A tecnologia transforma todos os negócios, muitas vezes de modo radical, e o ritmo da mudança é cada vez mais rápido. Hoje, a inteligência artificial generativa (GenAI) começa a mostrar seu potencial disruptivo (veja Box, “GenAI: Noções básicas”). Essa tecnologia não afetará todas as empresas do mesmo modo e certamente não ao mesmo tempo. No entanto, em todos os setores e regiões geográficas, a GenAI pode oferecer oportunidades substanciais para uma significativa criação de valor.
Mas valor não é algo que se cria por si mesmo. Cabe aos CFOs alocar os recursos financeiros da empresa – com rapidez, ousadia e, se necessário, desproporcionalmente – para os projetos capazes de criar mais valor, sejam eles movidos por GenAI ou não. Do mesmo modo, por liderarem a função financeira, não cabe aos CFOs implementar a GenAI para todos, em todos os lugares, de uma só vez. Eles devem selecionar um número bastante pequeno de casos de uso que possam ter o impacto mais significativo para a função. Neste artigo, examinaremos como os CFOs devem tratar a GenAI de modo a aumentar sua eficácia para a empresa inteira, priorizando casos de uso específicos à função financeira e acelerando desde já a curva de aprendizagem dessa nova tecnologia.
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GenAI e criação de valor no nível da empresa
A ação mais importante que os CFOs devem empreender é identificar as melhores oportunidades de criação de valor – e assegurar que recebam as verbas e outros recursos de que necessitam. A GenAI tem potencial para ser uma tecnologia revolucionária, mas não altera princípios fundamentais das finanças e da ciência econômica: uma empresa tem que gerar retorno superior ao custo do capital.
Além disso, o capital da empresa (ou o seu acesso a mais capital) é finito e os projetos têm que competir entre si. Para os CFOs maximizarem a criação de valor, devem classificar os 20 a 30 projetos que mais agregam valor, envolvam ou não inteligência artificial. O princípio de Pareto sempre se aplica; quase sempre, um número bastante reduzido de oportunidades gera a maior parte dos fluxos de caixa da empresa ao longo de uma década. Os CFOs não podem permitir que iniciativas de maior valor acabem definhando simplesmente porque um projeto concorrente tem “GenAI” associado a ele. De uma forma ou de outra, são os acionistas que acabam arcando com tudo e não é justo que sejam obrigados a pagar um ágio pela GenAI.
É justamente por visarem maximizar o valor para os acionistas que os CFOs precisam saber reconhecer ameaças existenciais aos negócios da empresa, deixando bem claro quais são as alavancas mais importantes para gerar e manter fluxos de caixa superiores. Assim, se uma oportunidade envolver diretamente a GenAI ou depender substancialmente dela, os CFOs não devem descartá-la só porque não entendem a tecnologia ou não têm imaginação suficiente para reconhecerem o valor que ela pode criar.
Muitas vezes, a alocação de capital não exige escolhas mutuamente excludentes: um negócio importante ou uma alavanca de valor poderá ter impacto ainda maior se incorporar a GenAI. Isso se aplica quer o fator em questão seja gerador de receita (p.ex., a criação de uma interface que atraia mais clientes ou incentive mais vendas cruzadas), de lucro (p.ex., algo que reduza os custos de fabricação, compra ou distribuição) ou que afete receitas e custos (p.ex., algo que ajude a atrair, reter e motivar funcionários, liberando-os para trabalhos mais criativos).
A Microsoft, por exemplo, saiu muito à frente e tem investido em GenAI para construir vantagem competitiva em seus negócios mais essenciais. Por exemplo, criou a ferramenta Copilot do Microsoft 365, que oferece sugestões em tempo real para melhorar documentos, apresentações e planilhas. E embora tenha sido principalmente empresas nativas digitais que alcançaram sucesso comercial comprovado, algumas firmas não tecnológicas tradicionais também estão se movendo agressivamente. A divisão de wealth management do Morgan Stanley, por exemplo, realizou avanços notáveis no desenvolvimento de um serviço interno que utiliza a tecnologia da OpenAI e dados proprietários do próprio banco para fornecer, em questão de segundos, conteúdos e insights relevantes aos seus consultores financeiros.
Os melhores CFOs asseguram que estas e outras iniciativas de GenAI não ficarão carentes de capital. Na verdade, um dos maiores equívocos que deparamos é a crença de que cabe ao CFO apenas esperar para ver – ou, pior, que ele ou ela deve sempre ser “do contra” dentro da organização. Mas o capital nunca deve ficar parado e precisa ser movido agressivamente para financiar o crescimento lucrativo. Assim, os melhores CFOs são aqueles que estão na vanguarda da inovação, aprendendo constantemente sobre novas tecnologias e garantindo que a empresa estará preparada para a rápida evolução das suas aplicações. É claro que isso não significa que os CFOs devam jogar a cautela às traças, mas sim que devem procurar incessantemente se informar tanto sobre oportunidades como sobre ameaças. Significa também que, ao alocarem recursos, precisam sempre trabalhar com seus colegas seniores para estipular qual é o apetite por riscos da organização e estabelecer proteções claras para a utilização da GenAI – e isso bem antes da fase de “testar e aprender” de um projeto (veja Box “Nova tecnologia, novos riscos”).
Por serem pessoas que “lidam com números”, alguns CFOs talvez sintam que seria incompatível promoverem inovações visionárias. Não importa; é algo que eles têm que fazer, pois um crescimento superior ao do mercado nunca é resultado de mudanças meramente incrementais. Nos bastidores, os CFOs podem se valer de suas relações com líderes das demais funções e das unidades de negócio para incentivá-los a explorarem as oportunidades da GenAI e avaliá-las repetidamente em interações subsequentes. Devem requalificar e recapacitar os membros de sua própria equipe de modo a construírem relacionamentos importantes em toda a organização e compreenderem melhor as premissas por trás dos projetos de inovação. E devem estar “sempre ligados” quando se trata de inovação – e não apenas nas revisões periódicas ou quando projetos que enfrentam dificuldades exigem um exame mais minucioso.
A GenAI e a função financeira
Para muitas funções financeiras, a GenAI será um simples recurso do dia a dia – apenas uma das várias ferramentas essenciais que toda função financeira eficaz e voltada para o futuro utilizará. A tecnologia tem o potencial de economizar quantidades significativas de tempo e recursos. Isto, por si só, é bom motivo para adotá-la, e é por isso que quase todas – se não todas – as funções financeiras das grandes empresas acabarão utilizando intensamente a GenAI nos próximos três a cinco anos. Na verdade, uma forma de conceituar a inteligência artificial generativa é considerá-la como a “terceira onda” digital (Quadro 1). A primeira onda foi o estabelecimento uma fundação digital; em nossa pesquisa bienal com CFOs de todo o mundo, concluída no final de 2023, cerca de dois terços dos entrevistados relataram que suas funções estavam conectadas digitalmente e utilizavam dados para coisas básicas, como visualização em dashboards.
A segunda onda, claramente em curso, é a capacitação analítica; cerca de metade dos CFOs relatou que suas funções já utilizam advanced analytics para casos de uso específicos, como análise de custos, orçamentação e modelagem preditiva. A terceira onda fará uso extensivo da robótica e da inteligência artificial. Pouquíssimas empresas já se encontram na terceira onda, mas os melhores e mais ousados CFOs prepararão suas equipes financeiras para que aprendam a trabalhar com essas ferramentas à medida que a tecnologia vai ganhando impulso.
Os primeiros passos para a função financeira
CFOs não costumam ser engenheiros de software e muito menos especialistas em modelos de linguagem preditiva. Mas nem precisam ser. O primeiro passo deve ser experimentar a tecnologia para ter uma ideia geral do que ela é capaz de fazer – e de quais são seus limites atuais. Soluções como o ChatGPT, da OpenAI, estão disponíveis online e outros aplicativos (incluindo a Lilli, da McKinsey) já estão em uso.
Experimente enviar para a ferramenta de GenAI as transcrições públicas disponíveis das teleconferências de seus concorrentes sobre resultados financeiros e peça à ferramenta para indicar as cinco perguntas mais frequentes – e que sugira respostas a elas. Ou faça o upload dos dados financeiros de sua empresa e de seus concorrentes, peça que a ferramenta assuma a perspectiva de um investidor ativista e pergunte a ela em quais elementos do desempenho da empresa um ativista se concentraria. Dependendo da sofisticação da solução de GenAI, o CFO também pode fazer o upload dos dados de faturas e pagamentos e solicitar a criação de gráficos que ajudem a visualizar as informações – e até mesmo pedir à ferramenta que identifique qual é o gráfico mais importante. Constatamos que quando os CFOs vivenciam a tecnologia em primeira mão, não só compreendem melhor o que é a GenAI como também identificam mais rapidamente as oportunidades imediatas e de curto prazo.
Aconselhamos que, nessa fase de aprendizagem, os CFOs reservem uma verba nominal, mas não a fim de implementarem a IA em escala e sim para melhorarem a experiência de aprendizagem para si próprios e para os membros de sua equipe. Mais uma vez, porém, o objetivo não deve ser que mil flores desabrochem: os CFOs devem selecionar um pequeno número de casos de uso – idealmente, dois ou três – que possam ter o máximo impacto em suas funções, pensando mais na eficácia do que apenas na eficiência, e colocar mãos à obra.
Um ponto que vai rapidamente ficando evidente à medida que se avança é que a GenAI não é plug & play; as empresas não podem simplesmente aplicar os modelos às fontes de informação existentes e ver o que acontece. A GenAI não cria como um ser humano nem tem súbitos lampejos de entendimento. Sequer faz cálculos matemáticos (esta é a alçada da IA analítica tradicional). A GenAI é um modelo de linguagem preditiva – uma espécie de tradutor que paira acima dos dados não estruturados existentes e busca gerar conteúdos que possam agradar a um ser humano. Os conjuntos de dados precisam ser antes rigorosamente processados e organizados, do mesmo modo como os cientistas de dados preparam lagos de dados para advanced analytics e para a IA analítica.
Identificando casos de uso
Acreditamos que a GenAI poderá ter impacto nas funções financeiras de três grandes maneiras importantes. Primeiro, por meio da automação – realizando tarefas monótonas (como criar o rascunho inicial de uma apresentação). Segundo, por meio da augmentation, isto é, do aumento da produtividade humana para que o trabalho seja realizado com mais eficiência (por exemplo, reunindo e sintetizando múltiplas informações numa narrativa coerente). Terceiro, por meio da aceleração – extraindo e indexando conhecimentos para encurtar os ciclos dos relatórios financeiros e tornar a inovação ainda mais rápida. A GenAI pode melhorar muito a capacidade de um CFO para gerenciar proativamente o desempenho e dar suporte a decisões de negócios. Uma função financeira de desempenho superior sabe quais são os casos de uso mais viáveis para aprimorá-la significativamente (Quadro 2).
Por exemplo – e esta não é, de modo algum, uma lista exaustiva –, algumas empresas multinacionais já começaram a implementar o seguinte:
- Síntese de informações, que permite criar gráficos interativos customizáveis mediante instruções em linguagem natural. Por exemplo, já existem soluções de GenAI que fornecem um chatbot genérico capaz de fazer perguntas e dar respostas; ou uma ferramenta que cria gráficos segundos após receber uma instrução ou descrição do código; ou ainda uma ferramenta de visualização que customiza os gráficos utilizando o código existente e validando a precisão deste.
- Gestão digital do desempenho, que responde a perguntas relativas ao desempenho, sintetiza o estado atual e os cenários possíveis, identifica os fatores e as causas profundas das variações orçamentárias e sugere soluções. Este tipo de solução costuma ser autoaplicável, fácil de usar para pessoas de negócios (em vez de fácil de usar para pessoas de finanças) e pode levar a diálogos mais eficazes no gerenciamento do desempenho.
- Versões preliminares de relatórios externos, que não só podem economizar semanas do tempo da equipe preparando rascunhos avançados de declarações financeiras de títulos e relatórios para stakeholders (por exemplo, sobre sustentabilidade), como também realizam consultas sobre regulamentos e padrões atuais para ajudar a garantir a conformidade dos relatórios.
- Gestão do capital de giro, incluindo funcionalidades como um bot de suporte sempre ativo para facilitar cobranças e pagamentos, e avaliações de riscos sempre atualizadas do histórico de pagamentos dos clientes, incluindo a capacidade de limitar o crédito destes com base em informações em tempo real sobre suas atividades específicas e sobre eventos de mercado.
A gama de casos de uso da GenAI é ampla e variada – e não mais meramente teórica. E embora ainda esteja em seus primórdios, a taxa de adoção dessa tecnologia está acelerando. Essas realidades tornam ainda mais importante que os CFOs comecem a trabalhar de forma refletida e proativa.
A GenAI pode ser uma ferramenta importante para criar valor. Os CFOs devem se esforçar para serem facilitadores, não sentinelas, dessa nova tecnologia, assegurando que as iniciativas estratégicas críticas recebam rápida e continuamente os recursos necessários. Também devem garantir que eles próprios e a função financeira acelerem desde já a curva de aprendizagem da GenAI. O futuro já está começando.