O risco geopolítico é um dos principais itens da pauta dos CEOs, de acordo com a última pesquisa da McKinsey sobre a situação econômica global. Diante da fragmentação e da incerteza, a reação de muitos líderes empresariais está sendo reforçar seu foco na resiliência.
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Nas últimas três décadas, tornar-se global significou explorar a especialização e a escala, desenvolver mercados e criar corporações multinacionais. Só em 2021, as taxas de juros baixas e a grande disponibilidade de caixa levaram as empresas dos EUA a gastar $ 506 bilhões em fusões e aquisições no exterior.
Porém, a ortodoxia da globalização está sob pressão. O último ataque: as múltiplas disrupções desencadeadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia. O mundo parece estar preso a uma crise, ou à ameaça de uma crise. Os CEOs precisam saber se ainda podem continuar sendo players globais e, em caso afirmativo, de que maneira.
Olhando para o futuro, os desafios provavelmente só ficarão mais difíceis. Segundo o Relatório sobre tendências globais para 2040 publicado pelo Conselho Nacional de Inteligência dos EUA, nas próximas duas décadas, a competição por influência global provavelmente atingirá seu nível mais alto desde a Guerra Fria: “É provável que não haja apenas um estado dominando todas as regiões ou esferas, e uma gama mais ampla de atores competirá para promover suas ideologias, objetivos e interesses”.
Em meio a esses desafios, o valor da resiliência está em alta. É por isso que a McKinsey e o Fórum Econômico Mundial lançaram o Consórcio de Resiliência este ano. O consórcio visa reunir ministros de governo, diretores de empresas e dirigentes de organizações internacionais para desenvolver um quadro comum de resiliência para organizações dos setores público e privado. Com a utilização dos princípios estabelecidos no quadro, o consórcio pode ambicionar um crescimento mais sustentável e inclusivo em meio a choques externos.
Sem dúvida, muitos executivos globais têm uma intuição sobre onde focar inicialmente para desenvolver resiliência. No entanto, a maioria vem buscando uma abordagem mais rigorosa e analítica da promoção da resiliência geopolítica e criação de “resiliência extra” em toda a empresa.
Para lidar com os riscos geopolíticos do presente – e com os do futuro –, os líderes devem desafiar sua organização nas seis dimensões principais da resiliência: modelo de negócios, reputação, organização, operações, tecnologia e finanças (quadro).
1. Resiliência do modelo de negócios
“As organizações que adotam uma abordagem da gestão de riscos políticos séria, sistemática e orientada por líderes seniores têm menor probabilidade de ser surpreendidas e se recuperam melhor.”
– Condoleezza Rice e Amy Zegart, Political Risk: How Businesses and Organizations Can Anticipate Global Insecurity (Hachette, 2018)
O desenvolvimento da resiliência do modelo de negócios começa pelo conselho de administração. Para realizar a supervisão e a tomada de decisões de forma eficaz, o conselho precisa, primeiramente, obter um entendimento dos eventos geopolíticos que são relevantes para a organização.
Embora a maioria dos conselheiros tenha uma perspectiva de “grande altitude” dos riscos específicos, os conselheiros individuais podem diferir em sua percepção e interpretação, e a visão agregada pode variar conforme a composição do conselho mude. Para estabelecerem um benchmark de resiliência, as organizações devem adotar uma abordagem sistemática da difusão de insights sobre tendências e eventos geopolíticos para o conselho e a equipe de liderança. Isso pode ser na forma de produtos analíticos, briefings ou exercícios de cenários – respaldados não em “o quê?”, mas em “e daí?” e em “e agora?”
Em segundo lugar, devido à velocidade e à volatilidade dos eventos geopolíticos, os conselhos não podem hesitar em prestar atenção. Devem dedicar tempo, em cada reunião, à discussão de tópicos pertinentes e devem se reunir conforme necessário nesse ínterim.
Uma maneira de focar e estruturar a discussão do conselho é identificar riscos geopolíticos prioritários. Os conselhos podem utilizar uma abordagem de níveis na qual o nível cinco indica mercados com o mais alto grau de risco geopolítico e o nível um indica mercados com riscos localizados que podem ser geridos pelos líderes e equipes locais.
Para muitos conselhos, os mercados dos níveis superiores costumam ser identificáveis. Entre as perguntas que ouvimos dos CEOs sobre a resiliência do modelo de negócios nos mercados dos níveis superiores estão as seguintes:
Como devo pensar na minha propriedade intelectual e presença corporativa em meio a tensões geopolíticas?
Devo ver minha operação como uma região separada, que é destacada para ser isolada de tensões geopolíticas, ou a própria falta de controle direto gera risco?
Como devo ver meu relacionamento com meu parceiro de joint venture no curto, médio e longo prazo?
Como gerir requisitos legais, fiscais ou regulatórios extraterritoriais e/ou contraditórios?
Há um ponto em que serei obrigado a sair, e como devo atuar retroativamente a partir desse ponto?
Além de atacar essas questões estratégicas em um mercado de nível mais alto, os conselhos também precisam gerir o risco de cauda longa de operar em vários mercados de nível um.
Para tanto, as organizações precisam instituir um mecanismo para realizar varreduras regulares do mercado global e avaliar, usando algo como scorecards e trabalhando com todas as equipes internas – jurídica, financeira, de segurança, de risco e de comunicação –, o risco agregado (em contraste com as oportunidades) de operar em determinado mercado. Essas equipes podem dar recomendações ao conselho sobre opções para recalibrar a presença no mercado ou melhorar a estrutura jurídica e financeira da organização. As atividades delas podem ser coordenadas por uma unidade de risco geopolítico dedicada que pode estar dentro da equipe jurídica, financeira, de relações governamentais, de risco, de estratégia ou de outra equipe da organização, dependendo da estrutura desta.
Entender e supervisionar o risco geopolítico é necessário, mas não suficiente. O conselho deve promover e orientar o desenvolvimento de medidas proativas de mitigação de riscos e resposta a crises, com atualizações por parte das equipes sobre a execução e novos problemas relevantes.
2. Resiliência reputacional
“Há um crescente apelo para que as empresas se envolvam mais na geopolítica, e esse apelo também se estende aos CEOs, que devem não apenas ser o rosto da nova corporação geopolítica, mas também moldar a estratégia em questões sociais e geopolíticas.”
– Relatório especial Edelman Trust Barometer 2022: A empresa geopolítica
Um primeiro passo para desenvolver a resiliência reputacional é buscar um alinhamento interno com relação às operações relacionadas a mercados geopoliticamente delicados. Em suma, as organizações precisam saber o que defendem (e a que se opõem).
Nem toda crise geopolítica será um ponto de inflexão tão acentuado quanto a invasão da Ucrânia pela Rússia, em reação à qual muitas organizações optaram por restringir ou interromper suas operações neste último país. Em muitos casos, as decisões serão menos claras e definidas. Portanto, as organizações precisam parar para analisar sua postura em cada situação. Uma maneira de fazer isso é criar avaliações específicas – ou “pactos” – de cada mercado que fundam estratégia corporativa e gestão de riscos. Esses pactos devem estar claros nas prioridades da organização em mercados de alto risco e nos critérios com base nos quais as organizações avaliam e gerenciam os riscos. Também devem definir como implementar os critérios de forma alinhada às metas operacionais e de desempenho. Os riscos podem se apresentar de várias maneiras: financeiros, políticos, de saúde e segurança ou de reputação; por exemplo, trabalhar com o setor público em países de regime autoritário.
Ter uma postura clara é um pré-requisito para o próximo passo no desenvolvimento de resiliência reputacional: criar uma narrativa coerente e orientada por valores. De fato, muitas organizações hoje estão enfrentando a questão de como explicar não apenas sua postura, mas também sua identidade principal, notadamente no que diz respeito à sua presença em mercados governados por regimes autoritários. Há um reconhecimento de que os antigos argumentos associados à globalização e à wandel durch handel (mudança por meio do comércio) se enfraqueceram.
Com base em nosso benchmarking de empresas multinacionais sediadas nos EUA, vemos três posturas potenciais: proativa – por exemplo, o engajamento é importante para a competitividade e a liderança dos EUA; reativa – por exemplo, engajamento baseado em princípios, com muita atenção à integridade do supply chain; ou silenciosa – o que significa geralmente evitar declarações públicas.
Seja qual for a narrativa escolhida pela organização, esta precisa ter em mente que, na era das informações instantâneas, a história contada em um mercado não ficará circunscrita a ele. E uma narrativa que funciona em um lugar pode inibir oportunidades de mercado em outro ou criar situações delicadas internamente e entre regiões. Em suma, não existe uma bala de prata.
Com uma postura clara sobre o núcleo da narrativa, o terceiro passo para reforçar a resiliência reputacional é uma capacidade robusta, por parte da área de governo e assuntos públicos, de comunicar a narrativa aos principais stakeholders. Embora a responsabilidade final de articular a postura e a narrativa seja do CEO, os profissionais da área de governo e assuntos públicos posicionados nos principais mercados são fundamentais para gerir as relações com os stakeholders, desenvolver a “cobertura aérea” em mercados delicados e oferecer um mecanismo de encaminhamento para que haja envolvimento do CEO e do nível da liderança.
3. Resiliência organizacional
“As tensões geopolíticas estão aumentando, o que põe as empresas na linha de fogo. De repente, a nacionalidade das empresas e dos executivos voltou a importar... É possível ter paz na empresa quando o mundo está conturbado?”
— Financial Times (16 de maio de 2021)
As pressões geopolíticas externas estão, cada vez mais, gerando pressões internas. A era do executivo sem fronteiras está acabando. De fato, a nacionalidade e o relativismo cultural vêm ganhando destaque nas discussões sobre postura, narrativa, estratégia e apetite pelo risco. Essas discussões podem ocorrer em vários níveis: entre a liderança e as equipes, entre escritórios regionais e locais ou entre escritórios centrais.
Entre os pontos de debate interno mencionados pelos executivos estão os seguintes:
- Somos uma organização global com sede nos Estados Unidos ou somos uma empresa norte-americana com perspectiva global?
- Em que medida a avaliação do risco reputacional referente a um projeto específico deve estar vinculada a uma possível reação dos governos e meios de comunicação ocidentais em uma era multipolar?
- Como podemos manter uma “postura neutra” em meio a tensões geopolíticas? É possível uma empresa não ter “nacionalidade”?
- Que tipo de diversidade de normas e padrões culturais geográficos é viável e desejável em uma empresa global quando os stakeholders (inclusive a mídia e até os governos) de muitos países questionam cada vez mais os padrões e normas aplicados em outras regiões geográficas?
- Como devemos conciliar os “dois pesos e duas medidas” que as pessoas veem na resposta da liderança a diferentes crises sociais e humanitárias nos diversos mercados, desde as mensagens até as doações filantrópicas?
Nesse contexto, desenvolver a resiliência organizacional já não é apenas uma questão de manter a coesão cultural. É também uma questão de manter um espírito global em meio a poderosas forças centrífugas.
Três abordagens podem ser utilizadas para aumentar a resiliência de uma organização. Primeiramente, as organizações precisam garantir que tenham estruturas de governança inclusivas, do conselho aos comitês de risco. Essas estruturas devem expressar pontos de vista e nacionalidades geograficamente diversificados. Se os colegas não sentirem que estão participando da discussão sobre a definição dos rumos ou se enxergarem as discussões como vinculadas a um ângulo específico, a batalha para reter os corações e mentes globais estará perdida.
Em segundo lugar, os líderes, começando pelo CEO, precisam ter diálogos abertos e sinceros nos âmbitos apropriados. Devem reconhecer as tensões globais e como são sentidas internamente, empoderar os colegas a expressar suas opiniões sobre postura e apetite pelo risco e criar um senso de propósito comum. Por exemplo, uma mensagem crítica dos líderes corporativos em meio à invasão da Ucrânia pela Rússia é diferenciar a condenação das ações governamentais russas do apoio aos colegas russos.
Por fim, as organizações precisam cogitar uma série de iniciativas direcionadas com o objetivo de promover a conectividade e a coesão, desde fazer rodízio de colegas nos mercados geopoliticamente delicados até expressar pontos de vista (sobretudo com o abrandamento das restrições a viagens relacionadas à COVID-19), além de garantir que os mecanismos de triagem e de “ameaça interna” sejam suficientemente robustos.
4. Resiliência operacional
A combinação do protecionismo comercial com a pandemia de COVID-19, as restrições nos supply chains e os conflitos geopolíticos está testando a resiliência operacional de organizações de todo o mundo.
Uma área prioritária de foco tem sido e deve continuar sendo proteger e transformar os supply chains. As operações de supply chain devem cogitar uma série de medidas de resiliência. No curto ou médio prazo, isso inclui criar um centro nervoso para o supply chain, simular disrupções extremas e fazer planos para elas, reavaliar estratégias just in time e avaliar a resiliência dos fornecedores de seus fornecedores dentro de uma abordagem de transparência. As iniciativas para diversificar e desenvolver redundância nos supply chains devem levar em conta, criticamente, os riscos políticos de entrar em qualquer mercado novo, por meio de uma avaliação detalhada de múltiplos indicadores de risco.
No entanto, para alcançarem uma resiliência estrutural de longo prazo, as organizações devem cogitar medidas como desenvolver um “gêmeo digital” das partes mais críticas do supply chain, criar e testar cenários hipotéticos e alocar uma pequena parte da equipe de supply para focar no desenvolvimento da resiliência de longo prazo, e não nos problemas cotidianos do supply chain.
A segurança do supply chain deve ser complementada pela segurança física do pessoal. Somente nos últimos 18 meses, as organizações tiveram de proteger e evacuar colegas globalmente, da Ucrânia e da Rússia à Etiópia e a Myanmar. Entre as medidas a considerar estão: manter a redundância dos canais de comunicação, cooperar com os prestadores de segurança no terreno e manter a discrição para mitigar qualquer risco de retaliação caso a organização decida sair. À medida que surjam conflitos futuros, é essencial investir em sistemas de alerta precoce e planos de remoção.
5. Resiliência tecnológica
As organizações de hoje também estão enfrentando o desafio estratégico de manter as redes globais do passado em meio à fragmentação geopolítica. Desenvolver resiliência tecnológica nesse contexto requer que se acelere o planejamento e se tomem medidas concretas em quatro áreas principais.
A primeira é lidar com a “splinternet”. As tensões geopolíticas, notadamente entre os Estados Unidos e a China, estão resultando na fragmentação da Internet em variantes e pilhas de tecnológicas regionais. As empresas precisam equilibrar a segmentação de suas redes e o uso diferente de notebooks e dispositivos nos diversos mercados, ao mesmo tempo em que mantêm uma interconectividade e uma experiência do usuário uniformes.
O atendimento de requisitos de localização de dados é outra área que vem testando as arquiteturas globais de TI, considerando-se que as empresas precisam analisar questões regulatórias e outras.
Uma terceira área é a gestão do acesso aos dados. As organizações precisam garantir uma compartimentalização adequada dos dados, bem como gerir invasões cibernéticas externas.
Também é essencial prestar muita atenção à garantia da resiliência contra diversas crises. Isso inclui a capacidade de reagir de maneira eficaz a ataques cibernéticos, desde a recuperação dos dados até a implantação de novos equipamentos tecnológicos em todos os mercados com a rapidez necessária.
6. Resiliência financeira
Na interseção entre o risco geopolítico e a resiliência financeira há uma série de questões que as organizações precisam gerir de forma atenta e contínua. Elas vão de riscos cambiais (e de expropriação) de longa data a riscos de sanções em desdobramento.
Os riscos cambiais são, naturalmente, bem conhecidos por muitas organizações. Desde a rápida desvalorização da moeda do Sri Lanka em meio à pior crise econômica do país até os controles sobre os saques de dinheiro em Mianmar após um golpe militar, as empresas precisaram e precisam estar preparadas para lidar com uma série de restrições, do pagamento de seus funcionários à transferência de fundos. Com a economia global abalada por choques inflacionários e de outros tipos, esses desafios podem continuar a se manifestar. Analisar protocolos de crise com antecedência e desenvolver um sistema de alerta precoce para desafios macroeconômicos são medidas fundamentais de resiliência a serem cogitadas.
Contudo, os riscos regulatórios e sanções globais estão evoluindo rapidamente e testando as organizações, já que a aplicação crescente de sanções e contrassanções em várias jurisdições está hoje no cerne do risco geopolítico. Essas medidas podem ser existenciais em termos da capacidade de uma empresa de operar em um mercado. A conformidade com as leis de uma jurisdição pode gerar o risco de haver conflito com as de outra. A resiliência em face da crescente armamentização global do comércio exterior e do investimento requer não apenas ter um entendimento preciso dos regimes regulatórios em constante mudança e uma capacidade robusta de conformidade, como também promover uma cultura de conformidade com a própria organização em uma questão sem margem para erros.
“Estamos mais conscientes dos riscos, mas não temos muitas boas ideias.”
Para muitas organizações, essa observação do diretor global de assuntos governamentais de uma empresa da lista Fortune 500 soa verdadeira. Entretanto, cada organização enfrenta um conjunto único de circunstâncias. Tendo isso em mente, o quadro acima é oferecido como um ponto de partida para discussões internas sobre como desenvolver soluções apropriadas. O novo normal requer que o CEO tenha uma nova mentalidade. Isso significa tornar a resiliência geopolítica uma prioridade estratégica que protegerá a organização e lançará as bases da vantagem competitiva no longo prazo.