vida agora? A vida como eu a conheço acabou. Como é que eu vim parar aqui?”. A resposta para isso precisa ser: “ok, foi assim que cheguei aqui, mas para onde estou indo agora?”. Acho que fazer as pazes com o passado nos ajuda a viver mais com as possibilidades do presente e as possibilidades do futuro.
Acho que fazer as pazes com o passado nos ajuda a viver mais com as possibilidades do presente e as possibilidades do futuro.
Há uma espécie de narrativa de que precisamos perdoar as pessoas que achamos que nos fizeram mal. Concordo com isso e, no entanto, acho que há uma diferença entre perdoar alguém de fato e apenas ser capaz de chegar a um estado de maior paz e aceitação do que aconteceu. Parte disso também consiste em assumir as suas responsabilidades. Com isso, quero dizer que todos os relacionamentos, todos os sistemas, seja um relacionamento de trabalho, seja uma família, seja um casamento, todos esses relacionamentos e sistemas são criados em conjunto.
Também temos que assumir nossa parte na criação desse ambiente. Temos que nos perdoar e aceitar que o que está feito está feito. É descobrir como podemos aprender com isso e depois seguir em frente com mais sabedoria para tomar algumas decisões diferentes hoje e no futuro.
Agora, o que eu tenho que fazer para me recompor, viver de acordo com o que é importante para mim, lembrar quem eu sou e manter contato com a minha comunidade? Acho que todas essas são coisas que temos que fazer. Na minha visão, a mudança é a única constante. Somos todos seres humanos e todos estamos lidando com isso de várias maneiras na vida
Acho que toda literatura é uma espécie de autoajuda e é instrutiva de alguma forma. Pelo menos no meu caso, os livros me fazem sentir menos sozinha, mesmo que a experiência do escritor não seja a minha experiência. Quando leio, me sinto livre para entrar na vida dele e vejo como ele segurou a barra, como sofreu, como foi sua experiência. Ao fazer isso, sinto que estou sendo vista.
Então, com relação a este livro, se estou pensando em processar eventos difíceis, ruminação e memória, tudo isso acontece de maneira não linear. Costuma acontecer em pedaços. A memória é associativa, não linear. Quando vemos algo, isso nos lembra de outra coisa, que então ressoa e nos lembra de outra coisa, e assim por diante. Em geral, está mais para uma colagem do que para algo cronológico. Portanto, a estrutura do livro teve a intenção não apenas de contar a história, mas de dar ao leitor uma noção de como a maioria das pessoas sentiu a experiência.
Alerta de spoiler: não saí deste livro com todas as respostas. Nunca temos acesso a todas as respostas.