Pondo fim a mais uma exclusão digital: acessibilidade para consumidores cegos e de baixa visão

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Não resta dúvida de que os canais digitais tornaram tarefas cotidianas – desde depositar cheques até comprar os ingredientes do jantar – mais fáceis e convenientes para muitas pessoas. Mas a digitalização nem sempre produz a melhor experiência possível para todos os clientes. As mais de dois bilhões de pessoas em todo o mundo que são cegas ou têm limitação visual costumam ser deixadas para trás.1

Nossa Pesquisa Global de Sentimentos Digitais de 2022 constatou que os consumidores hoje interagem digitalmente com duas vezes mais setores da economia do que antes da pandemia de COVID-19. Em colaboração com a consultoria de acessibilidade Tilting the Lens, realizamos uma pesquisa qualitativa com usuários na Alemanha, Itália e Estados Unidos para entender os comportamentos e experiências digitais inerentes àqueles que são cegos ou têm baixa visão. (Veja uma breve explanação dos termos utilizados neste artigo no box “A linguagem das deficiências visuais”; veja também detalhes de nossa pesquisa qualitativa no box “Sobre a pesquisa” no final deste artigo.) As pessoas com quem conversamos ressaltaram alguns avanços tecnológicos úteis dos últimos anos que têm contribuído para suas experiências digitais. Por exemplo, softwares de leitura de tela – a principal forma pela qual a maioria dos participantes de nossa pesquisa se relaciona com tecnologias digitais – estão disponíveis na maioria dos dispositivos.2 Nossos entrevistados também apontaram melhorias em acessibilidade que algumas empresas introduziram em seus sites e conteúdos digitais. Mesmo com isso, porém, muitas vezes tais conteúdos e serviços digitais permaneciam inacessíveis a eles.

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O argumento social para melhorar as experiências digitais de indivíduos com cegueira ou baixa visão é inequívoco, pois tais melhorias podem lhes oferecer acesso equitativo a produtos e serviços digitais e reforçar sua independência. O caso de negócios também é irrefutável, visto que as empresas podem construir relações leais e valiosas com esses consumidores. Estima-se que as empresas de bens de consumo com sites e estratégias digitais inacessíveis percam US$ 6,9 bilhões anualmente, pois, frustrados e desapontados, os consumidores portadores de deficiência acabam comprando dos concorrentes.3 Prevemos que o custo para as empresas continuará aumentando e que que a demanda por produtos e serviços acessíveis só crescerá com o envelhecimento da população.

Neste artigo, queremos compartilhar as experiências digitais e o feedback dos participantes de nossa pesquisa para ajudar as organizações a entenderem os efeitos imprevistos que o desenho tradicional de produtos pode ter sobre a confiança do cliente e as decisões de compra. Também apresentaremos alguns princípios que as organizações fariam bem em adotar para melhorar a experiência de todos os clientes.

Definindo a acessibilidade digital

As experiências online do consumidor – encomendar uma refeição, acessar a conta bancária, comprar roupas – costumam ser impelidas e caracterizadas por dois poderosos elementos: recursos visuais e o uso do mouse (ou do dedo em uma tela sensível ao toque). Fotos, vídeos e signos sutis na experiência do usuário – tamanhos de fonte, paletas de cores, caixas de texto, ícones – não apenas enriquecem e intensificam as experiências, como também orientam o consumidor a acessar e ativar conteúdos digitais (como solicitar informações adicionais ou finalizar um pedido).

Com isso, indivíduos com baixa visão poderão ter dificuldade para interagir com os conteúdos da internet se a empresa adotar combinações de cores de baixo contraste em seu site, por exemplo. Indivíduos cegos precisam poder contar com tecnologias assistivas, como leitores de tela, para acessar esses conteúdos. No entanto, tais tecnologias só serão eficazes se a empresa incluir em seu site (e no código subjacente) elementos que tornem possível seu bom funcionamento. Por exemplo, se o código subjacente de um site não explicar que um botão ou hiperlink é clicável, os consumidores talvez deixem escapar informações importantes e acabem impedidos de seguir adiante em sua experiência digital. Como explicou um participante na Alemanha: “Muitas vezes, a gente fica estudando um produto por 30 minutos, tentando entender como finalizar o pedido, até que, de repente, percebe que não é possível clicar o último botão. É uma experiência de usuário muito frustrante.”

Mas, então, o que é acessibilidade digital? Quando solicitamos aos participantes de nossa pesquisa que compartilhassem suas definições, eles expressaram o desejo de uma experiência impecável ao interagirem com conteúdos online. Disseram que gostariam que não houvesse barreiras para acessá-los – o que significa, por exemplo, poder visualizar e interagir com esses conteúdos utilizando a tecnologia de leitura de tela ou o dispositivo de acessibilidade de sua preferência. Disseram que não deveriam ter que buscar soluções alternativas, improvisar ou pedir ajuda a amigos ou familiares. Além disso, gostariam que o nível de sua experiência fosse comparável ao de pessoas sem deficiência. Seus comentários também sugerem que sites acessíveis separados ou módulos de acessibilidade [overlays] geralmente não são suficientes, porque podem ser inconsistentes ou simplesmente ineficazes.

Do ponto de vista técnico, o que significa criar uma experiência digital plenamente acessível? Embora não haja uma definição universal de acessibilidade digital, existem várias fontes de referência. Um recurso notável são as chamadas Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdos da Internet (Web Content Accessibility Guidelines, WCAG), elaboradas pela Web Accessibility Initiative, parte do World Wide Web Consortium, que trabalha com membros de comunidades de pessoas com deficiência para definir padrões de acessibilidade. As WCAGs definem quatro aspectos principais da acessibilidade:4

  1. Toda informação é perceptível.
  2. As interfaces são operáveis.
  3. O conteúdo é compreensível.
  4. As funcionalidades são robustas.

A maioria dos participantes afirmou que gostaria de ver algum tipo de governança que melhorasse a acessibilidade de sites digitais, seja a nível global ou local. Mas nossas conversas com pessoas com vivenciam alguma deficiência deixaram claro que oferecer acessibilidade digital requer mais do que isso. Designers e desenvolvedores terão que encontrar soluções criativas e adotar uma nova mentalidade: a de oferecer a todos acesso equitativo a aplicativos e conteúdos.

Como a acessibilidade afeta a confiança digital e as decisões de compra

Usuários cegos da internet abandonam cerca de dois terços de suas interações de comércio eletrônico devido à inacessibilidade, sendo forçados a buscar opções mais acessíveis em outros lugares.5 No final, consumidores com deficiência acabam recorrendo a empresas que eles sabem oferecerão uma interação digital com menos aborrecimentos, confirmando os resultados de nossa recente pesquisa sobre confiança digital. De modo geral, em suas decisões de compra, os consumidores classificam a confiança digital como quase tão importante quanto o custo e o tempo de entrega, e indicam que optam por fazer negócios com outra empresa se essa confiança é violada.

Não só isso, porém, pois nossa pesquisa também sugere que o impacto sobre as marcas é provavelmente ainda maior. Os internautas cegos não apenas abandonam a transação: a inacessibilidade os leva a evitar por completo certas empresas e segmentos inteiros de mercado. E, de fato, muitos participantes da pesquisa classificaram seu engajamento digital como baixo nos mesmos setores em que os consumidores em geral o classificaram como alto – por exemplo, telecomunicações, serviços públicos e seguros.

Além do mais, quando questionados sobre 12 setores específicos,6 as respostas dos participantes sugerem que todos os 12 podem e precisam agir melhor se quiserem conquistar a confiança digital das comunidades de pessoas com deficiência. Considere o setor bancário, que obteve a classificação mais alta de engajamento digital entre os participantes da pesquisa em todas as três regiões geográficas. Noventa por cento dos entrevistados na Alemanha e nos Estados Unidos e todos os entrevistados na Itália disseram ter acessado serviços bancários digitais nos últimos seis meses. Muitos deles elogiaram os aplicativos bancários móveis por serem simples e fáceis de navegar, oferecendo tecnologia assistiva capaz de ler em voz alta com precisão o conteúdo da tela ou permitindo que o usuário expanda esse conteúdo. Ainda assim, cerca de metade dos entrevistados classificou suas experiências digitais no setor como “aproveitáveis, mas difíceis” ou “acessíveis, mas com muitos problemas”.

O que os líderes podem fazer para aumentar acessibilidade de seus produtos e serviços digitais de forma a criar uma experiência melhor para o cliente e, assim, estabelecer confiança digital? O feedback dos participantes de nossa pesquisa sugere que a resposta está em não focar a acessibilidade em si, mas concentrar-se em melhorar a experiência geral de clientes portadores de alguma deficiência.

Assegurando acessibilidade com um desenho inclusivo

Em nosso trabalho, constatamos que experiências de usuário coesas, práticas de desenho colaborativo e o aprimoramento contínuo são elementos constitutivos de um bom desenho. Os participantes de nossa pesquisa também destacaram que essas práticas são críticas para entender e atender às necessidades de suas comunidades. Em outras palavras, o bom desenho e o desenho inclusivo estão indissoluvelmente ligados.

Adotar essa abordagem proativa e voltada para o cliente logo no início de um projeto pode ser mais econômico do que tentar resolver problemas de acessibilidade após o fato consumado. O Barclays, por exemplo, descobriu que redesenhar seu aplicativo móvel com a acessibilidade em mente custou um décimo do valor gasto para corrigir problemas de acessibilidade do aplicativo móvel antigo.7

Além disso, um desenho acessível pode criar experiências mais efetivas e intuitivas para todos. Após o lançamento de seu novo aplicativo móvel concebido com a acessibilidade em mente, o Barclays verificou que as classificações positivas mais que dobraram.

Garantindo experiências do cliente coesas

Nos últimos anos, as empresas que buscaram aprimorar a experiência do cliente mudaram de foco: de pontos de contato isolados para a jornada do cliente de ponta a ponta. Criaram personas e diários digitais para ajudá-las a entender melhor cada cliente e mapear todas as interações que poderiam ocorrer. Tais esforços são igualmente críticos para atrair e reter consumidores com deficiência. A inclusão de personas para indivíduos com vivências diferenciadas pode ajudar a garantir que, desde o início de um projeto, os desenvolvedores e designers de produtos digitais incorporem acessibilidade à experiência do cliente.

Subsequentemente, quando a equipe de produto já tiver um mínimo produto ou serviço digital viável, ela poderá implementar testes de acessibilidade para identificar possíveis áreas de atrito que os consumidores venham a enfrentar. Essas avaliações devem incluir não só testes com usuários finais que vivenciam experiências diferenciadas, mas também testes do código em si, utilizando ferramentas de software automatizadas criadas para identificar possíveis incompatibilidades com as diretrizes WCAG. Serviços de terceiros e até mesmo parcerias com pesquisadores podem contribuir para esse trabalho. A Unilever, por exemplo, firmou parceria com a Universidade de Cambridge para avaliar o grau de facilidade ou dificuldade em obter informações sobre um produto (como tamanho ou sabor) a partir da sua imagem exibida em dispositivos móveis e tablets. O kit de ferramentas desenvolvido por essa parceria tem ajudado os web designers a avaliar a clareza visual das imagens e a agir antecipadamente para tornar mais fácil para usuários de baixa visão identificarem o produto exato que procuram online. A Unilever descobriu que esse trabalho teve relação direta com o aumento das vendas de uma de suas marcas globais: em um teste A/B, o uso de hero images [a primeira imagem, muitas vezes superdimensionada, que o usuário vê na tela] em dispositivos móveis ajudou os consumidores a entenderem a oferta mais rapidamente e com maior clareza, levando a um aumento de 24% nas vendas do produto.8

É crucial, mesmo em testes, que as empresas mapeiem e sigam a jornada potencial de um cliente dentro, através e fora dos canais digitais para garantir uma experiência consistente e de qualidade. Estes são alguns pontos a considerar:

  • As experiências do cliente são acessíveis tanto em aplicativos móveis como nos sites? Um participante da pesquisa na Alemanha relatou como sua experiência com os dois bancos que utiliza depende do canal escolhido: ele considera o site de uma instituição acessível, mas seu aplicativo móvel continua difícil de usar, ao passo que o aplicativo móvel da outra instituição é utilizável (apesar de alguns problemas), embora seu site seja difícil de navegar com um software de leitura de tela.
  • Se alguém procura o SAC para obter ajuda com um problema de acessibilidade digital, a equipe de atendimento possui os recursos necessários para resolvê-lo? Um entrevistado na Itália descobriu que, ao ligar para o SAC e pedir ajuda, os atendentes muitas vezes não tinham a quem encaminhar a solicitação, de modo que os problemas de acessibilidade não eram resolvidos.

    Outro participante na Itália relatou a experiência de receber um pedido errado de um serviço de delivery de comida porque o texto alternativo identificava incorretamente uma linguiça empanada como um hambúrguer. Ao contactar a empresa de delivery, esta se recusou a corrigir a situação, afirmando que seu sistema estava alinhado com o texto exibido na tela e que o cliente havia recebido o que encomendara.

Implementando o codesenho e a colaboração

Colocar o cliente no centro do desenvolvimento de produtos e serviços sempre foi um princípio fundamental de design thinking. Contudo, as experiências dos participantes de nossa pesquisa sugerem que, de modo geral, pessoas com vivências diferenciadas não são incluídas no desenho e desenvolvimento dos produtos e serviços digitais que utilizam. Como explicou um participante na Alemanha: “Se é para ser usado por nós, deveria ser influenciado por nós”.

Quase uma década atrás, o grupo bancário multinacional holandês ING demonstrou o que é possível quando pessoas com deficiência têm voz ativa. Sob a orientação do então diretor de informações da empresa, que é deficiente visual, o ING foi o primeiro do setor a incluir um assistente de voz em seu aplicativo móvel e nos caixas eletrônicos. O assistente de voz foi posteriormente adquirido pela empresa que hoje opera todos os caixas eletrônicos dos grandes bancos na Holanda.

À medida que novos produtos e serviços digitais são criados, garantir que pessoas com vivências diferenciadas sejam colaboradoras equitativas no processo – atuando como designers, desenvolvedores e consultores – ajudará as organizações a oferecer uma experiência do cliente do mais alto nível. Considere o empenho do Space Telescope Science Institute (STScI) para tornar acessíveis a todos as imagens espetaculares capturadas pelo telescópio espacial James Webb. Os esforços de codesenho revelaram que, para dar vida às imagens, o STScI precisaria incluir mais detalhes nas suas descrições. Isso levou a equipe a expandir seu sistema para que aceitasse descrições de quase 1.000 caracteres (em vez de apenas 125) que explicassem, por exemplo, a posição, forma e coloração relativas entre uma e outra galáxia.9

Construindo uma cultura de aprimoramento contínuo

As plataformas mudam e o conteúdo do site é atualizado. Os canais evoluem e surgem novas maneiras de acessar conteúdos digitais. Tais atividades podem fazer com que uma experiência digital outrora acessível se torne repentinamente inacessível. Como descreveu um participante da pesquisa na Alemanha: “A acessibilidade é um castelo de areia que temos que reconstruir constantemente, ou será desmanchado pelo mar.”

A criação de uma cultura de aprimoramento contínuo levará desenvolvedores e designers a verificar automaticamente se houve alterações na acessibilidade quando uma atualização é lançada. Embora equipes de acessibilidade possam oferecer orientação e apoio valiosos nesses esforços, a alta frequência das atualizações digitais exige que as organizações atualizem também as qualificações daqueles que trabalham direta e regularmente nos produtos.

Esse tipo de requalificação pode permitir que desenvolvedores e designers entendam a importância da acessibilidade e as melhores práticas para oferecê-la. A utilização de ferramentas de simulação da visão no treinamento e no desenvolvimento dará aos desenvolvedores e designers uma noção de como seu desenho será percebido por alguém com baixa visão ou daltonismo. A contratação de desenvolvedores e designers com deficiência visual pode fazer com que o desenho inclusivo e toda uma cultura inclusiva sejam incorporados aos próprios fundamentos da empresa.

Além disso, identificar os principais indicadores de desempenho relativos à acessibilidade ajudará a garantir a continuidade e a consistência da acessibilidade dos produtos e serviços digitais ao longo do tempo.

Nos casos em que o desenvolvimento de novas funcionalidades digitais é terceirizado, as organizações podem fornecer a orientação necessária para aumentar a probabilidade de experiências inclusivas. A Microsoft, por exemplo, desenvolveu um kit de ferramentas para fornecedores (designers, criadores de conteúdo, desenvolvedores, engenheiros e gerentes de eventos, entre outros), que inclui vídeos, manuais de instruções e outros conteúdos, para que suas expectativas sejam atendidas. Desde o lançamento original desse kit de ferramentas, seu conteúdo já foi expandido e a Microsoft chegou a divulgar externamente o material para que todos possam se beneficiar.10


Os recursos digitais são profundamente potentes. Para muitos, o digital facilitou as tarefas do dia a dia e permitiu acesso a educação, bens e serviços, oferecendo oportunidades de emprego antes indisponíveis. Contudo, como indicaram os participantes de nossa pesquisa, é preciso mais trabalho para garantir que pessoas com deficiência visual possam participar plenamente de nosso mundo cada vez mais digital. Isso não só é a coisa certa a fazer, como também permitirá que as empresas que priorizarem a acessibilidade digital obtenham benefícios econômicos significativos por fortalecerem a confiança dos consumidores e expandirem sua base de clientes. Esta pesquisa não fornece todas as respostas, mas certamente deixa claro que os fundamentos do bom desenho – desenvolvimento coeso, desenho colaborativo e aprimoramento contínuo – são também a pedra angular do desenho acessível.

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