Neste episódio do podcast Forward Thinking do McKinsey Global Institute, a coapresentadora Janet Bush conversa com Homi Kharas. Kharas é membro sênior do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Brookings Institution, além de cofundador do World Data Lab. Ele estuda políticas e tendências que influenciam os países em desenvolvimento, o crescimento da classe média mundial e a governança global. Colaborou com o McKinsey Global Institute em pesquisas sobre consumidores de mercados emergentes e empoderamento econômico, e seu último livro é The Rise of the Global Middle Class: How the Search for the Good Life Can Change the World.
Neste podcast, ele aborda, entre outros, os seguintes tópicos:
- Como a natureza da classe média está mudando no mundo todo
- Como a classe média molda nosso mundo
- O que significa para uma família entrar na classe média
- O papel da classe média nas mudanças climáticas
- Como a IA pode afetar a classe média
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Janet Bush (coapresentadora): Michael, se você tivesse que dar um palpite, quantas pessoas que definimos como sendo de classe média você acha que há no mundo?
Michael Chui (coapresentador): Não sei se posso dar um número. Mas acho que a proporção de pessoas de classe média na população mundial deve ter subido muito com o aumento da prosperidade em um número bem maior de países – regiões emergentes e em desenvolvimento – nos últimos anos.
Janet Bush: Bem, curiosamente, o nosso convidado de hoje confirma que, neste momento, metade da população mundial é de classe média ou superior. Colocando isso em números absolutos, são quatro bilhões de pessoas. Mas, até 2030, poderão ser cinco bilhões. O que é fascinante são as mudanças pelas quais a classe média vem passando e o papel central que ela desempenha em alguns dos grandes desafios do nosso tempo.
Michael Chui: Estou ansioso para ouvir a conversa.
Janet Bush: Então, bem-vindo ao nosso podcast, Homi.
Homi Kharas: Obrigado, Janet.
Janet Bush: Conte um pouco aos nossos ouvintes sobre a sua formação, onde estudou, onde foi criado e como evoluiu na vida.
Homi Kharas: Bem, eu nasci em Karachi, no Paquistão. Naquela época, era a capital de um país muito pobre. Eu me mudei bastante quando criança porque meu pai era diplomata, então estudei em muitos países. Mas acabei fazendo a segunda parte do ensino fundamental e o ensino médio na Inglaterra.
Comecei cursando física na Universidade de Cambridge. Logo desisti porque era muito difícil, mudei para economia e depois fui para Harvard para fazer o meu doutorado. Entrei no Banco Mundial e fui contagiado pelo que eu chamaria de vírus das políticas, que é a ideia de que se pode fazer a diferença na vida de milhões de pessoas influenciando os formuladores de políticas.
Janet Bush: Parece bastante sensato. E que legal saber que você nasceu em Karachi, porque eu morei lá quando criança. Meu pai era dirigente de banco e, portanto, também itinerante.
Homi Kharas: Então provavelmente estudamos na mesma escola, Janet.
Janet Bush: No seu novo livro, você destaca o fato de que chegamos ao ponto em que metade da população mundial é de classe média ou superior. São quatro bilhões de pessoas e, até 2030, podem ser cinco bilhões. O que alavancou esse enorme crescimento e o que pode continuar alavancando?
Homi Kharas: Acho que a resposta mais simples que posso dar é a tecnologia. Foi a tecnologia que levou ao surgimento da classe média no século 19, quando ficou claro que eram necessários funcionários alfabetizados para redigir contratos entre os bancos e os donos de fábricas para que estas pudessem se expandir. A tecnologia da Revolução Industrial levou à necessidade de uma população saudável e instruída. E isso gerou uma demanda de professores, médicos, enfermeiros. A produtividade começou a subir, e isso levou ao aumento dos salários.
Então, sem dúvida há a questão tecnológica. Mas acho que a questão mais profunda é a política. No Ocidente, a expansão da classe média foi associada ao aumento do número de pessoas aptas a votar, o que chamaríamos simplesmente de democratização. E, em muitos países, a classe média apoiou os sindicatos e se beneficiou deles. Então, eu descreveria a classe média como a ala pró-capitalismo do movimento trabalhista.
Porém, nos últimos 30 anos, aproximadamente, acho que devemos adicionar a globalização a essa lista. Sem a globalização, a expansão acelerada da classe média simplesmente não teria sido possível. Acho incrível imaginar que levou talvez 150 anos para a classe média atingir um bilhão de pessoas (mais ou menos de 1825 ou 1830 a 1975), depois outros 31 anos para o segundo bilhão entrar na classe média (de 1975 a 2006) e então apenas oito anos para o terceiro e o quarto bilhões. E tudo isso devido à globalização.
Agora, a globalização entrou em uma fase lenta, mas os países grandes do Sudeste Asiático e do Sul da Ásia continuam impulsionando a classe média em direção aos cinco bilhões, graças à força de sua economia e à sua participação no comércio global.
Janet Bush: Bem, você afirma no seu livro – é uma cifra notável – que, sozinha, a China acrescentou meio bilhão de pessoas à classe média, como você diz, em oito anos. Isso é cerca de metade do aumento da classe média de dois bilhões para três bilhões entre 2006 e 2014. Esse fato altera a natureza da classe média global?
Homi Kharas: Sim, acho que altera. A classe média da China cresceu justamente quando a classe média do Ocidente sentiu uma ansiedade crescente. Algumas pessoas até afirmaram que o crescimento da classe média chinesa enfraqueceu a classe média ocidental.
Não concordo com esse ponto de vista. Mas o crescimento da classe média na China revelou uma nova divisão na classe média global. Antes, a classe média achava que o crescimento dessa classe em outras regiões era bom para ela. Agora, ela não está tão certa disso.
Janet Bush: Isso resulta do fato de que hoje estamos obviamente em um mundo multipolar? Há mais rivalidade. Há mais contestação. E há mais preocupação com o que as outras pessoas estão fazendo.
Homi Kharas: Acho que é reflexo desse fato. Mas acredito que, em um mundo multipolar no qual a classe média está em toda parte, isso nos dá a oportunidade de começar a pensar em problemas globais e ação coletiva global de uma maneira que nunca pensamos antes.
Se você só dissesse que estamos em um mundo de rivalidades geopolíticas, nunca imaginaria que o mundo poderia se unir para lidar com algumas questões cruciais. No entanto, os países estão começando a se unir para lidar com questões cruciais, e o motivo é que sua classe média os está impelindo a resolver essas coisas porque se trata de questões existenciais para essa classe em todos os países.
Janet Bush: Voltaremos às questões existenciais, que são fascinantes. Mas, só para dar aos nossos ouvintes uma ideia da importância global da classe média, como ela molda o nosso mundo? É uma questão bem importante.
Homi Kharas: Bem, ela molda o nosso mundo, claramente, pela política, como eu disse. Mas não apenas pela política. Ela está moldando o nosso mundo por sua influência no setor empresarial. Por exemplo, cada vez mais, a classe média está buscando influenciar as empresas para que sejam mais sustentáveis.
As empresas não teriam seguido esse caminho por si próprias. Elas estão seguindo porque seus clientes querem que sigam. Eles vêm pressionando os mercados de capitais a serem mais sustentáveis. Hoje em dia, a parte mais dinâmica dos mercados de capitais globais é a emissão de títulos de sustentabilidade. É um fenômeno bem recente.
Eles estão influenciando a mídia. Toda vez que você ouve falar de algo que viralizou, por exemplo, o que isso significa é que a classe média adotou aquilo como uma questão e está tentando amplificá-la. Então, de diversas maneiras, ela está influenciando todos os aspectos da nossa vida. E, claro, influenciar os governos está no cerne disso.
Janet Bush: Na verdade, você até chamou a atenção para o fato de que, na China, com seu sistema político muito diferente, digamos, do meu no Reino Unido, a classe média também está exercendo influência. Ela está usando sua voz, por exemplo, na sustentabilidade – há pressão para buscar o carbono zero na China – e também em questões como a da segurança alimentar.
Homi Kharas: A mídia digital é fortíssima, e as pessoas estão fazendo suas opiniões serem ouvidas. Exemplificando, a segurança alimentar virou um grande problema na China por causa de vários escândalos de leite contaminado. As questões ambientais ganharam muita importância. Houve episódios terríveis de poluição atmosférica em Pequim, parecidos com o Grande Nevoeiro de Londres na década de 1950. É um tipo de ocorrência climática muito semelhante.
A liderança respondeu a basicamente todas essas pressões vindas da classe média. Ninguém quer ser de classe média e não poder sair com os filhos para brincar em um parque porque o ar está irrespirável.
Janet Bush: Sem dúvida. Então, quero discutir o que isso significa financeiramente, em termos reais. O que significa para uma família entrar na classe média?
Homi Kharas: Acho que significa uma série de coisas. Acima de tudo, significa que a família está livre das ansiedades imediatas da vida cotidiana. Quando você está na classe média, tem dinheiro suficiente para tirar férias, comer fora, ir ao cinema, gastar com outras formas de entretenimento. Está fazendo escolhas de fato.
Quando você é muito pobre, não tem a possibilidade de fazer esses tipos de escolha porque está simplesmente aflito tentando sobreviver. Acho que essa ideia de escolha, responsabilidade, controle sobre a sua vida é o que significa ser de classe média.
As famílias de classe média têm bens de consumo duráveis. Têm casa, geladeira e carro. As famílias de classe média são resilientes. Se um membro da família adoece, isso não é uma catástrofe. Elas conseguem se recuperar. Idem para quando alguém está desempregado.
E eu diria que as pessoas de classe média têm muita esperança. Têm esperança e oportunidades de melhorar sua própria vida e, é claro, a vida de seus filhos e familiares.
Há uma pequena desvantagem em ser de classe média. Temos observado claramente um grau enorme de estresse e excesso de trabalho com a tentativa das pessoas de permanecer na classe média. As pessoas de classe média receiam sair dela. E detestam a incerteza.
Assim, eu não diria que é tudo positivo. Mas com certeza diria que é melhor do que ser pobre e até afirmaria que é melhor do que ser muito rico. É extraordinário observar cientificamente que os ricos não têm uma vida tão boa e agradável, pelo menos de acordo com a maioria das pesquisas científicas que temos a respeito da felicidade.
Janet Bush: Bem, o fato de a ciência dizer que os ricos não são necessariamente felizes é ótimo para nós, pessoas de classe média. Acho que não precisamos ter tanta inveja. Mas, como você diz, ser de classe média é melhor do que ser pobre, e ainda há muitos pobres. De qualquer modo, acho que há bastante debate sobre como medir isso.
Internacionalmente, temos usado $ 2,15 por dia como a linha da pobreza extrema. Mas o que há além disso? Creio que você ajudou o MGI a elaborar a linha do empoderamento, publicada recentemente no nosso relatório From poverty to empowerment, na qual as pessoas têm as necessidades essenciais atendidas e menos risco de voltar à pobreza. Nós atribuímos a ela o valor de $ 12 por dia em paridade de poder de compra. Como é isso em termos de nível de conforto?
Homi Kharas: A linha do empoderamento corresponde, na verdade, ao limite inferior para entrar na classe média. O motivo disso é que uma coisa é ter uma linha da pobreza, que indica em que ponto as pessoas estão vivendo na pobreza. Mas, como mencionei, se você quer se considerar de classe média, quer ter uma certeza razoável de que o seu risco de cair na pobreza é bem baixo.
Isso significa que você precisa ter um nível de renda e poder de compra consideravelmente superior à linha da pobreza – grosso modo, cinco vezes superior. É por isso que estabelecemos a chamada linha do empoderamento em $ 12 por dia por pessoa. É uma linha na qual você pode ficar relativamente seguro de que, se passar por um período de desemprego ou tiver uma doença grave na família, isso não o deixará na pobreza. Você conseguirá se recuperar com razoável facilidade.
E, como eu disse, fará escolhas na vida real com relação à maior parte do seu dinheiro e dos seus gastos. Você vai procurar pensar: “Posso comprar isso por esse preço? É algo que quero de fato?” Você está fazendo suas escolhas orçamentárias cotidianas.
É isso que queremos dizer com empoderamento. Você está em um nível no qual a maioria das suas decisões econômicas é feita por escolha, não apenas por ser obrigado porque está tentando simplesmente arrumar dinheiro suficiente para comprar comida para sobreviver.
Janet Bush: Como o World Data Lab, do qual você foi um dos fundadores, mede os padrões de vida?
Homi Kharas: Medimos os padrões de vida observando quanto as famílias gastam na vida diária. É claro que fazemos ajustes de acordo com o número de familiares. Fazemos ajustes de acordo com as variações dos preços, tanto ao longo do tempo quanto entre países. É o que os economistas chamam de dólares em paridade de poder de compra.
E coletamos a maior parte desses dados em pesquisas disponíveis ao público sobre gastos do consumidor, em pesquisas sobre orçamentos familiares. Depois, o que fazemos é combinar esses dados com estimativas que obtemos em cálculos de renda nacional referentes ao consumo pessoal total em um país, já que isso nos permite levar em conta o viés de subnotificação que costuma haver nas pesquisas. Se você perguntar a uma pessoa quanto ela gastou com algo, ela às vezes reluta em dizer toda a verdade ou pode simplesmente não saber a resposta exata a essa pergunta. Portanto, você precisa fazer alguns ajustes nesses dados de pesquisa.
E é claro que há alguns países que simplesmente não têm pesquisas. Nesse caso, usamos novamente técnicas estatísticas para buscar outros países onde temos pesquisas e ver quais são as características deles. É uma técnica chamada de “geminação”. Fizemos até algumas estimativas para a Coreia do Norte usando, em parte, dados de luz noturna obtidos por satélites. É uma atividade estatística de peso que atualizamos duas vezes por ano para continuar incorporando novos dados à medida que eles ficam disponíveis.
Janet Bush: Bem, devo dizer que isso tem sido utilíssimo para o MGI.
Vamos falar disso, da transição para o carbono zero e das mudanças climáticas. No seu livro, você diz que o enorme apetite da classe média global pelo consumo é responsável por grande parte do impacto causado pelo homem no planeta e, portanto, ela corre o risco de se tornar a maior ameaça a si mesma. Fale mais sobre isso.
Homi Kharas: Acho que, com relação às emissões de carbono, tudo ficou bem claro. Todos nós vemos o que está acontecendo.
Todos temos que nos lembrar de relacionar esses desastres naturais diretamente ao nosso próprio apetite insaciável por viagens e produtos baratos. O que a classe média fez foi pedir ao mundo empresarial que lhe oferecesse enormes quantidades de produtos ao menor preço possível, além da possibilidade de voar e ir a qualquer lugar.
Então, à medida que o tamanho da classe média aumenta com esse tipo de estrutura na economia, ela está pressionando a quantidade de emissões de carbono com que o planeta é capaz de lidar e contribuindo para o aquecimento global.
Porém, esse não é o único problema. Não falamos muito sobre isso, mas o descarte de resíduos é outro problema gigantesco causado pelo consumo da classe média, sobretudo dos plásticos, que, em grande parte, nós simplesmente jogamos fora após um único uso. É provável termos mais plástico do que peixes nos oceanos até 2050.
É muito desalentador e extremamente perigoso o fato de termos um sistema econômico que prejudica a natureza dessa maneira. Mas não quero dizer que esse é um aspecto inevitável de termos uma sociedade de classe média. Quero enfatizar que essa é uma escolha que fizemos. E é uma escolha pela qual estamos pagando um preço terrível.
Mas há outras opções, bastando apenas mudarmos um pouco o nosso comportamento. Imagine se você eliminasse só a carne ovina e bovina da dieta das pessoas. Poderíamos devolver à natureza uma área do tamanho da América do Norte. Pense no que isso faria em termos de restaurar a biodiversidade e os sumidouros naturais de carbono.
E há muitas outras maneiras de usarmos a tecnologia, especialmente quando respaldadas por regulamentações governamentais, para reduzir a imensa quantidade de resíduos do nosso sistema atual. Só temos que parar de pensar na natureza como prestadora de serviços gratuitos e reconhecer que a própria natureza tem limites. Existem algumas fronteiras, e não podemos cruzá-las.
Janet Bush: No entanto, a escala do problema é colossal. Acho que você diz que, para chegarmos ao carbono zero, a classe média tem que reduzir seu consumo de gases de efeito estufa em cerca de 60% em dez anos. Existe alguma chance de isso acontecer? E como?
Homi Kharas: Ah, acho que existe. É bem difícil. E quero dizer que não estou falando de chegarmos ao carbono zero em dez anos. Estou falando de nos colocarmos em um caminho que nos permitirá chegar ao carbono zero com rapidez suficiente para mantermos o aumento da temperatura entre 1,5 e 2,0 graus centígrados acima do nível pré-industrial.
Sabemos que é possível reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Já vemos enormes diferenças entre os países na magnitude de suas emissões, o que se deve, em grande parte, às políticas e escolhas dos governos.
Acho que o processo é bem simples. Começa pela conversão de toda a nossa geração de eletricidade em energias renováveis, reduzindo gradualmente o carvão e outros combustíveis fósseis. Então, quando estivermos acostumados a obter energia da eletricidade, teremos que usá-la em tudo do lado da demanda. Isso significa que não haverá mais carros a gasolina, nem aquecedores de água ou fogões a gás natural.
As economias avançadas já estão começando a fazer investimentos nessa transição. Pela estimativa da Associação Internacional de Energia, provavelmente gastaremos $ 1,7 trilhão nesse tipo de investimento apenas este ano. Então, o processo está começando em alguns lugares, mas ainda é muito lento.
A parte mais difícil talvez seja o terceiro passo, que é mudar os nossos hábitos. Mudá-los é uma necessidade. Chega de carne bovina e ovina. Chega de voos de curta distância. Talvez menos voos de longa distância. A classe média tem que se tornar mais sustentável em suas escolhas de consumo, em seus deslocamentos, em sua maneira de controlar a temperatura nos edifícios onde vivemos e trabalhamos.
E ela só fará isso se receber incentivos para tanto e se achar que todos os outros também estão dando sua contribuição. É por isso que precisamos dos governos – de regulamentações, impostos e subsídios – para começarmos a fazer uma diferença.
Janet Bush: Sim, você fala de “evitar, mudar e melhorar”. Ou seja, evitar voos de média e longa distância e o uso do carro com tanta frequência. Mudar para o transporte público. Reduzir o consumo de carne. [Comprar] hortifrútis locais. E melhorar a eficiência energética. Para todas essas coisas, você defende uma ação baseada em políticas. Fale um pouco mais sobre isso e sobre que tipos de política devem ser adotados.
Homi Kharas: Bem, acho que é uma combinação de políticas fiscais com subsídios. Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, com a chamada Lei de Redução da Inflação, agora há subsídios significativos para os proprietários de imóveis instalarem energia solar em alguns lugares.
Existem políticas regulatórias na União Europeia. Acredito que o plano é proibir a venda de novos carros movidos a combustível fóssil, a gasolina, basicamente com motor de combustão interna, até 2035. Se você se lembrar, anos atrás, praticamente no mundo todo, os governos proibiram as lâmpadas incandescentes, e houve uma revolução impressionante, no sentido de que todos mudaram para lâmpadas muito mais eficientes. Portanto, a regulamentação é extremamente poderosa.
Mas também quero enfatizar que os governos têm que investir. O maior obstáculo para as energias renováveis nos Estados Unidos neste momento é o tempo de espera para conseguir uma conexão com a rede elétrica. Os governos, que são, em grande medida, responsáveis pelas linhas de transmissão, não têm investido o suficiente na modernização de suas redes. Então, precisamos que eles invistam.
Se você quer que as pessoas usem o transporte público, tem que construir sistemas de metrô. É improvável que os sistemas de metrô, por exemplo, sejam operados totalmente pelo setor privado. Eles quase sempre são feitos em algum tipo de parceria com o governo.
Por fim, não há dúvida de que vamos precisar de muito mais tecnologias novas. Historicamente, os governos sempre desempenharam um papel no apoio à pesquisa e ao desenvolvimento. Assim, espero que continuem fazendo isso também.
Janet Bush: Países de diferentes regiões do mundo estão em posições muito distintas. Temos novas pesquisas sobre a Ásia e a chegada de uma nova era, que falam sobre o desafio representado pela transição energética, porque a Ásia ainda está se industrializando, sendo que a indústria tem um peso enorme nessas economias, e é bem difícil descarbonizar.
Então, suponho que a questão mais ampla seja: seremos capazes de atender às aspirações de populações que podem não ter chegado à classe média ou não ser tão prósperas quanto, digamos, no Ocidente? Conseguiremos atender às aspirações delas e, ao mesmo tempo, chegar ao carbono zero?
Homi Kharas: Não tenho dúvida. Na verdade, o maior obstáculo em muitos desses países é o custo do financiamento.
Os aspectos econômicos da transição para a produção de energia sustentável mudaram nos últimos anos no sentido de favorecerem a energia solar, a eólica offshore e mesmo a eólica onshore. E, de fato, o preço da eletricidade, o preço da energia que é gerada com essas novas tecnologias, pode cair consideravelmente. Isso daria um tremendo impulso às pequenas e médias empresas de todas essas economias.
O pensamento econômico segundo o qual a sustentabilidade é algo que só será alcançado com um custo para a sociedade mudou para uma narrativa que diz que, na verdade, a sustentabilidade representa uma das grandes novas oportunidades de acelerar o crescimento em toda a economia, se conseguirmos acertar. E a maneira de acertar é garantir que haja capital acessível e de longo prazo.
O gargalo diz respeito ao fato de que, como o custo inicial da implementação de algumas dessas novas tecnologias tende a ser maior do que o custo inicial da criação de uma nova geração de energia elétrica movida a combustíveis fósseis, os países que dispõem de pouco capital tendem a optar pela energia proveniente de combustíveis fósseis. É isso que precisamos evitar.
Janet Bush: Quero mudar um pouco de assunto e falar sobre a classe média, os empregos, a IA e a automação. Você diz que, em algumas economias avançadas, duas escadas que a classe média subiu foram deixadas de lado: o progresso das pessoas em sua própria vida e o progresso de seus filhos. Isso tem a ver com a mudança tecnológica ou vai além?
Homi Kharas: Tem a ver com a mudança tecnológica. Tem a ver com o fato de que a mudança tecnológica tem que acontecer em uma escala monumental. A estrutura da economia precisa mudar de maneira tão drástica, que todos serão afetados. E isso coloca questões muito difíceis relacionadas à transição.
Se você é mineiro de carvão e não há mais demanda de carvão, o que você faz? Não é uma questão simples. Você pode ser obrigado a se desenraizar junto com a família e se mudar para outro lugar. Há muito poucas oportunidades alternativas de emprego em algumas dessas regiões.
Se a onda do futuro forem os veículos elétricos, e a produção de veículos elétricos sair de Detroit, o que os trabalhadores do setor automotivo vão fazer? Atualmente, os maiores fabricantes de veículos elétricos estão na China e até mesmo em lugares como o Vietnã. O que vai acontecer com todos os trabalhadores do setor automotivo europeu?
Então, muitas dessas coisas que historicamente são o que eu chamaria de bons empregos de classe média estão passando por disrupções e podem mudar. Isso trará grandes problemas de transição para as pessoas, sobretudo para aquelas cujas opções alternativas são limitadas porque têm, em termos relativos, graus de instrução mais baixos e menos competências do que outras na economia.
Esse mesmo tipo de receio e preocupação – onde estão os bons empregos do futuro? – é algo que afeta os jovens. O que costumava acontecer era que o ensino superior era visto como um ingresso absolutamente infalível para entrar na classe média. Você podia ir para a faculdade, escolher o seu curso e depois conseguir um emprego de classe média.
Agora está muito mais incerto porque simplesmente não se sabe com exatidão como será essa nova estrutura econômica e quais competências serão mais procuradas no futuro. Falamos das chamadas competências STEM [sigla em inglês de “ciência, tecnologia, engenharia e matemática”], mas mesmo isso é bastante vago. E agora existem ameaças às competências STEM por parte de novas tecnologias, como a IA.
Janet Bush: Ouvimos falar muito da IA, do que ela é capaz de fazer e de como ela pode executar todas as tarefas de raciocínio que pensávamos ser as nossas tarefas de classe média. Se a IA assumir partes desse tipo de função, o que restará?
Homi Kharas: Bem, acho que há uma boa e uma má notícia. A boa notícia é que, se a IA realmente assumir todas essas funções, isso significa que a produtividade irá às alturas. Então, todos nós ficaremos muitíssimo mais ricos se os benefícios da IA forem bem distribuídos na sociedade.
Teremos então alcançado o que Keynes previu muitos anos atrás, quando, em 1930, escreveu: “Em cem anos, teremos, entre aspas, solucionado o problema econômico de nossa geração. As pessoas não precisarão trabalhar para viver”.
Então, se a IA realmente assumir todas essas funções, teremos uma enorme quantidade de tempo livre e precisaremos encontrar sentido na vida usando esse tempo de novas maneiras. Podem ser maneiras criativas. Algumas pessoas, infelizmente não eu, mas algumas pessoas têm aspectos artísticos e criativos reais em sua personalidade. Pode ser por meio do voluntariado. Pode ser fazendo uma série de coisas que, em última análise, nos ajudam a cultivar as nossas conexões sociais, fortalecer as nossas comunidades locais de maneiras para as quais, no momento, simplesmente não temos tempo, mas que a ciência nos diz serem o caminho mais seguro para a felicidade.
Acho que não devemos ficar muito alarmados com as oportunidades oferecidas pela IA. Mas isso depende de duas coisas: de os benefícios serem distribuídos de forma ampla e de sermos capazes de entender que há sentido na vida mesmo fora do trabalho.
Janet Bush: Sim, é estranho, não é? Porque estamos tão acostumados a trabalhar, que, às vezes, mesmo as pessoas que estão prestes a se aposentar pensam: “O que vou fazer comigo?” Há uma falta de imaginação. Mas é interessante que, em vez de vermos a IA como uma espécie de nuvem negra pavorosa, ela pode ser um planalto ensolarado em termos da nossa qualidade de vida.
Homi Kharas: Eu não estou nem um pouco ansioso para me aposentar e tenho a grande satisfação de ter passado a maior parte da minha vida com um trabalho digno. Mas tenho que admitir que, hoje em dia, quando inicio um novo projeto, começo perguntando ao ChatGPT o que ele tem a dizer sobre o assunto no qual estou pensando, e o critério básico para mim é: “Existe algo que eu possa dizer ou fazer que seja melhor do que o que o ChatGPT já está fazendo?”
Janet Bush: Adoro isso. Portanto, o ChatGPT é hoje nosso concorrente e nosso incentivo para fazer melhor.
Homi Kharas: Exato.
Janet Bush: Você usou a expressão “desafio existencial” no início da nossa conversa. Se você pensar nas mudanças climáticas e nessa grande transição do trabalho sobre a qual já conversamos, trata-se de um desafio existencial. Você diz em seu livro que “os desafios de manter uma classe média ampla são maiores do que foram desde princípios do século 19, quando a classe média estava apenas começando a conquistar poder político”. A minha pergunta é: como a classe média reage a isso?
Homi Kharas: Acho que a questão principal é que a classe média precisa acolher as mudanças. E isso não é algo natural para ela. Historicamente, a classe média sempre tentou evitar mudanças e reduzir o grau de incerteza.
Mas precisamos de uma nova narrativa. Acho que a classe média precisa ter a confiança de que os empregos não são finitos, de que sempre haverá trabalho com sentido ou pelo menos a possibilidade de ocupar o tempo com sentido. O setor de cuidados é um exemplo de uma área nova e enorme na qual a ameaça da IA é minúscula.
Não parece uma boa ocupação de classe média agora porque é uma área que não está devidamente monetizada. Mas uma das coisas que precisamos fazer é passar a garantir que os preços que temos na nossa economia capitalista reflitam de fato a escassez de maneira adequada, e aí poderemos encontrar as formas mais eficientes de avançar.
Então, sendo bem franco, é a classe média que tem que inventar uma economia sustentável. Neste momento, não temos uma economia sustentável em nenhuma parte do mundo. E cabe à classe média tentar inventá-la.
Janet Bush: É uma grande responsabilidade.
Vamos terminar com algumas perguntas rápidas apenas para concluir a nossa conversa. O que o deixa mais pessimista?
Homi Kharas: Eu diria que, neste exato momento, a minha preocupação é com o fato de que, em muitos países, a política parece estar sendo influenciada por elites que ainda defendem os combustíveis fósseis, que ainda estão desperdiçando enormes quantidades de recursos materiais, que ainda acham que têm o direito de destruir a natureza, e elas estão retardando e obstruindo as intervenções governamentais rápidas de que precisamos.
Janet Bush: E o que o deixa mais otimista?
Homi Kharas: Acho que temos hoje bilhões de pessoas reunidas em coalizões voltadas às mudanças. Essas coalizões estão sendo encabeçadas pela classe média e vêm surgindo no mundo todo. Os jovens, em particular, estão liderando essas mudanças porque são eles que veem seu futuro como o mais ameaçado.
Janet Bush: Será que esses bilhões conseguirão criar vínculos fortes o suficiente entre si para fazer disso uma iniciativa verdadeiramente global?
Homi Kharas: Acho que, como eles têm em comum o desejo de levar uma vida boa, mesmo que não haja vínculos formais – o que significa que não vejo o surgimento de uma sociedade internacional de classe média, a qual, na verdade, surgiu no final do século 19 e início do século 20 para tentar estabelecer a chamada classe média internacional –, não vejo isso como sendo necessariamente a solução.
Mas se, em todos os países, a classe média impelir seu governo na mesma direção e se, certamente na maioria das grandes economias do mundo, temos agora uma classe média grande e vibrante, todos os governos serão pressionados a reagir de maneira semelhante. E teremos uma ação coletiva não porque os governos estejam tentando agir de forma cooperativa, mas só porque os governos estão reagindo a seu próprio eleitorado, que tem como base a classe média.
É assim que as mudanças vão ocorrer, penso eu. E estou animado para ver isso começar a acontecer agora em mais e mais países.
Janet Bush: Então não é poder para o povo, mas poder para o povo de classe média?
Homi Kharas: É lá que está o poder na nossa economia atualmente.
Janet Bush: Muito obrigada, Homi. Foi uma conversa fascinante. Eu apreciei muito a leitura do seu livro, então o recomendo aos nossos ouvintes.
Homi Kharas: Muito obrigado, Janet. Foi um prazer.