Máquinas digitais: Como as empresas podem vencer o jogo da fabricação

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Tradicionalmente, e por um bom motivo, as grandes empresas fabricantes de máquinas e bens de produção têm-se concentrado na venda de máquinas e seus componentes e têm baseado seu modelo de negócios e seu sucesso na excelente qualidade de seus produtos. Agora, no entanto, parece que esse tempo já ficou para trás. Três desdobramentos de impacto e que se reforçam mutuamente despontam em toda a indústria de máquinas, exigindo uma reformulação fundamental dos atuais modelos de negócios:

Intensificação da concorrência global. Durante muitas décadas, os fabricantes de máquinas europeus e americanos dominaram o mercado global de máquinas. Contudo, esse equilíbrio de forças se alterou e a balança começou a pender para a região da Ásia- Pacífico (Quadro 1). Nos últimos anos, vem crescendo a força de vários novos atores provenientes daquela região, principalmente da China. Ao lado de cópias, de preços muito competitivos, de máquinas dos EUA e da Europa, eles se apresentam também com grande poder de inovação, posicionando a Ásia-Pacífico como o grande dínamo global da produção de máquinas, avançando cada vez mais pelo terreno das máquinas especiais. Como resultado, para defender seus preços premium, praticamente não resta aos fabricantes (sobretudo fora da Ásia) outra opção a não ser encarar o importantíssimo tópico do futuro do maquinário digital.

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Commoditização de hardware. O setor de hardware – no sentido de máquinas e bens de produção – passa por crescente commoditização. O conhecimento especializado, anteriormente um quesito essencial, nos dias de hoje começou a ceder terreno para a capacidade técnica – acima de tudo, a capacidade de começar a substituir o conhecimento especializado por software, em algumas partes da fabricação de máquinas – que se apresenta agora como tudo o que é necessário. Além disso, tecnologias digitais totalmente novas, como a manufatura aditiva, permitem os fabricantes de máquinas ou peças criar produtos mais complexos, que as técnicas de fabricação tradicional não comportavam, bem como satisfazer a demanda de clientes com mais rapidez e menos custos. Dessa forma, intensificou-se a pressão de custos sobre os fabricantes de máquinas padronizadas – e até mesmo especializadas –, bem como as empresas de engenharia industrial.

Mudança sísmica nas áreas de pools de valor. Juntas, as tendências de mercado mencionadas acima estão ocasionando uma mudança na concentração de valor na área de tecnologia digital, do nível de hardware para as ofertas de serviços de hardware-software (mais detalhes a esse respeito no Quadro 2). Como essas ofertas dependem menos de hardware – que era uma barreira à entrada no mercado -, o novo domínio de software e serviços, cada vez mais valioso, está se transformando no campo de batalha e ponto de entrada para novos players tecnológicos, complicando e intensificando ainda mais a concorrência já descrita. Esses players não têm tanto conhecimento específico da área da manufatura, mas são superiores em termos de conhecimento de software e analytics. Usam suas competências para coletar e analisar dados com o intuito de oferecer atrativos modelos de negócios de IoT como serviço (por exemplo, manutenção preditiva baseada em máquinas inteligentes, coleta de dados e análises) e até modelos de negócios baseados no resultado. Como conhecem melhor que outros os dados produzidos por essas máquinas, os players tecnológicos têm condições de desenvolver uma gama de produtos e ofertas totalmente novos. Para exemplificar, a força de data analytics pode possibilitar aos players tecnológicos vender garantia de potência de turbina – em contraposição a turbinas em si – porque a manutenção preditiva pode tornar a potência de turbina 98% confiável.

Máquinas digitais como oportunidade de crescimento em tempos desafiadores

Com esse pano de fundo de crescente concorrência, commoditização e consequente pressão de preços, a transformação digital é uma jogada certa para todos os fabricantes de máquinas e bens de produção. Os modelos de negócios baseados em digitalização proporcionam oportunidades atrativas de crescimento e eficiência. Antes de explicar por que isso ocorre dessa forma, vamos definir o real significado de “máquinas digitais”.

Digitalização é um conjunto de ações que ajudam as organizações a usar a potência do digital em produtos e serviços, experiência do cliente, análises e automação. Apesar das muitas formas que esse processo pode assumir, observamos em quase todas as indústrias que passam por digitalização evidências de cinco temas relativos a digital:

  • As linhas divisórias entre os setores estão ficando indistintas. As organizações estão entrando em novos campos de atuação e constatando que empresas que antes eram alheias a elas passaram a ser seus mais novos concorrentes.
  • Surgem conflitos entre novos canais digitais e canais antigos.
  • O digital pode liberar um grande potencial em processos internos e aumentar radicalmente a eficiência.
  • Novas tecnologias e novo comportamento do cliente alavancam novos modelos de negócios.
  • Novas capacidades precisam ser formadas e desafios de TI/tecnologia, organização e liderança precisam ser enfrentados.

Esses temas são tão válidos para o setor de fabricação de máquinas como para muitos outros. Sua crescente importância em fabricação, no entanto, é ocasionada por outras rupturas, específicas a esse setor. “Máquinas digitais” ou “Indústria 4.0” (esta última entendida como o ecossistema que foca na digitalização em manufatura) é o resultado de quatro tendências relacionadas aos temas digitais expostos acima, fazendo da digitalização das máquinas um fenômeno peculiar:

  • o poder da Internet das Coisas (Internet of Things - IoT), aliado à enorme queda dos preços de nós de IoT e ao espantoso aumento dos volumes de dados, do poder computacional e da conectividade, sobretudo novas redes de longa distância e baixa potência;
  • a emergência de capacidades em analytics e inteligência de negócios;
  • novas formas de interação homem-máquina, como interfaces de toque e sistemas de realidade aumentada;
  • melhorias substanciais na transferência de instruções digitais ao mundo físico, como robótica avançada e impressão em 3D.

O maquinário digital proporciona às empresas manufatureiras a oportunidade de construir suas próprias fábricas inteligentes e vender máquinas inteligentes que ajudarão os clientes a digitalizar as deles. Ademais, maquinário digital também significa a passagem de “apenas hardware” para “hardware, software e serviços”, o que permite o desenvolvimento de novos modelos de negócios. Para exemplificar, além de sua própria fábrica inteligente, uma empresa de engenharia também pode criar um novo modelo de negócios baseado em máquinas inteligentes, possibilitando novas ofertas de serviços, como a manutenção preditiva. A digitalização também torna possível a existência de modelos de negócios baseados em resultados, que seria a base de ofertas como a garantia de performance de máquinas.

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Nesse último modelo, em vez de vender um motor de turbina para um fabricante de aviões ou uma turbina eólica para uma empresa de serviços públicos, os fabricantes garantiriam um determinado desempenho e venderiam e precificariam apenas a potência ou energia gerada, com base em indicadores de desempenho específicos e previamente acordados, passíveis de mensuração contínua.

Isso tudo aponta para a inevitabilidade da digitalização e a urgência da oportunidade no novo cenário de maquinário e fabricação. Talvez a melhor forma de traduzir essa noção seja a famosa declaração de Jeff Immelt: “Se você foi dormir ontem como empresa industrial, vai [terá de] acordar hoje como empresa de software e analytics” (Jeff Immelt, CEO da GE, 2016).

Como tornar-se uma empresa de maquinário digital

Antes de conceber modelos de negócios de máquinas digitais, é preciso que os fabricantes tomem três decisões fundamentais e determinem o papel mínimo que sua organização exercerá na Indústria 4.0, o ascendente ecossistema de fabricação digital:

Como usar a tecnologia digital para aumentar a eficiência e melhorar a excelência operacional. Aqui, a principal tarefa é identificar quais casos de uso de digital agregam o maior valor e como as tecnologias digitais podem ser aplicadas a toda a cadeia de valor para aumentar a eficiência e diminuir os custos. Para tanto, os fabricantes de máquinas devem montar uma equipe multifuncional encarregada de entregar três produtos finais:

  • entendimento claro dos atuais pontos problemáticos e atividades geradoras de desperdícios ao longo da cadeia de valor que podem ser tratados com tecnologias digitais
  • um conjunto de iniciativas digitais voltadas para tratar desses pontos problemáticos (priorizadas por impacto, possibilidade de execução e necessidades de investimento)
  • um roadmap esquemático equilibrando vitórias iniciais com iniciativas de mais longo prazoe alto impacto, identificando claramente os requisitos de TI

Como “subir” na área de automação industrial e passar de empresa de hardware a empresa de “hardware, software e serviços”. Como exposto acima, os pools de valor da área de automação industrial tradicional estão atravessando uma fase de mudança sísmica em direção a aplicativos de software e plataformas de nuvem/IoT (Quadro 2). Para a empresa de maquinário, isso introduz o imperativo estratégico de “subir” na área de tecnologia para incluir esses novos pools de lucros. A capacidade da empresa de maquinário ter êxito nessa iniciativa depende, em grande parte, de sua experiência com IoT, suas capacidades de desenvolvimento de software e sua presença na cadeia de valor de seus clientes. Assim, a empresa que abastece fábricas inteiras – ou soluções de engenharia de grande importância estratégica – têm mais chances de convencer os clientes do valor de suas soluções de software do que aqueles que fornecem máquinas de importância estratégica limitada. Além disso, as empresas de maquinário precisam definir suas estratégias de IoT, figurando entre as principais decisões a de ingressar em um ecossistema ou construir um ecossistema (e qual seria ele) e oferecer uma plataforma de valor agregado e serviços relacionados ou construir uma plataforma própria.

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Como ampliar ou alterar os portfólios atuais com tecnologias digitais recentes, como manufatura aditiva, IA, robótica ou sensores. Por fim, as empresas de maquinário – muitas delas com um sólido histórico de liderança tecnológica – podem considerar as tecnologias digitais como oportunidades totalmente novas e muito atrativas de entrar em novos ramos de atividade e fazer a empresa evoluir de um modelo centrado em hardware/serviços para um modelo mais centrado em software.

Para iniciar esta discussão, as empresas devem traçar primeiramente seu “mapa de tecnologia”, começando com tecnologias diretamente adjacentes às suas atuais atividades essenciais. Depois de traçado o mapa de tecnologia (ver um exemplo no Quadro 3), deve ser feita uma avaliação estratégica para aquilatar a atratividade das diferentes tecnologias/mercados e a capacidade da empresa de entrar nesses mercados. Apresentamos abaixo um breve apanhado de recentes ações em tecnologia tomadas por algumas empresas manufatureiras que tiveram êxito na entrada em novos mercados:

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  • Impressão em 3D. A DMG Mori decidiu acrescentar a impressão em 3D a suas operações e adquiriu a Realizer, empresa de manufatura aditiva.
  • Robótica. A ZF é especializada em IA e alavancou parcerias (por exemplo, com a NVIDIA) para melhorar suas soluções de condução autônoma.
  • Sensores. A Intel continua a se expandir fora da fabricação de semicondutores, fazendo investimentos em tecnologia de sensores (um exemplo é a aquisição da Mobileye), o que lhe permite fazer ofertas em tecnologias de visão digital e veículos autônomos.

As três pedras angulares da construção de uma empresa de maquinário digital

Uma vez definido claramente o rumo a seguir, várias ações em três áreas fundamentais vão nortear a transformação do fabricante tradicional de máquinas em empresa de máquinas digitais (Quadro 4).

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Evidentemente, o passo essencial é “desenvolver a arquitetura de negócios”, já que “decidir quais novos ecossistemas construir” e “reforçar os alicerces” são, por comparação, passos que possibilitam a missão, mas não são críticos para ela. Por esse motivo, o restante deste artigo dá mais ênfase às implicações do desenvolvimento da arquitetura de negócios.

Decidir quais novos ecossistemas construir

O leque de opções possibilitadas pelas máquinas digitais é amplo, e por isso as empresas precisam pensar estrategicamente onde vão atuar, quais ofertas vão criar/ampliar, e para quem. Dessa forma, elas devem determinar em primeiro lugar qual ecossistema será seu foco (por exemplo, Indústria 4.0, mobilidade digital, logística digital) para então decidir se irão:

  • criar novas ofertas para clientes atuais ou novos
  • ampliar e aumentar digitalmente serviços e produtos, por exemplo, serviços relacionados a digital twins
  • explorar novos modelos de entrega, como parcerias
  • adaptar modelo(s) de negócios para capturar pools de valor em mudança, tais como modelos de negócios como serviço, plataformas, modelos baseados em direitos de propriedade intelectual, ou modelos de negócios alavancados por dados.

Dependendo das circunstâncias específicas, pontos fortes, recursos e plano estratégico geral, as empresas podem selecionar uma ou mais combinações das seguintes opções.

Desenvolver a arquitetura de negócios

As empresas precisarão (re)desenhar a estrutura de negócios do ponto de vista de marketing, produtos, operações e administração:

Marketing e vendas 4.0. Os líderes digitais enfocam o cliente e, portanto, as empresas de máquinas digitais precisam aprimorar sua abordagem à interação com o cliente e empenhar-se em atingir a excelência em marketing digital. Para chegar lá, elas devem implementar as últimas tecnologias digitais para aumentar a eficiência dos processos de interação com o cliente, sobretudo aqueles relacionados a marketing e vendas. A análise dos pontos problemáticos na interação com clientes também ajudará a aprimorar a jornada de seus clientes, resultando, por exemplo, em maior conversão ou churn menor.

Produto 4.0. As empresas precisam repensar radicalmente as formas de usar o digital para fazer evoluir seus produtos tradicionais, bem como para desenvolver novos produtos, serviços e modelos de negócios. Isso significa integrar as últimas tecnologias digitais a P&D e inovação, para agilizar os processos e reduzir drasticamente os custos, além de dispor-se a fazer parcerias com terceiros nesses processos e usar metodologias de desenvolvimento aberto.

Como empresas industriais avançadas devem abordar a estratégia de inteligência artificial

Operações e serviços 4.0. As empresas precisarão definir e construir a estrutura em que operam como uma organização de maquinário digital. Isso implica chegar a uma decisão sobre a melhor forma de:

  • tornar-se uma fábrica inteligente, por exemplo, eliminando ineficiências em toda a linha digital (i.e., melhor uso das informações não capturadas/ disponibilizadas/ usadas hoje)
  • atingir a integração digital completa das operações (por exemplo, da matéria prima ao consumidor)
  • alavancar tecnologias digitais em todas as funções (inovação aberta, manufatura aditiva, múltiplos canais, precificação, compras, back office, etc.)

Administração 4.0. As empresas precisarão implementar tecnologias digitais para aumentar a excelência operacional, principalmente nas funções de retaguarda. Isso vai muito além de implementar ferramentas de TI e aumentar o grau de automação. Administração do próximo nível significa usar advanced analytics e inteligência artificial não somente para aumentar a eficiência, mas também para melhorar e agilizar o preparo das decisões gerenciais (por exemplo, usando projeção preditiva).

Fortalecer os alicerces

Capacidades de TI e tecnologia, bem como mudanças organizacionais e culturais, serão fundamentais para a nova organização e suas ofertas de maquinário digital. Assim, recomendamos às empresas:

  • fortalecer esses ativos, por exemplo, implementar arquitetura de TI de duas velocidades (como arquitetura distribuída, incluindo edge computing, etc.), conectividade de última geração (incluindo sensores inteligentes) e segurança cibernética, formar capacidades em advanced analytics e software (UX/UI, software embutido, etc.)
  • transformar a organização e cultura existentes em um ambiente digital e ágil, caracterizado por liderança digital e gestão de talentos digitais, organização de duas velocidades e gestão de parceiros

Recomendações práticas para iniciar uma transformação digital

É fora de dúvida que não existe uma única abordagem padronizada para começar a transformar uma organização manufatureira em uma empresa de máquinas digitais. No entanto, nossas constatações relativas a máquinas digitais, bem como nossas observações dos atores de maior sucesso em manufatura e indústrias adjacentes, com desafios de digitalização semelhantes, trazem à tona abordagens e perspectivas eficazes que as empresas que aspiram transformar-se em fabricantes digitais poderiam adotar:

  • Aceitar o desafio. A digitalização é uma questão de “como” e não de “se”. Mesmo assim, apenas um pequeno número de empresas de máquinas e bens de produção perceberam claramente e aceitaram o desafio digital, empenhando-se em colocar nesse rumo o desenvolvimento futuro da organização.
  • Agir com rapidez. Aceitar que a velocidade é melhor que as sinergias, na primeira rodada. Começar pelo básico – i.e. conectividade e sensores inteligentes – para agir sem perda de tempo.
  • Fazer uma escolha fundamentada. Decidir se (e quanto) crescer na área de automação industrial: até atingir a camada de integração de MES, tirar proveito de análises sofisticadas, ou seguir a trajetória toda, até oferecer uma plataforma de nuvem baseada em IoT. Alternativamente, ou adicionalmente, as empresas podem investigar campos novos campos atrativos de tecnologia digital (por exemplo, condução autônoma, robótica, IA) e fazer de um deles sua próxima área de atuação preferencial (foi o que a Intel fez).
  • Manter sempre uma perspectiva centrada no cliente. Jamais esquecer o cliente e – começando com uma análise de pontos problemáticos – começar a pensar em todas as possíveis mudanças ao longo da jornada do cliente. Isso é de particular importância para as empresas manufatureiras ou fabricantes de máquinas que podem pender para a construção de novas jornadas digitais com base na sua força em engenharia técnica, menosprezando a importância do relacionamento com o cliente.
  • Ampliar a oportunidade por meio dos dois princípios a seguir: continuar a trabalhar em novos modelos de negócios – i.e. modelos baseados no potencial de digitalização de ambientes de Indústria 4.0/fabricação digital – e continuar a questionar os modelos existentes. Além disso, pensar grande, sair da venda de hardware e entrar na venda de serviços (por exemplo, manutenção preditiva) e a na venda e garantia de resultados (em vez de produtos).=

“Sujar as mãos” para fazer andar a transformação digital de sua empresa e testar as primeiras aplicações prospectivas de máquinas digitais na sua empresa não exige um longo preparo nem um grande investimento inicial. Entrar de súbito traz o benefício de gerar resultados precoces e ajudar sua empresa a avançar rapidamente na jornada para tornar-se uma organização que aceita o pleno potencial das máquinas digitais. O que você está esperando?

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