Michael Froman fala sobre as implicações empresariais da geopolítica

| Entrevista

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Política das potências. Guerras. Batalhas comerciais. Mudanças climáticas. Pandemias. A geopolítica está influenciando cada vez mais a maneira pela qual as empresas operam, levando os líderes seniores a olhar muito além das paredes de seu escritório luxuoso. Michael Froman, presidente do Council on Foreign Relations, passou a carreira conectando esses mundos, tendo ocupado desde cargos de liderança nos governos dos presidentes Bill Clinton e Barack Obama até cargos executivos no Citigroup e na Mastercard e exercido a função de conselheiro da Walt Disney Company. Em entrevista a Shubham Singhal, sócio sênior da McKinsey, Froman discute as mudanças na ordem mundial, o tipo de modelo econômico global que pode surgir e o que tudo isso significa para as organizações.

Esta conversa faz parte de uma série de entrevistas com os principais pensadores e operadores da geopolítica, realizadas durante nossa cúpula inaugural sobre geopolítica em 2 de dezembro de 2024.

“O panorama internacional mais complexo em 80 anos”

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Shubham Singhal: O mundo como o conhecemos está mudando. E, do ponto de vista empresarial, apesar de termos podido ignorar a geopolítica durante muito tempo, agora ela está em primeiro plano. Como você definiria e descreveria a ordem econômica e geopolítica atual e as relações entre algumas das principais economias do mundo?

Michael Froman: Este é provavelmente o panorama internacional mais complexo em 80 anos. Há o ressurgimento da política de grandes potências. Há guerras não só no Oriente Médio e na Europa, mas também em partes da África, como o Sudão. Mais importante ainda, há a rivalidade sem precedentes entre a China e não apenas os EUA, mas o Ocidente de forma mais ampla. Isso abrange as dimensões econômica, tecnológica, política e militar. Além disso, há questões transnacionais, como pandemias e mudanças climáticas, que requerem certo grau de cooperação internacional no exato momento em que a cooperação internacional está provavelmente em seu ponto mais baixo e as instituições internacionais estão fracas e carentes de reformas. Portanto, a geopolítica está ficando cada vez mais importante para CEOs, conselhos de administração e equipes de alta gestão, pois está afetando tudo, desde onde estabelecem suas cadeias de suprimentos até com quem podem contar para fazer comércio e quais tecnologias podem utilizar, além de possíveis sanções ou outras restrições à sua capacidade de operar.

Shubham Singhal: A maioria das equipes de gestão não vivenciou um mundo multipolar e talvez não esteja preparada para lidar com a fragmentação resultante dele. Mesmo que uma empresa não seja multinacional, ela interage bastante com o resto do mundo e também precisaria estar preparada para reagir e se adaptar. Você prevê uma fragmentação ainda maior? O que isso significa para essas empresas?

Michael Froman: Vivemos em um mundo fragmentado, e é provável que essa fragmentação aumente. Na verdade, não acho que este seja um mundo realmente multipolar – isso indicaria que há três ou quatro blocos de países que fazem tudo em conjunto. A Índia é um exemplo perfeito do que estamos vendo agora. Ela adora trabalhar com os Estados Unidos em determinadas questões – tecnologia, investimentos, cooperação nuclear civil –, mas adora trabalhar com o Irã no petróleo. Adora trabalhar com a Rússia em armas e munições. Adora ou odeia trabalhar com a China, dependendo da questão e do momento. A Índia faz parte do BRICS,1 mas também está em forte desacordo com a China quando se trata de questões como disputas territoriais.

 É um mundo muito mais complexo, e a Índia é só um exemplo. Pode-se dizer o mesmo do Brasil, da África do Sul, da Indonésia ou de qualquer caso em que haja menos probabilidade de haver grupos de países que estejam sempre a nosso favor ou contra nós. Do ponto de vista dos EUA, mas também do ponto de vista de uma empresa multinacional, teremos que navegar em um mundo complicado no qual alguns países trabalham em estreita colaboração com os Estados Unidos e outros com alguns de seus principais rivais ou até mesmo adversários.

A China e os riscos do uso de ferramentas econômicas

Shubham Singhal: Imagino que seja por isso que você mencionou a necessidade de uma abordagem sistemática do uso de ferramentas econômicas, como controles de exportação e restrições a investimentos. Quais são alguns dos riscos potenciais dessa abordagem de “quintal pequeno, cerca alta” referente aos controles de exportação com relação à China?

Michael Froman: A economia internacional tem sido tradicionalmente organizada em torno do princípio da eficiência: as empresas colocavam suas cadeias de suprimentos onde fosse mais eficiente mantê-las, e o bem-estar do consumidor, no final, era medido pelo sucesso ou fracasso. O que aprendemos nas últimas décadas é que a eficiência é importante, mas a resiliência, a redundância, a diversificação e a segurança nacional também são. Por isso, agora estamos analisando nossas cadeias de suprimentos. Todas as empresas estão se perguntando: podemos nos dar ao luxo de depender totalmente da China para a manufatura ou de Taiwan para os semicondutores, ou precisamos adotar uma estratégia “China plus one”? Precisamos trazer de volta parte da manufatura para o nosso próprio país? O que precisamos fazer para garantir essa resiliência e essa redundância? Isso exigirá que as empresas analisem bem de quem elas dependem.

Essa deve ser uma parte fundamental da gestão de riscos. A diversificação é a regra número um da gestão de riscos de forma mais ampla, mas, com o tempo, ficamos um pouco complacentes em termos de uma dependência excessiva de nossas cadeias de suprimentos. Aliás, isso significa que as coisas ficarão mais caras: por definição, se a eficiência não for o único objetivo, mas for equilibrada com a segurança nacional ou outros fatores, pagaremos mais pelos produtos. Isso aumentará o custo para os consumidores e para os usuários intermediários dos insumos que importem de outros países. Esses são os trade-offs que vamos observar. O que eu recomendo é que, ao adotarem essas políticas econômicas – independentemente de ser em relação a cadeias de suprimentos, a controles de exportação, a restrições a investimentos estrangeiros ou a políticas industriais –, as empresas analisem atentamente os trade-offs para garantir que os benefícios superem os custos.

Shubham Singhal: Esse tipo de abordagem vem sendo adotada?

Michael Froman: Neste momento, estamos analisando as questões de uma maneira não muito sistemática. Vemos um desafio específico ou uma ameaça específica de dependência excessiva e tomamos uma medida a respeito. Até o momento, isso tem sido bastante direcionado. Portanto, os controles de exportação – quintal pequeno, cerca alta – têm sido bastante limitados. A questão é: será inevitável haver uma pressão para ampliar o quintal? Para incluir mais itens no regime de controle de exportação e para que o governo intervenha mais no mercado? Essas são perguntas que precisam ser respondidas.

Repensando as cadeias de suprimentos em meio ao protecionismo

Shubham Singhal: Uma das coisas das quais as empresas norte-americanas têm desfrutado é o acesso ao mercado em muitos lugares, o que está ligado à presença de suas cadeias de suprimentos. Como isso muda ao longo do tempo e o que significa para o crescimento e a geração de valor para as empresas?

Michael Froman: São menos prováveis aqueles grandes acordos comerciais que eram focados na abertura de mercados aos exportadores dos EUA. Quando faz sentido para as empresas investirem no país para atender a esse mercado, acho que isso continuará acontecendo. Por exemplo, as empresas podem investir na China para atender ao mercado chinês, mas não necessariamente para exportações da China, pois veremos um aumento do protecionismo. Veja o caso dos veículos elétricos: tanto o mercado dos EUA quanto o da Europa estão começando a se fechar para as exportações chinesas.

Acho que pode haver uma nova fronteira do protecionismo, à medida que os governos passam a considerar não apenas as regras de origem, ou seja, de qual país veio o produto – que era a forma tradicional de analisar o comércio exterior e as cadeias de suprimentos –, mas também as regras de propriedade, ou seja, qual empresa está fabricando o produto e quem é o dono dessa empresa. Nos Estados Unidos, por exemplo, será iniciada uma revisão do Acordo EUA-México-Canadá [USMCA], o novo NAFTA.2 Espero que o governo Trump levante a questão do investimento chinês no México e sua preocupação de que essa seja uma maneira de as empresas chinesas evitarem as tarifas que impusemos à China, passando a analisar de quais empresas essas exportações estão vindo e se deve ser permitida a entrada delas no mercado.

Shubham Singhal: Você se sente otimista a respeito de como isso vai se desenrolar?

Michael Froman: É bem possível que haja mudanças ou elementos que sejam renegociados com base na experiência dos últimos anos, mas esse foi um acordo que obteve amplo apoio bipartidário no Congresso e, obviamente, foi negociado pelo governo Trump. Portanto, espero que o governo Trump retome o USMCA, mas talvez com algumas mudanças significativas, incluindo a questão do transbordo ou investimento de empresas chinesas no México como forma de entrar no mercado dos EUA.

Shubham Singhal: Existem maneiras pelas quais as empresas podem aproveitar algumas dessas mudanças à medida que os governos as implementam? Existem oportunidades positivas de crescimento?

Michael Froman: Existem no caso das empresas que estão buscando trazer a produção de volta para o país ou mudar suas cadeias de suprimentos de lugar. Acho que isso cria, para as empresas, oportunidades de verem para onde o investimento está indo e como tirar proveito disso. O desafio será as empresas tomarem essas decisões com base não nas declarações políticas desta semana ou deste mês, mas em projeções de longo prazo. E, quando há muita incerteza sobre o que pode acontecer, as empresas têm dificuldade para planejar sua estratégia de maneira adequada.

O novo quadro econômico mundial que está se desenhando

Shubham Singhal: A volatilidade se deve só ao fato de estarmos mudando de um modelo de ordem econômica para outro? Está surgindo um novo quadro?

Michael Froman: Houve críticas ao quadro antigo, mas não foi proposto um quadro novo. Por exemplo, se há valor em um sistema baseado em regras, agora podemos questionar as regras específicas que temos em vigor. Talvez queiramos revisar essas regras, mas os Estados Unidos – nossos trabalhadores, nossas empresas, nossos agricultores e pecuaristas – se beneficiam da previsibilidade de um sistema baseado em regras. A maioria dos países segue a maior parte das regras na maior parte do tempo. Essa é meio que a regra geral no direito internacional e no sistema comercial internacional.

Quando as regras perdem validade, cria-se muita incerteza, e isso não é particularmente do nosso interesse. Com o tempo, esperamos poder ver um novo conjunto de regras. Pode ser para um subconjunto da economia global, não para todos os países. Pode ser que não tenha a adesão de todos os países. É possível que coalizões de dispostos e coalizões de ambiciosos se reúnam e digam que estão dispostas a aderir a esse conjunto de regras de alto padrão – e, com o tempo, incentivem outros países a aderir a elas.

Shubham Singhal: Qual é a interação entre as questões de segurança e a economia? Devemos presumir que estão entrelaçadas e continuarão assim?

Michael Froman: Acho que estão. Durante muito tempo, a visão foi de que uma economia forte era necessária para respaldar a segurança nacional, de modo a garantir que houvesse recursos financeiros para bancar forças armadas capazes de mostrar poder em todo o mundo e de apoiar os esforços diplomáticos e de assistência externa. A economia era vista como um facilitador. Agora isso se inverteu um pouco.

Os mundos da política econômica e da política de segurança nacional estão convergindo e, cada vez mais, estamos recorrendo a ferramentas econômicas como instrumentos de segurança nacional – por exemplo, controles de exportação para impedir que os chips mais avançados cheguem às mãos de nossos concorrentes e adversários, garantindo, assim, uma vantagem e liderança em inteligência artificial. Isso pode ter implicações militares e de inteligência, assim como restrições a investimentos estrangeiros, ao impedir que empresas estrangeiras comprem empresas dos EUA detentoras de tecnologias de ponta e que empresas dos EUA invistam em capacidades no exterior e realizem transferências de tecnologia. É provável que essa convergência continue, porque isso remete à sua primeira pergunta: o retorno da geopolítica significa que a rivalidade geopolítica está presente, e precisamos levá-la em consideração. Isso afetará tudo que fazemos.

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