Como saber qual é o momento certo para partir? Como preparar a próxima geração de líderes para o sucesso? Neste episódio do podcast Inside the Strategy Room – o último de uma série sobre a jornada do CEO – três especialistas discutem os principais elementos de uma transmissão de cargo bem-sucedida. Carolyn Dewar, coautora de nosso recente bestseller, Os melhores CEOs, fundou e colidera a prática CEO Excellence da McKinsey; Blair Epstein, importante colaborador daquele livro, é líder na prática CEO Excellence; e Kurt Strovink dirige nossa Global CEO Initiative. Esta é uma transcrição editada de sua conversa.
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Sean Brown: Na última etapa do mandato de um CEO, quais são os desafios específicos que esses líderes enfrentam?
Kurt Strovink: Nessa fase, o CEO já se assentou. Já realizou muitas coisas e é hora de pensar na próxima fase de crescimento e desenvolvimento da empresa. Os melhores CEOs tendem a saber intuitivamente que o modo de prepararem a geração seguinte será vital para seu próprio legado e, institucionalmente, para a empresa. Mas a transição efetiva é complicada por vários fatores.
Um deles é que, muitas vezes, este é um evento inédito na carreira do líder. Mesmo os CEOs mais lendários talvez não tenham passado por tal transição. Além disso, não é nada fácil determinar o momento certo e comprometer-se com ele. Como nos disse Lloyd Blankfein, ex-CEO do Goldman Sachs: quando as coisas vão mal, você não pode partir; e quando as coisas vão bem, você não quer partir. De modo que é preciso pensar no que é certo não apenas para você, mas também para seu sucessor. Por último, você deve considerar o que fará depois. Existe vida depois de ser CEO, mas os líderes muitas vezes ficam no cargo porque não sabem ao certo o que farão a seguir.
Sean Brown: Como saber quando é hora de começar a preparar uma saída digna?
Kurt Strovink: É natural ter hesitações quanto ao momento certo se você ainda não refletiu a fundo sobre os sinais ou indicadores de que é hora de partir. Um desses sinais é você sentir que o mundo ao seu redor está mudando num ritmo tal que suscitará uma nova curva S, isto é, uma nova fase de crescimento, para a qual não se julga preparado. Outro é achar que a próxima geração está pronta para assumir o controle e que a empresa poderá se beneficiar dessa nova energia. Uma consideração complementar pode ser que, caso você não deixe o posto, esses possíveis sucessores partirão. Os CEOs devem pensar em investir no desenvolvimento da próxima geração se quiserem que essa geração seja bem-sucedida. A sensação de que você já deu tudo o que podia dar à organização é outro indicador. E quando você já sabe o que as pessoas vão dizer antes mesmo de elas abrirem a boca, este é um indício de que você já não está aprendendo muita coisa.
Sean Brown: Se você não tem certeza de que a próxima geração está pronta, qual o erro menos grave: partir antes da hora ou permanecer tempo demais?
Kurt Strovink: Nosso conselho é que você se prepare para partir cedo. Não se trata apenas de os sucessores estarem preparados, mas também da maturidade do diálogo sobre sucessão com o Conselho e, às vezes, do impacto de eventos externos. Se as pessoas sentirem que você saiu quando estava por cima, ficarão bem impressionadas com sua escolha. Um CEO citou pessoas de sua vasta rede de contatos que, a seu ver, haviam partido tarde demais, mas então ele próprio percebeu o quanto é difícil planejar uma saída antecipada.
Sean Brown: Como as opiniões de pessoas de fora da organização podem ajudar o CEO a decidir qual é momento certo?
Kurt Strovink: As influências de fora têm um papel importante. Esses fatores externos podem incluir um ativista que esteja pressionando por um CEO diferente, ou eventos no mercado e no setor para os quais você acha que outra pessoa seria mais apta. No banco australiano Westpac, Gail Kelly realizou um trabalho incrível de intensificar o foco no cliente, mas quando o banco começou a migrar para um futuro digital, ela concluiu que chegara a hora de um líder mais capacitado nessa área.
Carolyn Dewar: Fatores externos também podem pender a decisão para o outro lado. Quando houve a pandemia, muitos CEOs que talvez estivessem prontos para partir decidiram permanecer em nome da continuidade. E agora há espécie de onda reprimida de partidas. Kurt e eu estivemos recentemente com um CEO da Ásia que queria ter ido embora, mas o Conselho pediu que permanecesse. Ouvimos isso frequentemente; às vezes, os Conselhos têm tanta aversão a mudanças na liderança quanto os CEOs.
Sean Brown: Como você sugeriria que um CEO trate a questão da transição com o Conselho e com a organização para que ninguém questione sua dedicação ao cargo?
Kurt Strovink: Para o Conselho, o tema da sucessão está em aberto desde o primeiro dia. Pensar em criar um pipeline sucessório não significa falta de compromisso; é um sinal de boa liderança. Para evitar mal-entendidos, enfatize ao Conselho desde o início que você deseja pensar na sucessão, não porque planeja partir em breve – eles serão os juízes disso – mas porque você acha importante preparar vários candidatos fortes. Quanto à equipe sênior, recomendo esperar até o momento da transição estar próximo. Você não quer o transtorno de as pessoas ficarem especulando quem será o próximo CEO.
Blair Epstein: Esta é uma pergunta que os clientes costumam nos fazer. O planejamento da sucessão deve começar já no primeiro dia no cargo. Brad Smith, da Intuit, descreveu que foi orientado em seu primeiro dia como CEO a iniciar o planejamento sucessório naquele mesmo dia. Também falou sobre sucessão em sua primeira reunião com o Conselho, e subsequentemente apresentou briefings orais todos os trimestres e um briefing formal anual. Ao longo de 11 anos como CEO, discutiu a questão com o Conselho 44 vezes.
Pode parecer estranho dizer: “Bom dia, sou seu novo CEO. Vamos conversar sobre minha substituição”. Mas, se fizer isso, evitará uma das dinâmicas a que Kurt aludiu. Você não pode permitir que a sucessão se torne uma competição política. Isso é incrivelmente destrutivo para a saúde da equipe sênior, e as questões políticas repercutirão por toda a organização. A abordagem de Gail Kelly foi ser franca e direta com possíveis candidatos: “Estamos tentando prepará-lo para a liderança. Estas são as possíveis trajetórias que você poderá seguir e tornar-se CEO pode ser uma delas”. Ela deixou igualmente claro que qualquer tipo de politicagem seria inaceitável.
Contudo, é importante que você pense na sucessão não apenas como sua substituição, mas também como o desenvolvimento da liderança para sua equipe. Você precisa fazer as jogadas de xadrez que forem necessárias para ajudar seus possíveis sucessores a se prepararem para o cargo. Piyush Gupta, do DBS Bank, trabalhou com seu diretor de RH para avaliar uma extensa lista de candidatos e acabaram chegando a 100 líderes de alto potencial cujas carreiras eles acompanhariam de perto. Isso significava coaching, ajudá-los a compreender a função e colocá-los deliberadamente em situações em que pudessem aprender e se destacar – por exemplo, rodízios em que líderes funcionais pudessem adquirir experiência operacional, ou projetos de grande visibilidade e prazos rígidos nos quais pudessem demonstrar liderança empresarial.
Sean Brown: Qual a sua opinião sobre nomear um CEO-adjunto como o sucessor designado a fim de facilitar a transição e eliminar os riscos das disputas políticas?
Blair Epstein: Existem vários tipos de cargos que poderiam ser chamados de CEO-adjunto, mas o título não significa necessariamente que seu ocupante será o sucessor. Às vezes, os líderes criam essas posições de “presidente” ou “príncipe herdeiro” para elevar o perfil de alguém e permitir que ele ou ela adquira uma gama mais ampla de experiências, inclusive com stakeholders externos.
Quanto à sua pergunta, tenho que dar a temida resposta dos consultores: “depende”. Pode parecer uma ótima ideia, pois dará ao indivíduo um tempero extra: você está lá para treiná-lo e apoiá-lo, e ele pode até se tornar uma espécie de CEO com rodinhas de treinamento. Mas as coisas podem dar errado: em termos da clareza do cargo, se as pessoas não souberem quem toma a decisão final, a organização pode ir ficando para trás. Se você e o CEO-adjunto não apresentarem uma frente única, as pessoas talvez acabem lançando um contra o outro, intencionalmente ou não. O arranjo também pode ser mal interpretado como falta de confiança no seu vice se for percebido que você colocou as rodinhas de treino por achar que ele não estava preparado.
Mas isso pode fazer sentido no caso de haver um sucessor claro. Desde que você consiga aguentar a saída daqueles que queriam ser o sucessor e acredite ser capaz de gerenciar alguns daqueles inconvenientes que mencionei. E também se acreditar genuinamente, de coração, que está fazendo isso para preparar a próxima geração.
Kurt Strovink: É melhor nomear um CEO-adjunto seis ou 12 meses antes de sua partida do que dois anos ou mais, porque ficaria parecendo que você está “empurrando com a barriga” e exigiria pensar de forma diferente sobre o modelo de operar da liderança. Outro ponto a considerar é o título: “CEO-adjunto” faz as pessoas se perguntarem “Por que não CEO?”. Existem outros títulos, como presidente ou diretor de operações, que talvez façam mais sentido para a organização – ainda mais a dois anos da sucessão.
Sean Brown: O que um CEO deve fazer quando não há sucessores internos naturais?
Blair Epstein: Alguns dos CEOs com quem conversamos foram bastante francos ao dizerem que, se não houver pelo menos três candidatos internos à sucessão – nem todos perfeitos, nem todos prontos ao mesmo tempo –, você não terá feito bem seu trabalho. Isso porque, na maioria dos casos, se você colocar as pessoas certas nas funções certas, as chances são de que pelo menos uma delas possa um dia se tornar CEO. Além disso, tenha em mente que o planejamento sucessório pode envolver a sua rede externa de contatos e o estabelecimento de boas relações com pessoas que você acha que têm condições de sucedê-lo.
Os planos de sucessão começam com uma visão clara do que seria um bom CEO para a organização. Dada a curva S que você imagina que a empresa seguirá em seguida, qual a combinação de experiência, conhecimentos e qualidades de liderança que o próximo líder deve trazer para o cargo? Use isso como seu norte para desenvolver líderes internamente. O importante é que isso deve ser feito em parceria com o Conselho. Em última análise, a sucessão não é uma decisão sua.
Sean Brown: Uma vez escolhido um novo CEO, qual é a melhor maneira de preparar a transmissão do cargo?
Blair Epstein: O primeiro passo é estabelecer uma relação com seu sucessor e manter um diálogo explícito e aberto sobre como a transferência ocorrerá. A tarefa de seu sucessor não é ser o próximo você; portanto, vá pensando em como deixar isso bem claro. Ajude-o a entender o que significa ser seu próprio CEO, especialmente se for um sucessor interno que o admira ou de quem você foi mentor.
Outra consideração importante é resolver quaisquer questões desagradáveis, mas importantes, que possam estar pendentes. Michael Fisher, ex-CEO do Hospital Infantil de Cincinnati, falou sobre o fato de ter um capital político que seu sucessor não tinha. Como gastar esse capital para garantir que não se está passando adiante alguma complicação?
Além disso, é preciso definir uma abordagem de transição. Clareza sobre o que o cargo implica é fundamental nessas fases, como dissemos em relação à dinâmica do CEO-adjunto. As pessoas têm que saber quem está no comando, quem está fazendo o quê, e o seu sucessor precisa se sentir apoiado. Em casos de transição interna, muitas vezes há uma fase de seis a nove meses em que você toma as decisões nos primeiros dois meses e vai dando oportunidades a seu sucessor (que pode ou não já ter sido nomeado publicamente) para se pronunciar, seguir seus passos, aprender protegido por uma rede de segurança. Na fase seguinte, vocês atuarão mais como copilotos – mas não deixe que essa fase se prolongue por tempo demais. Depois, há a fase em que você se afasta; você continua lá para aconselhar e apoiar, mas vai se distanciando das operações até, por fim, deixar formalmente a organização.
A última etapa é sair da frente, o que pode ser incrivelmente difícil. Portanto, vá pensando em como enfrentaria uma situação em que, por exemplo, um membro do Conselho, um investidor, um cliente ou um alto executivo liga para você e pergunta: “Não sei se o novo CEO está lidando bem com tal situação; será que você poderia me ajudar a resolvê-la?”. Você tem que dar a seu sucessor espaço para agir.
Sean Brown: Você tem algum conselho que possa compartilhar sobre como enfrentar essa fase final?
Blair Epstein: Uma ferramenta que julgamos útil é elaborar um plano para os últimos 100 dias. Novos CEOs fazem planos para os primeiros 100 dias o tempo todo e deveriam ter a mesma disciplina ao saírem. Primeiro, pense em como você concluirá seu legado. O que fará para rematar sua estratégia atual? Você deve envolver seu sucessor nas decisões com as quais ele terá que conviver. Por exemplo, nada de realizar unilateralmente fusões e aquisições transformadoras. E, para solidificar seu legado, será bom para você e para a organização dar um desfecho ao seu mandato. Faça as últimas rondas, converse com as pessoas, agradeça-as e deixe que elas também lhe agradeçam.
Em seguida, pense no tipo de presente de despedida que dará a seu sucessor. Existem decisões difíceis – sobre pessoas, aprovações de orçamentos, enxugamento do portfólio – que você pode tomar para que não recaiam sobre os ombros do novo CEO? Outro bom presente de despedida é defender publicamente seu sucessor e transmitir a todos a confiança que deposita nele. Em toda conversa que tiver, como você pode deixar seu interlocutor entusiasmado com a próxima geração de liderança?
Você com certeza quer transmitir-lhe trabalhos e relacionamentos. Há como ajudar seu sucessor a construir relacionamentos com stakeholders internos e externos? Transmita-lhe também sua expertise de negócios, especialmente quando houver grandes projetos em andamento. E ofereça-lhe alguns conselhos de bastidores: fale sobre talentos e coisas que ninguém mais sabe, mas que possam lhe ser úteis.
Por fim, esclareça qual o papel que você continuará a desempenhar – se houver um. Um modelo comum é permanecer como um consultor que, a critério do novo CEO, esteja disponível para assessorar e treinar. Outro modelo cada vez mais comum é o ex-CEO tornar-se presidente executivo do Conselho. É uma forma de dar suporte ao novo CEO e, ao mesmo tempo, deixar bem claros os papéis de cada um. No entanto, isso tem algumas desvantagens. Vários CEOs, mesmo aqueles que se tornaram presidentes executivos eficazes, nos disseram o quanto isso é desafiador para o sucessor e que prefeririam ter se afastado. Você deve permitir que seu sucessor o critique e identifique as coisas que ele deseja fazer melhor – o que pode ser difícil se você ainda estiver por perto. Mas há situações em que o cargo de presidente executivo faz sentido, como quando o novo CEO precisa de um apoio extra. Mas aja sempre com prudência.
Sean Brown: A estrutura da empresa pode introduzir algumas nuances no modo como a transição se desenrola. Há alguma diferença nas empresas familiares, por exemplo? Como evitar uma situação como a mostrada na série Succession?
Carolyn Dewar: Nas situações que acompanhei de perto, a questão tende a girar em torno do pai ou mãe decidir se o filho está “pronto”. Mas este pode ser um alvo em constante movimento e a nova geração sente que as exigências estão sempre mudando. Pode ser útil introduzir um pouco do rigor que as empresas não familiares aplicam. O que a empresa precisa de seu CEO neste momento? O que comprova que o próximo líder está pronto? Se for necessário um certo amadurecimento, vamos ser claros e definir um cronograma.
Kurt Strovink: Um aspecto positivo das empresas familiares é que a sucessão se torna uma oportunidade para discutir o negócio – suas razões de ser, os valores da empresa, sua proposta no mercado. Nesses cenários, o sucessor pode falar sobre tais assuntos com mais autoridade se fizer parte da família.
Sean Brown: O dia de entregar as rédeas deve ser difícil para muitos CEOs. Como eles podem lidar com o aspecto psicológico de deixar o cargo?
Carolyn Dewar: Um dos motivos de um CEO permanecer no cargo além do seu tempo é não saber ao certo o que virá a seguir. É mais fácil se afastar no momento apropriado quando se está animado com a vida futura. Isso requer autorreflexão. O que é importante para você além de ser CEO? Para alguns, pode ser assumir outra posição de CEO. Para outros, talvez sejam relacionamentos, amigos, família, hobbies ou algum trabalho social e comunitário significativo. O papel do CEO pode ser desgastante e aqueles cuja transição é mais suave tendem a acalentar relacionamentos e interesses externos na fase final ou a empreender um esforço deliberado para reativá-los. Converse com amigos e familiares para lembrar que ser CEO é apenas um capítulo, uma parte de quem você é.
Um caminho que vi alguns CEOs seguirem é tirar um ano ou semestre sabático. Isso os ajuda a se distanciarem das ofertas que começam a receber imediatamente e a pensar na saúde, no sono, nos relacionamentos. As decisões que esses CEO tomam no final desse período sabático são muitas vezes diferentes daquelas que teriam tomado no auge da transição.