Neste episódio de Inside the Strategy Room, trazemos uma discussão sobre a resiliência geopolítica: de que se trata, por que as empresas precisam dela e como desenvolvê-la na sua organização. Conversamos com Ziad Haider, diretor global de risco geopolítico da McKinsey, Leo Geddes, colíder de nosso atendimento ao cliente em geopolítica, e Olivia White, diretora do McKinsey Global Institute, sobre como se nortear em meio à dinâmica em processo de mudança. Esta é uma transcrição editada da conversa deles. Para mais conversas sobre as questões estratégicas mais relevantes, acompanhe a série na sua plataforma de podcast preferida.
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Sean Brown: Como a dinâmica geopolítica está mudando?
Olivia White: Temos observado uma tensão geopolítica crescente, desde a mudança do papel da China até a relação tensa entre esta e os EUA, passando pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Estamos vivendo em um mundo de fortes conexões econômicas e, ao mesmo tempo, de fragmentação geopolítica, e todos que atuam nos negócios hoje têm que lidar com essas duas realidades. É um mundo multipolar (Quadro 1). Desde o final da 2ª Guerra Mundial, aproximadamente, os países alinhados aos EUA foram responsáveis pela maior parte dos recursos materiais do mundo, simultaneamente à firme ascensão da União Soviética. Isso mudou drasticamente com a dissolução desta última. De lá para cá, a China vem ascendendo.
Sean Brown: Recentemente, tem-se falado sobre o fim da globalização. Suas pesquisas respaldam essa visão?
Olivia White: O fato é que, nos últimos dez anos, o comércio global vem crescendo aproximadamente ao mesmo ritmo que o PIB. O comércio entre os EUA e a China no ano passado foi mais substancial do que nunca. As conexões relacionadas a esse crescimento contínuo do comércio são reais.
Esse arranjo do comércio internacional é importante para qualquer empresa que esteja pensando nas implicações da tensão geopolítica em suas operações. A Ásia-Pacífico, a China e a UE são bastante dependentes de outras regiões para a maior parte de suas necessidades de recursos, como minerais, energia e cereais. Por outro lado, muitas economias em desenvolvimento são fornecedoras líquidas desses recursos para outras regiões. A América do Norte é um caso misto – não tão dependente de nenhuma região para nenhum recurso específico, mas um pouco dependente de todas as regiões para todos os recursos. Por fim, a China e muitas regiões em desenvolvimento são altamente dependentes de outras no que diz respeito à propriedade intelectual. A natureza dessas conexões evolui ao longo do tempo, mas bem devagar. Você observa apenas um ou dois pontos percentuais de mudança em um determinado ano.
Sean Brown: Quais vulnerabilidades dessas conexões econômicas podem afetar as operações das empresas?
Olivia White: Quarenta por cento do comércio global está concentrado, o que significa que a economia importadora depende de três outras economias ou menos para seus bens ou serviços. Dois tipos de concentração deixam um país – e, possivelmente, as empresas dentro dele – mais vulneráveis a disrupções. O primeiro tipo é a concentração global, em que a maior parte de um bem específico é fornecida por dois ou três países. A soja é um ótimo exemplo: a maioria das exportações de soja é proveniente dos Estados Unidos e do Brasil (Quadro 2). O segundo tipo, que corresponde a cerca de 30% do comércio global, é a concentração específica, na qual os países compram de apenas dois ou três países fornecedores, mesmo havendo múltiplas opções. Vejamos o trigo: cerca de 15 países fornecem por volta de 90% do trigo do mundo, mas a Turquia compra quase todo o seu trigo da Rússia e da Ucrânia. As bananas são um caso interessante: a Rússia compra 95% de suas bananas do Equador, apesar de vários países produzirem bananas. Isso ressalta que as empresas dependem do que está acontecendo em apenas algumas partes do mundo.
Sean Brown: Então, em caso de disrupção, é mais fácil comprar alguns bens de outro país ou encontrar substitutos para outros?
Olivia White: Sem dúvida, mas o tempo que se leva para mudar de um bem para outro varia enormemente. Por exemplo, o trigo que eu compro da Rússia é, em grande medida, o mesmo que eu compro da Ucrânia, do Canadá ou da Argentina; isso não vale para chips de computador. Eu poderia optar por me alimentar ou alimentar meu gado com milho ou soja em vez de trigo, se necessário, mas não vou mudar de chips de memória para diamantes, por exemplo.
As multinacionais estão no meio dessa tempestade. Elas realizam conexões econômicas em número desproporcional no mundo todo e, portanto, são influenciadas de maneira desproporcional pela fragmentação global e pela incerteza que isso gera (Quadro 3). As multinacionais são responsáveis por 32% dos fluxos globais de bens de valor agregado e 64% das exportações. Quando se trata de bens baseados no conhecimento, como produtos eletrônicos ou farmacêuticos – itens que costumam ser menos substituíveis –, esse número sobe para 82%.
As multinacionais estão no meio dessa tempestade. Elas realizam conexões econômicas em número desproporcional no mundo todo e, portanto, são influenciadas de maneira desproporcional pela fragmentação global e pela incerteza que isso gera.
Sean Brown: Como essas dependências comerciais funcionam para os diferentes tipos de multinacionais?
Olivia White: Para exemplificar, fizemos simulações com relação a empresas automotivas par ver o impacto de uma disrupção nos fluxos de comércio global e encontramos uma redução de 40% a 60% no valor da empresa. Muitas empresas vêm se perguntando se devem sair de algumas regiões ou isolar suas operações. Descobrimos que isso depende da natureza das conexões e que, portanto, depende, em grande parte, do tipo de empresa. Dividimos as multinacionais em quatro arquétipos: fabricantes e entregadoras, como empresas automotivas e de varejo; abastecedoras, como empresas de petróleo e gás; descobridoras e tecnólogas, como fabricantes de produtos farmacêuticos ou semicondutores; e financistas. Quando uma empresa se pergunta sobre o que pensar de suas operações com a China, a resposta é muito diferente se você vende para a China ou se produz na China. É importante distinguir entre as diferentes formas de interdependência e o respectivo valor que está em jogo.
Sean Brown: Ziad, você trabalhou na segurança nacional dos EUA antes de entrar na McKinsey. Qual é a sua opinião sobre essas mudanças geopolíticas?
Ziad Haider: Como a Olivia ressaltou, o mundo nunca esteve tão conectado do ponto de vista econômico, mas também estamos vivenciando uma fragmentação maior do que nunca em toda a nossa vida. É meio que um paradoxo global. Se você pensar na estratégia de segurança nacional que o governo dos EUA divulgou em outubro passado, a principal expressão foi “década decisiva”. A antiga hiperpotência que levou à hiperglobalização reconhece que estamos em uma era diferente, que os EUA estão competindo agora com outras potências e que os termos dessa competição serão estabelecidos nos próximos dez anos.
O mundo nunca esteve tão conectado do ponto de vista econômico, mas também estamos vivenciando uma fragmentação sem precedentes. É um paradoxo global.
Há uma ruptura significativa na Europa em meio à invasão da Ucrânia pela Rússia. A disrupção que ela vem causando custa vidas humanas. Assim, não podemos pensar nisso apenas em termos comerciais. As repercussões energéticas, estratégicas e de defesa têm sido um divisor de águas. Basta olhar para a Finlândia e a Suécia, que, durante muito tempo, mantiveram distância da OTAN, mas recentemente decidiram aderir a ela. Veja a postura da Alemanha em termos do orçamento de defesa e a postura de outros países da Europa com relação à energia.
A outra grande ruptura está no Indo-Pacífico, que teve um longo período de estabilidade e paz. Do ponto de vista ocidental, o lema a respeito do relacionamento da China com o Ocidente é “eliminar o risco, mas não eliminar a conexão”. Há um desejo de conquistar setores da economia nos quais há aspectos delicados de segurança nacional, mas há também um reconhecimento dos fluxos que a Olivia a exemplificou. Uma autoridade dos EUA com quem conversei recentemente disse que é muito difícil fazer uma cirurgia em gêmeos siameses.
O terreno debaixo de tudo isso está se movimentando porque estamos passando de um mundo unipolar para um mundo multipolar. Esse elemento de multipolaridade criará mais pontos de atrito cujo impacto chegará às empresas.
Sean Brown: Essas são preocupações importantes na mente dos altos executivos?
Ziad Haider: Em nossas pesquisas que analisaram os principais itens da pauta dos conselhos e CEOs, é a geopolítica, e ela saiu do campo de ação das relações governamentais e dos diretores de risco para o dos CEOs e dos conselhos. Como um CEO nos disse, “a geopolítica hoje fala mais alto do que os mercados de capitais”. Outro disse que “agora temos uma boa compreensão do problema, mas não temos boas soluções”. O enquadramento que usamos é o da resiliência geopolítica. É fácil falar de riscos, mas também há oportunidades dentro dessas correntes geopolíticas em processo de redirecionamento.
Sean Brown: Antes de falarmos das soluções, você poderia identificar quais rupturas são mais significativas para as estratégias das empresas?
Ziad Haider: Um ponto a ser observado é, sem dúvida, o comércio internacional com as diferentes barreiras em vigor atualmente. O segundo é a tecnologia. O terceiro são as questões de direitos humanos, que não têm a ver apenas com valores, mas têm implicações empresariais difíceis para as cadeias de suprimentos. O quarto é a política interna, não apenas nas capitais dos EUA e da Europa, mas também na da China.
Sean Brown: Dada sua influência econômica, as multinacionais estão exercitando seus músculos para influir nas medidas governamentais de seus países relativas à geopolítica?
Ziad Haider: A Olivia mencionou a influência de forças internas – seus funcionários esperam que você assuma uma posição de princípio. Outro aspecto, no entanto, é que se trata um pouco de “moldar ou ser moldado”. Em termos práticos, o papel dos negócios é serem meio que um canal; então, que conectividade nodal as empresas podem propiciar? Muitas empresas estão tendo que enfrentar os resultados ruins dessas fissuras externas, sendo que colegas de diferentes mercados têm visões diferentes a partir da sede da empresa. Como lidar com esses pontos de vista e manter a dinâmica de uma empresa única?
Sean Brown: Como as empresas podem desenvolver resiliência geopolítica e gerir essas dinâmicas de maneira proativa?
Leo Geddes: Vemos três conjuntos de ações. O primeiro é a ideia de sentir e entender. As melhores organizações estão desenvolvendo maneiras de entender o mundo ao seu redor – por exemplo, por meio de análise de sentimentos auxiliada por IA ou análise de mídia mesclada com sua própria interpretação do que elas veem na linha de frente. Elas então levam isso de volta aos tomadores de decisões de uma maneira fácil de digerir. Também se certificam de ter um conjunto de cenários que abrangem as eventualidades extremas que podem surgir em seu caminho e os “rinocerontes cinzentos” – coisas que você consegue ver chegando, mas que precisa tomar medidas para gerir. A terceira parte de sentir e entender está relacionada aos ciclos de feedback. Considerando-se as externalidades em mudança, as organizações precisam ser capazes de aprender e de se adaptar, o que requer estruturas e sistemas que permitam aos líderes mudar sua abordagem e sua postura à medida que surjam novas informações.
Sean Brown: Além da coleta e interpretação de sinais e da preparação para diferentes eventualidades, que outras medidas você está observando?
Temos observado repetidas vezes a importância do conselho em ajudar a direcionar a organização enquanto esta lida com externalidades geopolíticas. Não se pode ter uma situação na qual a primeira vez que o conselho fala sobre um problema é quando já virou uma crise.
Leo Geddes: Essa segunda área se refere a desenvolver capacidade e a organizar. Temos observado repetidas vezes a importância do conselho em ajudar a direcionar a organização enquanto esta lida com externalidades geopolíticas. Não se pode ter uma situação na qual a primeira vez que o conselho fala sobre um problema é quando já virou uma crise. É importante incutir nos conselheiros a mentalidade de que será esperado deles que liderem em assuntos geopolíticos e de que precisam começar a discutir como reagir a várias circunstâncias.
Também é necessário colocar a geopolítica no centro da sua tomada de decisões, porque essas questões podem influenciar as decisões em toda a organização. Por fim, as empresas devem criar estruturas para cumprir essas decisões. Na prática, isso significa garantir que, em termos jurídicos, de risco e de comunicações, suas equipes estejam operando em estreita colaboração com as unidades de negócios.
Sean Brown: E o terceiro conjunto?
Leo Geddes: É relacionado a agir e se comunicar. Você deve pensar na configuração organizacional e na segmentação. Por exemplo, você precisa ter a sua tecnologia e os seus dados em uma região e não em outra? Você precisa pensar em abordar os mercados de capitais do país X para obter recursos a serem usados nesse país? Também precisa ter uma narrativa clara e reconhecer que ela chegará tanto aos seus stakeholders externos – acionistas, autoridades reguladoras, clientes – quanto aos internos, ou seja, os seus funcionários. Os profissionais têm agora sua própria voz, e as empresas podem ser desmascaradas rapidamente se forem consideradas inautênticas, com uma narrativa externa e outra interna.
O aspecto final é que, embora a geopolítica aconteça no nível nacional, ela é sentida profundamente no nível pessoal. Os líderes precisam ter conversas difíceis sobre assuntos geopolíticos de uma forma que seja genuinamente inclusiva e que permita o desenvolvimento de uma visão comum, ou pelo menos uma discussão aberta. Seus funcionários estão procurando esses sinais para ter uma ideia do seguinte: “eu me encaixo aqui? Nossa organização gira em torno de quê? Ela me entende como indivíduo e a nós como grupo?” Quero enfatizar que os aspectos da resiliência nesses três conjuntos não são um cardápio para você escolher, mas um conjunto abrangente de medidas que todas as organizações devem tomar.
Sean Brown: Você pode dar algumas dicas práticas sobre como desenvolver essas dimensões da resiliência?
Ziad Haider: Na categoria de sentir e entender, você tem uma base de referência comum de fatos? Fornecer atualizações mensais pode melhorar o entendimento desses tópicos pela liderança e separar o ruído do sinal em termos do que é importante para a organização. Você também precisa decidir quem desenvolve e coordena esse conteúdo – a área de relações com o governo ou a de estratégia? Muitas organizações estão defendendo unidades específicas para medidas governamentais ou risco geopolítico.
Quando pensamos em supervisão, é fácil focar em países que estão em alerta vermelho de risco geopolítico, mas é necessário olhar a sua presença global por uma lente mais ampla. Um método que vimos os clientes empregarem é uma atividade de mapeamento que diferencia vários graus e categorias de risco geopolítico. Pense também em controles para implementar em cada mercado que o ajudem a gerenciar o risco, sendo que, todos os meses, a equipe de liderança ou o conselho analisa esse documento. Isso cria uma maneira disciplinada de falar de risco geopolítico, em vez de o assunto ser empurrado para fora do seu foco pelo próximo evento ou a próxima manchete.
Sean Brown: Como as empresas podem mapear riscos geopolíticos distantes e improváveis, os chamados cisnes negros, e outros eventos desconhecidos ou inesperados?
Ziad Haider: Muito do que acabamos de discutir foi sobre gerenciar o curto prazo. Igualmente importante, e ainda mais após a invasão da Ucrânia pela Rússia, é a necessidade de olhar o que vem pela frente. Podem-se, hipoteticamente, apresentar algumas ideias. Será outra pandemia? Será uma catástrofe climática? Há eventos que, como a COVID-19, podem causar uma disrupção total nas suas cadeias de suprimentos? Você também precisa pensar nos rinocerontes cinzentos que o Leo mencionou – os riscos conhecidos. Eles estão vindo para cima de você. Como você vai sair do caminho?