A inteligência artificial na estratégia

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Será que as máquinas podem automatizar o desenvolvimento de estratégias? Em poucas palavras, a resposta é “não”. No entanto, há inúmeros aspectos do trabalho dos estrategistas em que a IA e as ferramentas de advanced analytics já podem gerar um enorme valor. O sócio sênior Yuval Atsmon lidera o novo Centro McKinsey de Inovação em Estratégia, que estuda as maneiras pelas quais as novas tecnologias podem complementar os princípios atemporais da estratégia. Neste episódio do podcast Inside the Strategy Room, ele explica como a inteligência artificial já está transformando a estratégia e o que está no horizonte. Esta é uma transcrição editada da conversa. Para mais conversas sobre as questões de estratégia mais importantes, acompanhe a série na sua plataforma de podcast preferida.

Joanna Pachner: Qual é o significado da inteligência artificial no contexto da estratégia?

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Yuval Atsmon: Quando as pessoas falam de inteligência artificial, elas incluem tudo que tem a ver com analytics, automação e análise de dados. Marvin Minsky, o pioneiro da pesquisa em inteligência artificial na década de 1960, se referia à IA como uma “expressão mala” – do tipo que você pode encher com o que quiser –, e esse parece ainda ser o caso. Estamos à vontade com isso porque achamos que as empresas devem usar todas as capacidades da análise mais tradicional, ao mesmo tempo em que aumentam a automação na estratégia, o que pode liberar o tempo da administração ou dos analistas, e introduzem gradualmente ferramentas capazes de complementar o pensamento humano.

Joanna Pachner: A IA foi adotada por muitas áreas das empresas, mas a de estratégia parece estar, em grande medida, imune a seus encantos. A que você atribui isso?

Yuval Atsmon: Você tem razão sobre a adoção limitada. Apenas 7% dos entrevistados em nossa pesquisa sobre o uso da IA dizem que a usam na estratégia ou mesmo no planejamento financeiro, enquanto em áreas como marketing, cadeias de suprimentos e operações de atendimento são 25% ou 30%. Um dos motivos pelos quais a adoção está atrasada é que a estratégia é uma das práticas conceituais mais integrativas. Quando os executivos pensam em automação da estratégia, muitos estão olhando bem à frente – para recursos de IA que decidiriam, no lugar do líder empresarial, qual é a estratégia certa. Eles estão perdendo oportunidades de usar IA nos componentes da estratégia que podem melhorar significativamente os resultados.

Eu gosto de usar uma analogia com os assistentes virtuais. Muita gente usa a Alexa ou a Siri, mas pouquíssimas pessoas usam essas ferramentas para fazer mais do que ditar uma mensagem de texto ou apagar as luzes. Não nos sentimos à vontade com a capacidade da tecnologia de entender o contexto em aplicações mais sofisticadas. A IA na estratégia é semelhante: é difícil a IA saber tudo que um executivo sabe, mas ela pode ajudar os executivos em certas tarefas.

Quando os executivos pensam em automação da estratégia, muitos estão olhando bem à frente – para a IA decidindo a estratégia certa. Eles estão perdendo oportunidades de usar IA nos componentes da estratégia.

Joanna Pachner: Que tipos de tarefa a IA pode ajudar os estrategistas a executar hoje?

Yuval Atsmon: Falamos de seis estágios de desenvolvimento da IA. O primeiro é o de analytics simples, a que nos referimos como inteligência descritiva. As empresas usam painéis para fazer análise competitiva ou para estudar o desempenho em diferentes partes da empresa, painéis estes que são atualizados automaticamente. Alguns têm capacidades interativas de refinamento e testes.

O segundo nível é o da inteligência diagnóstica, que é a capacidade de fazer uma retrospectiva da empresa e entender as causas e os fatores determinantes do desempenho. O próximo nível é o da inteligência preditiva: a capacidade de prever certos cenários ou opções e o valor das coisas no futuro com base no impulso que vem do passado e em sinais captados no mercado. Tanto o diagnóstico quanto a previsão são áreas que a IA pode melhorar muito hoje. As ferramentas podem complementar as análises feitas pelos executivos e se tornar campos nos quais você desenvolve capacidades. Por exemplo, com a inteligência diagnóstica, você pode organizar seu portfólio em segmentos para entender de forma detalhada de onde vem o desempenho e fazer isso de uma maneira muito mais contínua do que os analistas seriam capazes. Você pode experimentar 20 maneiras diferentes em uma hora, em vez de mobilizar cem analistas para enfrentar o problema.

A IA preditiva é mais difícil e mais arriscada. Os executivos não devem depender totalmente da IA preditiva, mas ela oferece outro ponto de vista sistemático na sala. Como as decisões estratégicas têm consequências importantes, uma consideração fundamental é usar a IA de forma transparente, no sentido de entender por que ela está fazendo uma certa previsão e quais extrapolações está fazendo a partir de quais informações. Você pode, então, avaliar se confia na previsão ou não. Você pode até usar a IA para acompanhar a evolução das premissas dessa previsão.

Esses são os níveis disponíveis hoje. Os próximos três níveis levarão tempo para se desenvolver. Existem alguns exemplos iniciais de IA que estão sugerindo medidas para os executivos analisarem, medidas estas que seriam criadoras de valor com base na análise. A partir daí, você passa a delegar certa autoridade de decisão à IA, com restrições e supervisão. Por fim, há o ponto no qual uma IA totalmente autônoma analisa e decide sem interação humana.

Como as decisões estratégicas têm consequências importantes, você precisa entender por que a IA está fazendo uma certa previsão e quais extrapolações está fazendo a partir de quais informações.

Joanna Pachner: Que tipos de empresa ou setor poderiam obter os maiores benefícios da adoção da IA em seu nível atual de sofisticação?

Yuval Atsmon: Toda empresa provavelmente tem alguma oportunidade de usar a IA mais do que usa hoje. O primeiro aspecto a analisar é a disponibilidade de dados. Você tem dados de desempenho que podem ser organizados de forma sistemática? As empresas que dispõem de dados em profundidade sobre seu portfólio, inclusive linha de negócios, unidade de manutenção de estoque [SKU], estoque e matérias-primas, têm as maiores oportunidades de usar máquinas para obter insights detalhados que os humanos não conseguiriam obter.

As empresas cujas estratégias dependem de algumas decisões importantes com dados limitados tirariam menos proveito da IA. Do mesmo modo, as que estão enfrentando muita volatilidade e vulnerabilidade a eventos externos se beneficiariam menos do que as empresas com portfólio controlado e sistemático, apesar de poderem aplicar a IA para prever melhor esses eventos externos e identificar o que podem e o que não podem controlar.

Em terceiro lugar, a rapidez das decisões é importante. A maioria das empresas desenvolve estratégias a cada três a cinco anos, as quais depois se tornam orçamentos anuais. Se você pensa na estratégia dessa maneira, o papel da IA fica relativamente limitado, a não ser pela possível agilização das análises que são utilizadas na estratégia. Porém, algumas empresas reveem regularmente decisões importantes que tomaram com base em premissas sobre o mundo que podem ter mudado de lá para cá, afetando o retorno do investimento previsto para as iniciativas. Essas mudanças afetariam a sua maneira de alocar o tempo dos talentos e dos executivos, de gastar dinheiro e de direcionar as atividades de vendas, e a IA pode ser valiosa para orientar isso. A IA tem um valor ainda maior quando você pode tomar decisões perto do momento de mobilizar recursos, porque ela pode sinalizar que suas premissas anteriores mudaram depois de você ter feito o seu plano.

Joanna Pachner: Você pode dar exemplos de empresas que estão empregando a IA para enfrentar desafios estratégicos específicos?

Yuval Atsmon: Não é coincidência que alguns dos usuários mais inovadores da IA sejam empresas nativas da IA e nativas digitais. Algumas dessas empresas vêm obtendo enormes benefícios da IA e aumentando seu uso em outras áreas do negócio. Um player de mobilidade ajusta seu planejamento financeiro com base nos padrões de preços que observa no mercado. Seu negócio tem uma flexibilidade relativamente alta com relação à demanda, mas menos com relação à oferta, então a empresa usa IA para avisar continuamente quando a dinâmica dos preços demonstra uma tendência capaz de afetar a lucratividade ou quando a demanda está aumentando. Isso permite que a empresa reaja rapidamente para criar mais capacidade, já que sua lucratividade é muito sensível à manutenção do equilíbrio entre a oferta e a demanda.

Joanna Pachner: Dada a rapidez com que as coisas mudam hoje, a IA não parece ser mais uma ferramenta tática do que estratégica, que fornece informações efêmeras sobre elementos isolados da estratégia?

Yuval Atsmon: É interessante o fato de você fazer a distinção entre estratégico e tático. É claro que todas as decisões podem ser decompostas em decisões menores, e onde a IA pode ser usada de forma economicamente viável hoje é nos componentes da estratégia. Pode parecer tático, mas pode fazer uma enorme diferença. Uma das principais empresas de investimento do mundo, por exemplo, começou a usar a IA para buscar certos padrões, em vez de examinar empresas individuais diretamente. A IA procura um uso de aplicativos móveis por parte do consumidor que indique que a tecnologia da empresa está se popularizando rapidamente, o que dá à firma a oportunidade de investir nessa empresa antes que outras o façam. Isso criou uma vantagem estratégica significativa para eles, embora a ferramenta em si possa ser relativamente tática.

Joanna Pachner: A McKinsey vem escrevendo muito sobre vieses cognitivos e dinâmicas sociais que podem distorcer a tomada de decisões. A IA pode ajudar nesses desafios?

Yuval Atsmon: Quando falamos com executivos sobre o uso da IA no desenvolvimento de estratégias, a primeira reação que ouvimos é: “Essas decisões são importantíssimas; e se a IA errar nelas?”. A primeira resposta é que os seres humanos também erram – e muito. [Amos] Tversky, [Daniel] Kahneman e outros provaram que alguns desses erros são sistêmicos, observáveis e previsíveis. A primeira coisa que a IA pode fazer é identificar situações que provavelmente darão origem a vieses. Por exemplo, imagine que a IA esteja ouvindo uma sessão de estratégia na qual o CEO propõe algo, e todos dizem “sim” sem debate ou discussão. A IA poderia informar a sala: “Talvez haja um viés de girassol aqui” [em que os membros da equipe seguem o líder], o que poderia dar margem a mais conversas e lembrar ao CEO que é de seu próprio interesse incentivar alguma atuação como advogado do diabo.

Também vemos frequentemente o viés de confirmação, em que as pessoas focam sua análise em provar a sensatez daquilo que já querem fazer, em vez de procurar uma realidade baseada em fatos. É útil simplesmente fazer a IA executar uma análise padrão que não vise a satisfazer o chefe, e a equipe pode então tentar entender por que isso é diferente da hipótese da administração, gerando um debate muito mais rico.

Em termos de dinâmica social, problemas de agência podem causar conflitos de interesse. Todo líder de unidade de negócios acha que sua unidade deve receber o máximo de recursos e que vai entregar o máximo de valor, ou pelo menos acha que deve defender seus negócios. A IA oferece uma maneira de gerir esses debates que é neutra e baseada em dados sistemáticos. Também é útil para os executivos com autoridade de decisão, já que todos sabemos que as pressões de curto prazo e a necessidade de atingir os números trimestrais e anuais levam as pessoas a tomar, em 31 de dezembro, decisões diferentes das que tomam em 1º de janeiro ou 1º de outubro. Como na história de Ulisses e as sereias, você pode usar a IA para lembrá-lo de que queria algo diferente três meses antes. O CEO ainda decide; a IA pode apenas dar esse empurrão extra.

Joanna Pachner: É como se você tivesse ao seu lado o Spock, que é imparcial e puramente analítico.

Yuval Atsmon: Essa não é uma má analogia – pelo menos para os fãs de Star Trek.

Joanna Pachner: Você tem uma aplicação favorita da IA na estratégia?

Yuval Atsmon: Eu trabalhei muito com alocação de recursos, e um dos desafios, que chamamos de fenômeno do taco de hóquei, é que os executivos estão sempre excessivamente otimistas sobre o que acontecerá. Eles sabem que a alocação de recursos será inevitavelmente definida por sua crença a respeito do futuro, e não necessariamente pelo desempenho passado. A IA pode fazer uma previsão objetiva do desempenho a partir de um caso de impulso normal: com base em tudo o que aconteceu no passado e em alguns indicadores sobre o futuro, qual é a previsão de desempenho se não fizermos nada? Isso é antes de dizermos: “Mas vou contratar essas pessoas, desenvolver esse novo produto e melhorar meu marketing” – coisas que todo executivo acha que o ajudarão a entregar mais do que no passado. O caso de impulso neutro, que a IA é capaz de calcular com frieza, como o Spock, pode mudar a dinâmica da discussão sobre a alocação de recursos. É uma forma de inteligência preditiva acessível hoje e, embora não deva ser definitiva, proporciona uma base para decisões melhores.

Joanna Pachner: Você vê o acesso aos talentos em tecnologia como um dos obstáculos à adoção da IA na estratégia, sobretudo em grandes empresas?

Yuval Atsmon: Eu faria uma distinção. Se você está se referindo a talentos em machine learning e ciência de dados ou a engenheiros de software que criam as ferramentas digitais, definitivamente não é fácil obtê-los. No entanto, as empresas podem, cada vez mais, usar plataformas que dão acesso a ferramentas de IA e depender menos de empresas individuais. Além disso, esse campo da estratégia é empolgante – é de ponta, por isso é provavelmente mais fácil obter talentos em tecnologia para ele do que para trabalho de manufatura.

O maior desafio, ironicamente, é encontrar estrategistas ou pessoas com experiência em negócios para contribuir com essa iniciativa. Você não resolverá problemas de estratégia com IA sem o envolvimento de pessoas que entendem a experiência do cliente e o que você está tentando alcançar. Aqueles que sabem mais, como os executivos seniores, não têm tempo para serem gerentes de produto para a equipe de IA. Uma restrição ainda maior é que, em alguns casos, você está pedindo às pessoas que se envolvam em uma iniciativa que pode reduzir a importância da atividade delas. Pode haver muitas oportunidades de incorporar a IA às atividades existentes, mas é algo sobre o qual as empresas precisam refletir. A melhor abordagem talvez seja criar uma fábrica digital na qual uma equipe diferente crie e teste aplicativos de IA, com a supervisão de stakeholders seniores.

O grande desafio é encontrar estrategistas para contribuir com a iniciativa de IA. Você está pedindo às pessoas que se envolvam em uma iniciativa que pode reduzir a importância da atividade delas.

Joanna Pachner: Você acha que essa preocupação com a segurança no emprego e com a possibilidade de a IA automatizar a estratégia é realista?

Yuval Atsmon: A questão sobre se a IA substituirá o discernimento humano e acabará com o emprego da humanidade é importante, e eu a deixaria para outros especialistas.

A questão pertinente é a automação no curto prazo. Devido à sua complexidade, a estratégia seria um dos campos que a automação afetaria posteriormente, mas estamos vendo isso em muitos outros campos. No entanto, a tendência há mais de duzentos anos tem sido a automação criar novos empregos, embora estes exijam habilidades diferentes. Isso não elimina o medo que algumas pessoas têm de uma máquina expor seus erros ou fazer seu trabalho melhor do que elas.

Joanna Pachner: Publicamos recentemente um artigo sobre coragem estratégica em uma era de volatilidade, que falava sobre três tipos de vantagens que os líderes empresariais precisam desenvolver. Uma delas é uma vantagem nos insights. Você acha que a IA tem um papel a desempenhar em termos de proporcionar uma vantagem referente a insight exclusivos?

Yuval Atsmon: Um dos desafios que a maioria dos estrategistas enfrenta é a esmagadora complexidade do mundo em que atuamos – o número de incógnitas, a sobrecarga de informações. Por um lado, pode parecer que a IA criará outra camada de complexidade. Na realidade, ela pode ser um facão afiado que corta parte da confusão. A pergunta a ser feita é: será que a IA pode simplificar minha vida me dando insights mais aguçados e oportunos com mais facilidade?

Joanna Pachner: Você trabalha com estratégia há muito tempo. O que despertou o seu interesse em explorar essa interseção da estratégia com as novas tecnologias?

Yuval Atsmon: Sempre fui fascinado pelas coisas que estão na fronteira do que parece possível. A segunda lei do escritor de ficção científica Arthur C. Clarke é que, para descobrir os limites do possível, você tem que se aventurar um pouco além deles, em direção ao impossível, e acho isso particularmente atraente nesta arena.

A IA na estratégia está em um estágio bem incipiente, mas pode ser muito importante para as empresas e para a profissão. Para um alto executivo, as decisões estratégicas são a principal maneira de influenciar o negócio, afora, talvez, a montagem da equipe da alta administração, e é espantoso que hoje se use tão pouca tecnologia nesse processo. É concebível que a vantagem competitiva esteja cada vez mais em ter executivos que saibam como aplicar bem a IA. Em alguns campos, como o de investimentos, isso já está acontecendo, e a diferença nos retornos pode ser impressionante. Acho muito empolgante ajudar as empresas a fazer parte dessa evolução.

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