Em momentos difíceis, os orçamentos de marketing estão entre os primeiros a serem cortados. No entanto, tais cortes revelam falta de visão. Neste episódio de The McKinsey Podcast, Kelsey Robinson, sócia sênior da McKinsey, conversa com a coapresentadora e diretora editorial Roberta Fusaro sobre a importância de diretores de marketing adotarem uma mentalidade de investidor, isto é, de eliminarem gastos ineficientes e reinvesti-los em atividades de marketing de alto crescimento. Ao adotarem uma perspectiva de funil completo1 em suas estratégias de marketing, as empresas estarão mais aptas a enfrentar qualquer tempestade econômica que venha a surgir em seu caminho.
E em nossa série Rookie Moment, Alok Kshirsagar, sócio sênior da McKinsey, fala sobre tomar uma decisão difícil em um projeto de grande visibilidade.
A transcrição a seguir foi editada para maior clareza e concisão.
The McKinsey Podcast é coapresentado por Roberta Fusaro e Lucia Rahilly.
De centro de custos a gerador de receitas
Roberta Fusaro: Estamos falando de marketing e resiliência. Quando as coisas estão difíceis e os orçamentos precisam ser revistos, parece que marketing é sempre uma das primeiras funções a ser atingida. Por que isso?
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Kelsey Robinson: Você tem toda a razão. Marketing é sempre um dos primeiros itens a serem cortados. Quando líderes e empresas começam a se preocupar com a demanda, costumam logo pensar: “Já que há menos demanda, vamos gastar menos tentando conquistá-la para nós”. É um tipo comportamento e de fenômeno que vemos se repetir em todas as empresas.
Roberta Fusaro: Quando marketing está livre dessas pressões e dessas percepções, o que ele pode fazer pela empresa?
Kelsey Robinson: O que o marketing tem de melhor é a capacidade de impulsionar o crescimento. Diretores de marketing cientes disso fazem duas coisas: primeiro, adotam uma mentalidade de crescimento e definem aspirações mais ousadas para sua área. Segundo, reconfiguram marketing como um gerador de receitas, não um centro de custos. Eles o transformam em uma função de crescimento, e isso significa que precisam agir de modo diferente.
De modo geral, precisam impor um nível diferente de rigor – isto é, aplicar ao marketing uma espécie mentalidade de diretor financeiro ou de investidor. Qualquer que seja seu orçamento – grande, pequeno ou igual ao do ano anterior – o que eles podem fazer para assegurar que esteja sendo utilizado da melhor maneira possível?
As organizações e profissionais de marketing de melhor desempenho também se perguntam quais são os geradores de crescimento de próxima geração. E podem ser novas abordagens, como o marketing de funil completo, ou novas maneiras de conceber e efetuar gastos com mídia, como commerce media.2
Roberta Fusaro: Você poderia nos dar um exemplo de empresa que apostou tudo no marketing e como isso a ajudou a superar os concorrentes?
Kelsey Robinson: Você mencionou há pouco tempos econômicos mais difíceis. As empresas que dobram a aposta no marketing nesses momentos geralmente crescem acima da média do mercado. O que temos visto é que as empresas que focam o crescimento – quase sempre via marketing e outras funções – crescem 150 pontos percentuais mais do que seus concorrentes menos focados.
Houve uma agência de viagens que decidiu que não teria medo de se arriscar e, num desses momentos de incerteza, tomou algumas medidas importantes. Eles apostaram tudo no branding. Analisaram minuciosamente quais investimentos e quais partes do marketing apresentavam desempenho insatisfatório. É preciso ter em mente que isso ocorreu numa época em que o setor de viagens passava por forte desaceleração e muita disrupção. Mas eles resolveram avançar com tudo e lançaram a maior campanha da década. Com isso, conseguiram superar muitos de seus concorrentes e continuam superando-os até hoje.
Descubra onde economizar e reinvista
Roberta Fusaro: Como uma mentalidade de investidor se aplica ao mundo dos diretores de marketing?
Kelsey Robinson: Gosto de imaginar que isso significa que os diretores de marketing passam a pensar um pouco mais como diretores financeiros. O que nem sempre aconteceu no mundo do marketing. Se pensarmos na época retratada na série Mad Men [final dos anos 1960], marketing tinha muito pouco a ver com finanças. Adotar uma mentalidade de diretor financeiro significa avaliar implacavelmente os gastos ao longo de todo o portfólio. Significa descobrir onde o portfólio apresenta alto desempenho e merece mais verbas, e também onde o desempenho é insatisfatório e quais gastos ineficientes devem ser eliminados. Talvez seja este ou aquele mercado. Ou este ou aquele canal. Ou talvez sejam algumas pessoas do time de criação. Na verdade trata-se de olhar para a empresa como um todo e perguntar se o dinheiro está sendo alocado da maneira mais acrescente e eficaz possível para manter a organização numa rota contínua de alto crescimento.
Temos visto que, quando se adota esse rigor financeiro, logo são encontradas economias de 10% a 20%. Isso ocorre em quase todas as empresas. De modo que geralmente não é sequer necessário cortar o orçamento: basta pegar esses 10% a 20% e reinvesti-los na aquisição de novos clientes.
Roberta Fusaro: A respeito dessa realocação de recursos para oportunidades presumivelmente de maior valor, quais são as diferenças entre o processo de pensamento de um diretor de marketing e de um diretor financeiro? Envolve decisões rápidas ou bem deliberadas?
Kelsey Robinson: Na verdade, trata-se de decisões baseadas em dados. Por exemplo, talvez a empresa esteja gastando demais em uma campanha que, do ponto de vista da marca, parece certa, mas que ainda não conseguiu mostrar resultados consistentes em todos os mercados. Eu tive certa vez um cliente em situação similar que disse: “Talvez possamos testar essa ideia mais tarde e ver como fazê-la funcionar. Mas, por enquanto, vamos parar de desperdiçar esse dinheiro, pois não está correspondendo ao perfil de retorno dos nossos outros gastos.”
Adotando uma abordagem de funil completo
Roberta Fusaro: Você e a McKinsey definiram “marketing de funil completo” como a abordagem que combina dois tipos de estratégias: a construção de marca tradicional, (como anúncios em TV) e o marketing de desempenho (isto é, métricas de atividade online baseadas em dados). Por que o marketing de funil completo é tão importante?
Kelsey Robinson: Acho que o que houve nos últimos 15 a 20 anos foi que o marketing sofreu uma espécie de cisão da sua personalidade. De um lado, temos a construção de marca tradicional; de outro, o marketing de desempenho, isto é, tudo que provém do marketing de mecanismos de busca e que é perfeitamente mensurável. Posso saber neste exato instante se isso ou aquilo motivou uma venda, e posso rastrear isso minuciosamente.
O que aconteceu em muitas empresas, porém, foi que essa cisão – entre a construção de marca tradicional e o marketing de desempenho – acabou inibindo sua maneira de pensar. Pois se você pensar apenas no retorno imediato do investimento, jamais conseguirá construir sua marca. Jamais conseguirá gerar demanda, e sim apenas capturar demanda. O marketing de desempenho é ótimo para capturar a demanda que já está próxima.
Portanto, a noção de funil completo significa realmente poder pensar de alto a baixo e provar com dados e rigor que tudo é importante: desde a construção da marca até o último milímetro ou centímetro de captura da demanda.
Vou lhe dar um exemplo. Você investe em uma campanha de construção de marca no rádio e na TV. E então compara isso com os gastos em marketing para mecanismos de busca e em palavras-chave da marca para um produto específico. Neste último caso, é possível mostrar e comprovar o retorno do investimento.
Quanto aos anúncios em TV e rádio, eles podem ser ótimos se eu estiver entrando em um novo mercado ou precisar construir minha marca em uma região ou para um novo grupo de consumidores. Mas vai levar um certo tempo até que eu consiga provar que o reconhecimento e o valor da marca estão aumentando. Vai demorar um pouco até eu conseguir mostrar que isso se traduziu em crescimento da demanda.
Boa parte do trabalho que realizamos no marketing de funil completo consiste em descobrir como criar um ecossistema de mensuração que permita monitorar os alguns dos principais indicadores da parte superior do funil – a construção da marca.
Boa parte do trabalho que realizamos no marketing de funil completo consiste em descobrir como criar um ecossistema de mensuração que permita monitorar alguns dos principais indicadores da parte superior do funil – a construção da marca. Isso inclui até mesmo a capacidade de fazer coisas como testes comparativos de mercado que mostrem, por exemplo, diferenças nos resultados ao longo de dois meses entre gastar em uma cidade e não gastar em outra. É uma forma de provar que este ou aquele gasto realmente foi importante para a empresa, mesmo que não seja possível medir os resultados tão imediatamente quanto se gostaria. Acredito que diretores financeiros e de marketing esclarecidos terão paciência suficiente para entender que precisam ter ambos no mix. Se voltarmos nossa atenção apenas para o marketing de desempenho, acabaremos despertando um dia com uma marca raquítica.
Roberta Fusaro: Imagino que seria mais fácil adotar uma abordagem de funil completo, visto que ela permite ver tudo. É a adoção intencional de uma visão holística. Por outro lado, também me parece que possa haver algumas dificuldades.
Kelsey Robinson: Sim, tudo fica mais fácil quando já se chegou lá. E, para tanto, é preciso mostrar à organização o valor das partes intermediárias e superior do funil por meio de uma série de testes e indicadores ao longo do tempo. E isso não é fácil. Não existe uma ferramenta mágica para tal.
Muitas empresas tinham modelos de mix de mídias, por exemplo, que são ótimos. Esta é uma ferramenta. Mas ela não dá conta de tudo que ocorre nas partes intermediárias e superior do funil. O desafio do marketing de funil completo é que é preciso ter um sistema de mensuração integrado que inclua testes baseados em localização geográfica, incrementalidade e modelos de mix de mídias. Isso é difícil. É preciso paciência para realizar esses testes, explicar os resultados aos outros executivos e, em seguida, elaborar um plano baseado neles. Mesmo assim, será preciso refazer periodicamente os testes para ter certeza de que os resultados continuam válidos. De modo que, sim, acho que você tem razão. Conceitualmente, parece fácil. Mas, na prática, é bem mais difícil.
Commerce media – o ecossistema e os clientes da empresa
Roberta Fusaro: Interessante. Gostaria de retomar agora a noção de commerce media. De acordo com uma pesquisa recente da McKinsey, espera-se que a commerce media gere mais de $100 bilhões em receitas para empresas dos EUA até o final de 2026. Como funciona a commerce media?
Kelsey Robinson: A commerce media é, de fato, uma mudança de paradigma na publicidade digital em termos de como anúncios são comprados e otimizados. A Amazon já tem uma espécie de rede de commerce media há algum tempo. Valendo-se do volume de visitantes e compradores intencionais em seu site, a Amazon oferece a fornecedores terceirizados ou de marca própria um mecanismo de anúncios que lhes permite tornar seus produtos mais visíveis e centrais ao consumidor.
Ou seja, em vez de uma empresa adquirir anúncios em mecanismos de buscas ou mídias sociais para direcionar possíveis clientes a seu site, a Amazon oferece-lhes clientes que já estão no seu ecossistema de commerce media. E como esse sistema sabe muitas coisas sobre muitos clientes, a Amazon pode chegar ao fabricante do aspirador XYZ e lhe dizer: “Tenho muitas informações sobre esses clientes e o que eles estão procurando, de modo que posso ajudar vocês a colocar seu produto diante deles e dos nossos melhores compradores”.
Trata-se, portanto, de uma grande mudança de onde os anúncios acontecem e dos dados que utilizam. Em termos práticos, o que a commerce media faz é: ajudar a conectar de forma mais direta os gastos com publicidade e os clientes, melhorar a segmentação de anúncios [ad targeting] e oferecer melhores insights sobre o público de cada marca.
Roberta Fusaro: Existem desafios específicos associados à implementação da commerce media? Afinal, uma grande organização como a Amazon é apenas uma aplicação, um caso de uso, uma história.
Kelsey Robinson: A commerce media requer um caso de negócio e precisa ser construída. Mas se você for um varejista de produtos variados e tiver muitos produtos diferentes vendidos para muitos tipos diferentes de compradores, então existe sem dúvida o potencial de você se beneficiar dela.
Um número cada vez maior de varejistas começa a oferecer redes de commerce media. Por exemplo, uma empresa avalia o que pode oferecer a seus fornecedores e clientes, qual é o valor disso e, em seguida, o que precisa construir para tornar isso uma realidade. Isso requer um trabalho inicial de engenharia para efetivamente colocar os anúncios nos lugares certos ao longo de toda a experiência de compra. E requer também conectividade de dados e uma reflexão real sobre a privacidade desses dados. Quais dados posso utilizar e quando devo efetivamente aumentar a segmentação dos anúncios?
Roberta Fusaro: Certo. Definitivamente, é algo a que devemos estar atentos. Mas vamos retomar nossa conversa sobre cortes no orçamento de marketing em tempos de incerteza. Se eu sou um diretor de marketing e quero impedir que meu orçamento seja cortado, o que posso dizer à alta liderança para sinalizar que o marketing é, na verdade, uma parte crítica da recuperação e da resiliência futura da organização?
Kelsey Robinson: Há três coisas que eu faria e todas envolvem uma mentalidade de investidor. A primeira é trazer alguns dados externos sobre os consumidores. Os tempos podem ser incertos, mas os consumidores ainda têm dinheiro para gastar. Não podemos perder parte da demanda que existe e continua crescendo. De modo que eu utilizaria alguns desses indicadores externos.
A segunda coisa que eu faria é apresentar dados que mostrem claramente quais as partes do marketing que realmente geram valor para o negócio. Uma forma de fazer isso é apresentar exemplos de alguns canais específicos cujos dados mostram de maneira quase irrefutável o verdadeiro retorno que cada um gera para o negócio. Esses exemplos podem ser a inauguração de uma loja ou um tipo de campanha.
A terceira coisa que eu faria seria pedir um plano conjunto para o futuro. Eu provavelmente falaria sobre a noção de fund & fuel.3 Isso implicaria uma avaliação rigorosa e detalhada do destino de nossos gastos e dos bolsões de oportunidades existentes. E discriminaria onde eu acho que o dinheiro não está sendo gasto da melhor maneira possível. Poderíamos então discutir qual seria o melhor destino para esse dinheiro. Poderia contribuir de alguma maneira para os resultados financeiros da empresa? Ou haveria como reinvesti-lo em alguns dos canais de alto desempenho que mencionei, como a aquisição de clientes? Eu tentaria criar um espírito de parceria, porque é bem possível que venham me pedir para encontrar esse dinheiro. A questão é como pensar ao mesmo tempo na melhor utilização desse dinheiro para a empresa.
Roberta Fusaro: São orientações bastante sólidas, Kelsey. Muito obrigada.
Propósito antes do lucro
Lucia Rahilly: Como fazer o melhor uso possível do dinheiro disponível era algo que estava na mente de Alok Kshirsagar, sócio sênior da McKinsey, quando percebeu que certo projeto era só conversa e pouca ação.
Alok Kshirsagar: Após alguns ótimos anos em Nova York, fui transferido para Londres e sentia que estava pronto para liderar uma equipe. Estávamos trabalhando com um fascinante startup de tecnologia e havia muitas pessoas diferentes envolvidas espalhadas por toda a Europa.
Eu me dediquei plenamente a liderar essa equipe e estávamos fazendo um trabalho fantástico. As avaliações iniciais foram excelentes e havia muito entusiasmo. Mas então paramos para pensar e percebemos que seis a oito semanas haviam passado e, embora houvéssemos produzido algumas ótimas apresentações, onde estavam os resultados?
Agendamos uma reunião da equipe e dissemos: “Não podemos ficar apenas produzindo apresentações PowerPoint. É preciso que, a partir de tudo isso, algo aconteça.” E nos demos conta de que, na verdade, todas aquelas pessoas que haviam se unido naquele projeto não estavam trabalhando com um propósito comum. Não tinham uma meta específica. Estavam apenas conversando entre si através da McKinsey.
E como era a minha primeira vez liderando uma equipe em um novo mercado, lembro-me de ter procurado meu sócio sênior na época e dito a ele: “Estou bastante preocupado que este possa se tornar um projeto com muita atividade, mas nenhum impacto.” Sabe o que ele fez? Foi algo que me inspira ainda hoje. Ele ligou para o CEO e disse: “Estou prestes a dissolver essa equipe, porque não acho que você obterá o impacto que deseja. E não estou aqui para colocar uma equipe em ação se ninguém vai obter ter resultados com ela.”
O CEO ficou chocado. Aquela startup de tecnologia alcançara muita notoriedade na época; chegou a ser notícia de primeira página nos jornais.
Ainda sou profundamente grato a esse sócio sênior por ele ter defendido o que era certo. Estava disposto a cancelar o que havia sido uma iniciativa de grande visibilidade porque não havia condições de ela ter impacto – uma lição que me estimula até hoje. Sempre pergunto a mim mesmo, aos meus clientes e à minha equipe: “Estamos fazendo de tudo para haja condições disso ter impacto? As pessoas estão alinhadas? Estão dispostos a agir? Estão motivadas a agir? Vão trabalhar juntas ou atuar separadamente?” Para mim, como líder novato de uma equipe. esta foi a maior lição que aprendi: que, como líder, você tem o direito de fazer essas perguntas, e que seus colegas as levarão adiante para garantir que todos estejam adequadamente preparados.