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As empresas de ciências da vida mantêm, tradicionalmente, certa distância dos pacientes e consumidores. As empresas farmacêuticas, de biotecnologia e de tecnologia médica consideram os prestadores de serviços e os pagadores – e não os pacientes – seus principais clientes, raramente interagindo com os pacientes como consumidores finais. Essa abordagem precisou evoluir nos últimos anos. Agora, os consumidores estão acostumados com aplicativos e smartwatches que oferecem uma visão completa de seu bem-estar. Também interagem com marcas que vendem diretamente ao consumidor, como Apple Health, Hims & Hers e Noom, para gerenciar sua própria saúde.
Em reação a isso, as empresas de ciências da vida têm lançado rapidamente novos empreendimentos e empresas derivadas (“spin-outs”) que oferecem ao consumidor produtos e serviços de bem-estar que não têm a mesma necessidade de aprovações regulatórias que seus medicamentos e dispositivos principais. Seja uma empresa de dispositivos médicos desenvolvendo um aplicativo de dieta e receitas, seja uma empresa farmacêutica lançando uma plataforma online com informações sobre menopausa, a tendência é clara: hoje, envolver os pacientes é crucial para o sucesso duradouro das empresas de ciências da vida. As empresas que não desenvolvem negócios de consumo bem-sucedidos correm o risco de perder uma participação de mercado significativa para concorrentes mais ágeis e disruptores digitais.
O desenvolvimento de negócios é uma estratégia muito difundida entre empresas de diversos setores para atrair novos segmentos de clientes e gerar receita adicional a partir de seus pontos fortes (como relacionamentos com clientes ou parcerias atuais). Mais da metade dos 1,1 mil CEOs entrevistados em uma Pesquisa Global McKinsey de 2024 identificaram o desenvolvimento de negócios como uma de suas maiores prioridades.1 As empresas de ciências da vida estão particularmente ansiosas para lançar negócios centrados no consumidor, sobretudo negócios baseados em inteligência artificial (IA). Nossa pesquisa mostra que 45% das empresas farmacêuticas e de tecnologia médica pretendem lançar negócios baseados em IA ou em analytics nos próximos cinco anos, o que representa um aumento de 28% em relação a 2023. Entre as ideias focadas no consumidor que as empresas de ciências da vida vêm cogitando estão plataformas virtuais de saúde e aplicativos de gestão de benefícios que permitem que os pacientes acompanhem seus gastos com saúde.
No entanto, lançar um novo negócio nunca é fácil, pois requer uma quantidade enorme de planejamento estratégico e execução. E o processo é ainda mais difícil em ciências da vida, área na qual novos empreendimentos podem fracassar devido a complexidades regulatórias, problemas na aquisição de talentos e estratégias de mercado fracas. Por isso, muitos líderes de ciências da vida que ficam entusiasmados com o desenvolvimento de novos negócios enfrentam dificuldades na implementação.
Este artigo oferece aos CEOs de ciências da vida um guia prático de desenvolvimento de negócios centrados no consumidor, destacando as cinco principais armadilhas a serem evitadas. Os CEOs que têm sucesso no desenvolvimento de negócios permitem que suas equipes façam experimentos, oferecendo a elas acesso às competências essenciais, à infraestrutura técnica e aos recursos operacionais da empresa, mas protegendo-as de práticas corporativas excessivamente hierárquicas. Ao observarem esses cinco sinais de alerta, os CEOs podem conduzir um novo negócio do início ao fim.
1. Depender demais da expertise interna em regulamentação e conformidade
Os CEOs da área de ciências da vida geralmente confiam que suas equipes internas têm a expertise necessária para lidar com a complexa regulamentação que rege a criação de novos negócios centrados no consumidor. Afinal de contas, a área de ciências da vida é uma das mais regulamentadas. As empresas têm grandes equipes jurídicas e de dados focadas em garantir a conformidade, lidar com a regulamentação e proteger as informações dos pacientes. Com tantos especialistas à disposição, esses CEOs geralmente presumem que sua empresa tem uma vantagem quando se trata de lançar novos negócios em ambientes altamente regulamentados.
Entretanto, nem sempre é assim. Ao tentarem lançar novos negócios centrados no consumidor, muitas empresas de ciências da vida ficam atoladas em processos, o que pode sufocar a inovação. As equipes jurídicas e de conformidade das empresas – além das de RH, tecnologia e marketing – estão habituadas a dar passos cautelosos para garantir uma conformidade rigorosa. Esse tipo de diligência funciona bem para apoiar empresas maduras, mas pode paralisar a criação de novos negócios. Para terem sucesso no desenvolvimento de negócios, as empresas de ciências da vida geralmente precisam criar unidades de negócios independentes ou empresas derivadas, distanciando-as da organização matriz.
Uma empresa global de tecnologia médica é um exemplo disso. Ela lançou um novo negócio de saúde do consumidor que foi integrado à empresa maior. O negócio tinha de cumprir as mesmas regulamentações da empresa controladora e seguir todos os procedimentos corporativos. A equipe gastava até 30% do seu tempo para atender a esses requisitos. Enquanto isso, os concorrentes da empresa que ofereciam produtos de saúde do consumidor independentes não estavam sobrecarregados por tantos processos e, portanto, conseguiam crescer mais rapidamente. Para acompanhar o ritmo, a empresa de tecnologia médica mudou de rumo e criou um novo processo autônomo para lançamentos. A equipe recebeu mais liberdade para fazer experimentos e precisava atender aos regulamentos de toda a empresa para apenas alguns lançamentos selecionados que envolviam os principais aspectos médicos do produto. Após implementar essa mudança, o novo empreendimento reduziu em 60% o tempo necessário para lançar atualizações de software.
2. Aperfeiçoar os produtos antes do lançamento
Em ciências da vida, o desenvolvimento de novos produtos geralmente requer pesquisas e testes extensivos na forma de ensaios e estudos clínicos. Para chegar ao mercado comercial, um medicamento ou dispositivo médico precisa superar vários obstáculos regulatórios e avaliações de riscos. Por isso, as empresas de ciências da vida são mais propensas a desenvolver cada produto potencial de forma sequencial, aguardando os resultados dos estudos clínicos antes de avançar para testes mais amplos com consumidores.
Na área de consumo, o processo de desenvolvimento de produtos é o exato oposto. As empresas criam novos conceitos rapidamente e os levam ao mercado o quanto antes para testarem hipóteses em contextos reais. Os produtos de consumo geralmente são lançados mesmo que ainda não estejam perfeitos e vão melhorando com o tempo à medida que os clientes interagem com eles. As empresas de consumo sabem que, para que se chegue à adequação do produto ao mercado, podem ser necessárias várias tentativas, e elas testam diferentes iterações em paralelo para ver quais agradam mais aos clientes. De maneira similar, as empresas de ciências da vida que estejam em busca de desenvolver negócios focados no consumidor podem acelerar o processo de desenvolvimento de produtos testando hipóteses com mais frequência antes do lançamento oficial. É claro que, mesmo quando as empresas de ciências da vida desenvolvem negócios de saúde e bem-estar voltados ao consumidor que não estão sujeitos aos mesmos processos rigorosos de aprovação regulamentar que os medicamentos e dispositivos médicos, elas precisam cumprir regras de proteção ao consumidor durante essa fase iterativa de desenvolvimento do produto.
O Apple Heart Study é um exemplo de como usar testes rápidos com usuários para lançar rapidamente um novo serviço direto ao consumidor, tudo isso sem comprometer a privacidade dos dados.2 Em colaboração com a Stanford Medicine, a Apple ampliou o valor de um produto existente, o Apple Watch, para um serviço de diagnóstico de saúde. Usando o relógio para monitorar o ritmo cardíaco de mais de 400 mil participantes, a Apple estudou a capacidade do dispositivo de detectar fibrilação atrial em tempo real. Para coletar esses dados, a Apple recrutou participantes enviando e-mails a clientes que haviam comprado Apple Watches e promovendo o aplicativo Apple Heart em sua loja de aplicativos, enfatizando que a inscrição no programa era fácil e acessível.3 Essa abordagem de adesão voluntária permitiu que a Apple testasse rapidamente uma hipótese referente a um novo serviço em potencial em paralelo com um produto já comercializado, sem precisar passar pelo processo oficial de estudo clínico.
Em outro exemplo de como as empresas de ciências da vida podem lançar negócios voltados ao consumidor por meio de um processo iterativo, uma empresa global usou vários tipos de testes com usuários para criar um marketplace B2B2C (empresa a empresa a consumidor, na sigla em inglês de “business-to-business-to-consumer”). A empresa projetou um produto mínimo viável (MVP, na sigla em inglês) inicial em dois meses e depois testou-o extensivamente com os usuários. A empresa conseguiu lançar uma versão beta fechada seis meses após o início do desenvolvimento. Por meio desse modelo de lançamento rápido e testes frequentes, a equipe de produtos pôde avaliar e melhorar rapidamente o marketplace para obter a adequação do produto ao mercado.
3. Achar que será fácil atrair talentos em tecnologia voltada ao consumidor
A maioria das empresas, inclusive as da área de ciências da vida, tem grandes equipes de recrutamento, além de práticas consagradas para a integração de novos talentos ao quadro de pessoal. Muitos CEOs da área presumem que tudo correrá normalmente ao contratarem equipes para desenvolver e lançar novos negócios. Pela nossa experiência, esse não é o caso. As práticas corporativas de contratação muitas vezes são lentas, e as equipes de RH podem enfrentar dificuldades para atrair talentos com a qualificação necessária para desenvolver novos negócios voltados ao consumidor.
Em vez de dependerem das práticas de recrutamento atuais, as empresas de ciências da vida podem adotar novos processos para contratar talentos digitais, inclusive a criação de um departamento de pessoal separado, específico para essa finalidade. Os funcionários que têm sucesso no processo acelerado e não linear de desenvolvimento de negócios costumam ser diferentes daqueles que preferem hierarquias tradicionais. Eles têm uma mentalidade de startup, conseguem se adaptar rapidamente e são bons em exercer diversas funções. O departamento de pessoal separado precisará de recrutadores que “falem a língua” dos candidatos interessados em ingressar em equipes inovadoras. Esses recrutadores devem ser muito precisos em sua abordagem da busca de talentos externos com a mentalidade certa para a nova unidade de negócios. É claro que toda empresa também tem pelo menos alguns funcionários com as habilidades necessárias para desenvolver um novo negócio; portanto, identificar essas pessoas e convidá-las a participar do projeto também pode ajudar na montagem da equipe.
Uma empresa global de tecnologia médica desenvolveu um novo empreendimento de saúde do consumidor, em parte por meio da criação de um departamento de pessoal separado. A nova equipe de RH elaborou uma proposta de valor diferenciada para atrair o tipo de talento necessário na área de tecnologia voltada ao consumidor, a fim de garantir o sucesso duradouro do empreendimento. A equipe modelou os processos de recrutamento com base nos usados por startups bem-sucedidas, fazendo parcerias com recrutadores externos de profissionais de tecnologia. Com um processo de entrevista simplificado que ia da candidatura à oferta em dez dias ou menos, além de reuniões semanais com o CEO para garantir que as contratações estivessem alinhadas à visão de longo prazo da empresa, a equipe de RH separada conseguiu contratar os melhores talentos em ciência de dados e tecnologia voltada ao consumidor, integrando mais de 200 novos contratados ao quadro de pessoal em um ano.
4. Depender de prestadores de serviços de saúde para impulsionar as vendas
Para lançamentos típicos de produtos, as marcas de ciências da vida buscam evocar confiabilidade e pedigree científico, vendendo seus produtos por meio de canais confiáveis, como médicos e farmácias. Mesmo para um produto vendido sem necessidade de receita, o caminho até o mercado costuma passar por consultórios médicos ou distribuidores liderados por farmácias. Ao lançarem um produto ou serviço de saúde para o consumidor, as empresas de ciências da vida talvez precisem repensar sua abordagem mercadológica para aproveitar as tendências e os desejos atuais. Elas podem começar seguindo o manual de marketing de consumo, adotando táticas de crescimento virais e orientadas pelos produtos.
Os fabricantes de produtos de saúde do consumidor bem aceitos, como a plataforma de perda de peso Noom, a empresa de óculos e optometria Warby Parker e a farmácia online Capsule, usam essas estratégias desde sempre. Essas empresas são especialistas em usar o marketing digital para evocar uma proposta de valor que seja tanto confiável quanto desejável. Elas utilizam estratégias comuns de marketing para consumidores, como branding inteligente e promoções nas redes sociais, para atrair clientes, e depois implementam designs comprovados de experiência do usuário (UX, na sigla em inglês), como gamificação e redes sociais, para criar uma experiência de usuário envolvente.
Uma empresa global de ciências da vida ampliou com sucesso um marketplace B2B2C ao aplicar uma abordagem tradicional de força de vendas para integrar profissionais de serviços de saúde ao quadro de pessoal, combinada com campanhas de marketing digital para chegar aos pacientes. O modelo de marketing ágil e omnicanal da empresa incluía a execução de sprints rápidos e o pronto diagnóstico de desafios, o que levou a uma rápida adoção de seu novo marketplace.
5. Não usar todo o poder da IA
A IA provavelmente faz parte de quase qualquer jornada de desenvolvimento de negócios. As mais novas formas de ferramentas e agentes de IA podem ajudar as empresas a fazer brainstorming, iterar, prototipar e testar novas ideias de produtos com muito mais rapidez do que antes. O uso da IA para desenvolver novos negócios pode reduzir o tempo de lançamento no mercado e gerar insights sobre os consumidores em grande escala, tudo isso sem comprometer a privacidade deles.
Infelizmente, muitas empresas de ciências da vida não conseguem utilizar a IA no processo de desenvolvimento de negócios porque, muitas vezes, carecem dos recursos internos necessários para criar agentes de IA capazes de executar esse tipo de trabalho iterativo. Quer as empresas de ciências da vida desenvolvam capacidades de IA internamente, quer façam parceria com terceiros, o investimento pode valer muito a pena. As ferramentas de IA podem permitir que as empresas validem rapidamente possíveis ideias de empreendimentos, o que pode ajudá-las a passar da ideia ao primeiro lançamento em dias ou semanas, em vez de meses ou anos.
A IA pode continuar gerando valor mesmo após o lançamento, ao ajudar as equipes de produtos a melhorar as ofertas com base em análises preditivas, as equipes de marketing a aprimorar as campanhas para reforçar a aquisição de clientes e as equipes de sucesso do cliente a aumentar a retenção. É claro que usar a IA com a finalidade de desenvolver negócios significa lidar com o atual panorama regulatório da IA, que está em rápida evolução. Isso significa contar com cientistas de dados, gerentes de projeto e profissionais de conformidade, sejam internos, sejam externos, que tenham expertise na implementação de soluções de IA que atendam a todos os requisitos legais.
Ao iniciarem qualquer novo negócio, os CEOs que permanecem ativamente envolvidos no empreendimento, desde a ideia até a execução, podem ajudar a transformar sua empresa para que ela saia da margem e entregue um retorno sobre o investimento (ROI, na sigla em inglês) real. Os CEOs engajados estabelecem expectativas claras sobre o que é sucesso, determinam o ritmo certo de crescimento e apoiam os inovadores que ajudam a conduzir a empresa em uma nova direção. Também sabem evitar armadilhas comuns que podem prejudicar as iniciativas de desenvolvimento de negócios. Quando um CEO da área de ciências da vida tem a vivência de desenvolver um bem-sucedido negócio voltado ao consumidor, quase sempre quer repetir a experiência.