Neste episódio do podcast Inside the Strategy Room, três especialistas discutem como conselheiros corporativos podem lidar com o aumento constante de suas responsabilidades. Steven Sterin tem décadas de experiência como executivo sênior nos setores de energia e produtos químicos, e Karen McLoughlin é ex-CFO da Cognizant; ambos agora atuam em vários Conselhos. Eles conversam com Frithjof Lund, líder global da linha de Board Services da McKinsey. O programa foi gravado em Nova York, durante um fórum de liderança e estratégia da McKinsey. Esta é uma transcrição editada da conversa.
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Sean Brown: O mundo dos negócios mudou drasticamente nos últimos anos. O que significa ser membro de um Conselho hoje?
Frithjof Lund: Com todos os novos desafios que vêm surgindo, desde a geopolítica e a IA generativa até a digitalização e a sustentabilidade, o cargo de conselheiro corporativo provavelmente nunca foi tão complexo. Novas questões entram na agenda dos Conselhos quase todos os dias. Também vemos uma expectativa de o Conselho envolver-se cada vez mais em estratégia, investimentos, fusões e aquisições, gestão do desempenho, riscos, talentos e na organização em si.
Steven Sterin: Vale notar que nenhum dos aspectos do papel histórico dos Conselhos desapareceu. O que Frithjof acabou de mencionar é totalmente aditivo, de modo que o grau de envolvimento exigido dos Conselhos aumentou exponencialmente e não vai arrefecer.
Karen McLoughlin: Além disso, os desafios que a alta gestão enfrenta hoje são bem diferentes dos de antes. Poucas equipes gestoras haviam enfrentado algo como as provações e tribulações dos últimos anos e, portanto, é cada vez mais importante que tenham um relacionamento forte com o Conselho e possam contar com a assessoria dos conselheiros para lidar com todos os desafios.
Sean Brown: Mudou o modo como os conselheiros trabalham com a alta gestão?
Steven Sterin: Em vista do número de questões com que temos de lidar, o modo como o Conselho e a alta gestão se relacionam está mudando. Não se trata mais de quatro reuniões do Conselho por ano. Agora temos reuniões intertrimestrais, além de reuniões de comitês especiais que tratam de temas específicos, como diversidade e inclusão.
Frithjof Lund: Acho interessante a crescente interação individual entre conselheiros e gestores. Ao longo da história, víamos isso principalmente em empresas privadas, mas agora também os altos executivos das maiores empresas de ponta costumam interagir diretamente com este ou aquele conselheiro. É perfeitamente possível encontrarmos hoje um CFO experiente do Conselho atuando como coach de um jovem CFO da diretoria.
Karen McLoughlin: É verdade. E essa colaboração pode ser baseada em competências específicas, como quando um membro do Conselho com determinada expertise ajuda a equipe gestora em alguma questão. Como conselheira, acho muito gratificante poder interagir fora da sala de reunião e mergulhar profundamente em um tópico. Minha função é oferecer suporte à alta gestão (e também aos acionistas), mas aprendo tanto com os gestores quanto espero que eles aprendam comigo.
Sean Brown: Durante sua sessão no fórum, Frithjof, você falou sobre um “Conselho catalisador”. O que você quer dizer com isso?
Frithjof Lund: Além de um interlocutor capaz de agregar valor, muitas vezes o Conselho também deve ser um catalisador capaz de acelerar mudanças. Tomemos como exemplo uma empresa de petróleo e gás que precisa gerir sua transição energética e identificar as possíveis oportunidades que esta pode oferecer. Normalmente, a equipe gestora formou-se e amadureceu nessa indústria e agora precisa incorporar hidrogênio verde, energia eólica offshore e outros métodos de produção de energia. E é claro que os gestores vão querer que o Conselho possua essas expertises para ajudá-los a catalisar mudanças rápidas.
Karen McLoughlin: O Conselho também pode proporcionar à alta gestão a confiança necessária para empreender essas mudanças. Muitas vezes, o CEO de uma empresa de capital aberto fica atado ao que os investidores querem no curto prazo, deixando de lado as oportunidades de longo prazo para a organização. O Conselho desempenha aqui um papel importante, ajudando o CEO a tomar essas decisões difíceis em prol do futuro da empresa. Só isso já representa uma grande mudança no papel tradicional do Conselho.
Sean Brown: Como o Conselho pode assegurar que possui informações suficientes para oferecer assessoria substancial em estratégias e grandes iniciativas sem se sobrecarregar com detalhes?
Steven Sterin: A preparação de materiais para o Conselho é uma etapa crítica que fará com que as reuniões corram bem e os conselheiros e gestores discutam as questões certas. O tempo dedicado a essa preparação permite aos gestores refletir sobre as questões, o que ajuda a focar a discussão. Acho útil aqui que o CEO redija um breve memorando definindo quais são as questões prioritárias e quais são os assuntos de rotina (como gestão do desempenho), para que fique bem claro quais são os tópicos que precisam ser discutidos na reunião.
O tempo que os conselheiros precisam dedicar ao exame desses materiais também está aumentando, o que considero positivo, pois torna possível haver mais diálogo do que apresentações de slides nas reuniões do Conselho. Os desafios que existem hoje não irão desaparecer, e novos surgirão, e é por isso que acredito que as demandas sobre os conselheiros só tendem a aumentar. Se no passado talvez fizesse sentido a um executivo aposentado integrar três, ou até quatro Conselhos, hoje pode ser mais viável participar apenas de um ou dois.
Frithjof Lund: De fato, nos últimos cinco a dez anos temos visto aumentar o tempo exigido dos conselheiros. Em média, um Conselho trabalha 32 a 33 dias por ano no total, o que inclui preparação e atividades em comitês, sendo que os Conselhos de empresas de capital privado despendem quase o dobro do tempo que os de empresas de capital aberto.
Sean Brown: Dado o escopo crescente do trabalho de um conselheiro, o que um novo conselheiro deve fazer para se atualizar e acelerar seu processo de onboarding?
Frithjof Lund: Durante nossa sessão, uma participante disse que sua empresa filmou líderes empresariais falando sobre o funcionamento de cada área de negócios e sobre as principais questões estratégicas, exigindo que todo novo conselheiro assistisse aos vídeos. É um bom exemplo de pensamento criativo sobre maneiras de integrar novos diretores corporativos ao Conselho.
Karen McLoughlin: O processo de onboarding é fundamental, mas treinamento contínuo, envolvimento ativo no negócio e visitas pessoais às instalações também são importantes. A presença da alta gestão na sala do Conselho é útil por algum tempo, mas, para os conselheiros, nada supera ouvir o que o pessoal da linha de frente tem a dizer sobre o que funciona e não funciona, ou sobre como os clientes veem a empresa.
Steven Sterin: Uma boa prática de onboarding é convidar os novos conselheiros a visitarem a sede da empresa por um ou dois dias, convivendo com os líderes das diferentes disciplinas e fazendo perguntas que talvez não se sentissem à vontade em fazer numa reunião do Conselho. Isso pode acelerar seu processo de aprendizagem. Também constatei que reuniões realizadas em diferentes locais ou regiões em que a empresa atua permitem que os conselheiros não só aprendam mais sobre a organização, como também interajam com os líderes da linha de frente e compreendam melhor a cultura.
Sean Brown: Qual é, a seu ver, o papel do Conselho no desenvolvimento de talentos?
Karen McLoughlin: Em um dos Conselhos que integro, cada conselheiro tem um ou mais mentorados na alta gestão. Eu mesma sou mentora de uma jovem que está subindo na organização. Ela e eu nos encontramos com frequência e conversamos sobre tudo que lhe passa na mente à medida em que evolui como líder. É uma estrutura bastante informal, mas funciona para nós.
Como membros do Conselho, também nos envolvemos em projetos estratégicos quando seus líderes precisam de ajuda ou assistência em áreas em que podemos assessorá-los. Por exemplo, um de meus Conselhos revisou recentemente a organização de TI da empresa e, como tenho experiência em serviços, o CIO pediu minha ajuda. Foi uma colaboração muito aberta (e, creio, rara ao longo da história dos Conselhos), mas penso que seja a forma de extrair o máximo valor de um Conselho.
Steven Sterin: Tradicionalmente, o Conselho sempre se concentrou na sucessão do CEO, mas hoje vemos isso descendo um ou dois níveis na organização. O Conselho tem contato recorrente com futuros CEOs, que têm assim a oportunidade de interagir com os conselheiros, os quais, por sua vez, têm a oportunidade de avaliar os talentos existentes na própria organização.
Sean Brown: A seu ver, mentorar executivos e contribuir para definir a futura alta gestão da empresa deveriam se tornar parte rotineira do papel do Conselho?
Karen McLoughlin: De certa forma, já são, porque os talentos se tornaram uma questão de grande risco para as organizações. O Conselho precisa conhecer os dois níveis hierárquicos seguintes, visando não apenas o CEO, mas também outros cargos executivos chave. Como conselheira, acho útil saber o que o CEO pensa sobre talentos. Temos visto alguns resultados surpreendentes quando o Conselho não julga que determinado executivo seja adequado para certa função, mas o CEO acredita nele e diz: “Eu vou trabalhar com esse indivíduo e depois conversaremos”.
Frithjof Lund: Isso também tem a ver com cultura, pela qual os Conselhos cada vez mais têm de prestar contas. Houve vários escândalos corporativos em que Conselhos foram acusados de não monitorarem adequadamente os aspectos culturais. Para nortear a cultura, é preciso ter antenas na organização inteira – não dá para confiar apenas na equipe gestora.
Sean Brown: E quanto ao Conselho desenvolver suas próprias habilidades? Em sua sessão, você se referiu a um “Conselho capaz de aprender”, que incorpora perspectivas de fora da empresa em suas discussões e decisões. Quão comum isso se tornou?
Frithjof Lund: Cada vez mais, vejo Conselhos convidarem especialistas em geopolítica ou inteligência artificial, por exemplo, e também pensadores de ponta sobre essas e outras questões. Esses encontros se tornam-se verdadeiras sessões de capacitação, mas com a presença de perspectivas externas na sala de reunião.
Steven Sterin: Acho que é uma ótima prática. Também conheço Conselhos que trazem analistas tanto do lado comprador como do lado vendedor para falar sobre como eles avaliam a empresa ou onde veem oportunidades. A função máxima do Conselho é representar os acionistas, de modo que conhecer a perspectiva destes é inestimável, não só para os conselheiros, mas também para a equipe de gestão.
Frithjof Lund: Um presidente de Conselho que entrevistamos trazia, a cada três anos, profissionais externos para revisarem a estratégia adotando um sistema de “times antagonistas” – de um lado, a equipe gestora; de outro, a equipe de especialistas externos – que então apresentavam suas perspectivas ao Conselho. Foi uma forma de colidir a visão de dentro para fora dos gestores com a perspectiva de fora para dentro dos especialistas externos, o que levou a discussões bastante frutíferas. Mas é claro que isso só funciona quando existe forte confiança entre o Conselho e a alta gestão.
Sean Brown: Se alguém que tenha sido convidado para integrar um Conselho lhe pedisse uma orientação, o que você diria?
Steven Sterin: A primeira pergunta que eu faria a um futuro conselheiro é: “Por que você quer fazer parte do Conselho?” Não se trata de remuneração – o salário é secundário em vista do número de horas que um conselheiro tem de dedicar. É preciso que você realmente queira ter um impacto na empresa e sinta que é capaz de agregar valor.
Karen McLoughlin: Além disso, eu lhe perguntaria: “Por que o Conselho quer que você participe? Você entende qual é a função que eles querem que você exerça? Qual aspecto de sua formação seria valiosa para a organização?” E perguntaria ainda: “Você sente respeito pelos diretores que conheceu? E sente respeito pelos demais conselheiros?” Isso é importante, pois você passará muito tempo com essas pessoas. Por fim, não se trata de um compromisso de um ou dois anos; você tem de estar disposto a assumir um compromisso de dez anos.
Sean Brown: No que as equipes da alta gestão e os Conselhos mais precisam de assessoria?
Frithjof Lund: Em como criar uma boa dinâmica de equipe nas reuniões para que os gestores sintam que o Conselho realmente agrega valor. Como garantir que a discussão focará os principais desafios estratégicos?
Karen McLoughlin: A existências comitês distintos que foquem tópicos específicos – remuneração, auditoria, nomeação, governança – pode ajudar a criar o tempo necessário. Mas tem que haver confiança dentro do Conselho e entre o Conselho e a alta gestão.
Frithjof Lund: Também vemos muitos CEOs que relutam expressar claramente o que precisam do Conselho para obter o máximo valor da expertise dos conselheiros. Por exemplo, poderiam especificar quais competências dos conselheiros lhes seriam mais úteis e qual o papel que desejam que o Conselho exerça na elaboração da estratégia, no desenvolvimento de talentos ou na cultura. Isso vira a prática tradicional de governança de ponta-cabeça, pois é o Conselho que normalmente define os parâmetros.
Karen McLoughlin: Como parte da avaliação do Conselho, a alta gestão pode fornecer feedback. Os conselheiros recebem esse feedback individual anonimizado, o que é ótimo, pois lhes permite averiguar como estão se saindo na função e onde estão agregando valor.
Steven Sterin: Outro ponto é definir a linha divisória entre a alta gestão e o Conselho. Dissemos que o Conselho é um catalisador, mas a alta gestão é responsável pela estratégia e as operações da empresa e pela entrega de resultados. À medida que os conselheiros vão se envolvendo mais e mais, temos de manter essa linha em mente.
Frithjof Lund: Concordo plenamente. A questão de definir limites surge com frequência. Os Conselhos estão evoluindo ao longo de um espectro: no passado, atuavam principalmente com base no controle e na obediência; hoje são mais como interlocutores, ainda que sem as responsabilidades correspondentes. Muitos Conselhos e equipes gestoras poderiam se beneficiar com uma demarcação clara dessa linha. Como podemos efetivamente colaborar na estratégia? Qual é o papel do Conselho em relação ao risco? Há Conselhos que não fazem isso há anos, mas seria uma boa ideia que voltem a fazê-lo.