Aprenda a andar antes de voar: como capturar a oportunidade digital nas empresas aéreas

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Em uma época em que ocorrem disrupções digitais muito abrangentes em todos os segmentos da economia mundial, muitas empresas aéreas decidiram também embarcar em transformações digitais mais amplas, tanto como forma de se proteger como para ganhar valor competitivo. No entanto, observamos que 70% dos grandes programas de transformação, independentemente de seus objetivos específicos, acabam por perder o foco, sucumbir à confusão ou mesmo nunca conseguir atingir todo o seu potencial.

No longo prazo, a digitização de uma empresa deve chegar ao centro de suas operações; ela não deve se limitar ao desenvolvimento de um novo aplicativo móvel ou à nomeação de um Chief Digital Officer. Ainda assim, enquanto realiza ações para atingir seus objetivos principais e de longo prazo, uma empresa aérea pode avançar rapidamente para atender a muitas de suas necessidades transformacionais. Essa jornada para chegar à transformação – desenvolvida em função de três lições básicas que aprendemos por meio de nosso trabalho e de nossas pesquisas – leva muito menos tempo do que programas superambiciosos, além de também preparar o caminho para a realização de esforços muito mais extensos. Sugerimos às empresas aéreas usá-la como guia durante suas transformações digitais.

A oportunidade digital para empresas aéreas

Nativos digitais como Amazon, Netflix e Uber utilizaram uma abordagem de negócios centrada nos consumidores para capturar uma parcela substancial de participação de mercado em muitos setores. As empresas aéreas não estão protegidas: startups de viagem, com financiamento de US$ 5,5 bilhões em venture capital no ano passado—um aumento considerável em relação aos US$ 0,5 bilhão obtido em 20101—esperam ter sucesso por meio de soluções inovadoras focadas na distribuição e na customização. Ainda assim, as empresas já bem estabelecidas no mercado podem capturar um valor significativo com a digitização. Nossa experiência mostra que esse valor vem de quatro fontes principais.

Em primeiro lugar, a digitização pode deixar os consumidores mais satisfeitos e aumentar a fidelidade. Ao facilitar os fluxos de processo, tornar as interações menos trabalhosas e acelerar o tempo de processamento, essas tecnologias geralmente fazem subir os índices de satisfação dos consumidores em torno de 5 a 10 pontos percentuais. E isso se traduz em taxas de conversão mais elevadas e maior fidelidade.

Em segundo lugar, a digitização pode reduzir os custos ao automatizar e agilizar os processos – geralmente chegando a reduções de 8% a 10% nas áreas afetadas. Uma empresa aérea internacional com oferta completa de serviços, por exemplo, pode agregar 20 pontos percentuais à sua taxa de check-in via autosserviço ao proporcionar uma experiência mais agradável e criar uma interface mais simples em seu aplicativo, em sua presença na internet e em seus quiosques de atendimento.

Em terceiro lugar, ao ajudar as empresas aéreas a obter insights mais aprofundados sobre o que os clientes desejam (e criar ofertas que atendam a esses desejos) e ao aumentar os níveis de diferenciação de preço e upselling, a digitização pode aumentar a receita entre 5% e 10%. As vendas online, por exemplo, podem aumentar em 50% quando as empresas aéreas utilizam técnicas digitais (tais como “sugestões” digitais e uma melhor experiência para o consumidor) para garantir que os visitantes dos sites finalizem o processo de compra de passagens.

Finalmente, em quarto lugar, modelos ágeis de trabalhar associados à digitização podem reduzir de 50% a 80% os tempos de processamento necessários para o lançamento de novas funcionalidades nos aplicativos (por exemplo, a capacidade de mudar de voos em empresas aéreas parceiras). A priorização de iniciativas digitais com base no valor e a redução dos ciclos de entrega podem ajudar as empresas aéreas já bem estabelecidas no mercado a capturar os benefícios de programas de digitização no prazo de seis meses, em média.

Como as transformações digitais fracassam em empresas aéreas

Muitos dos líderes do setor afirmam que as tecnologias digitais e os métodos de desenvolvimento estão entre as suas principais prioridades. De fato, 80% das 20 maiores empresas aéreas (com base em tráfego) mencionaram a questão digital especialmente em suas comunicações com investidores, e muitas das principais empresas aéreas do mundo embarcaram em transformações digitais de amplo alcance. Como foi possível perceber, muitos desses esforços têm por objetivo concretizar uma revolução tecnológica de ponta a ponta que aborde muitas questões diferentes ao mesmo tempo. Nossa pesquisa mostra que somente 30% desses esforços de larga escala atendem às expectativas. A seguir, mostramos porque isso ocorre:

  • Prioridades digitais erradas. As empresas aéreas com frequência avaliam de forma errônea as necessidades reais de seus clientes. Viajantes a negócio, por exemplo, são os grandes usuários de aplicativos, mas a maior parte das empresas aéreas não adapta os apps às exigências específicas desses clientes de grande valor – por exemplo, facilitando para que consigam sair rapidamente dos aeroportos ou mudem seus voos. Em vez disso, as empresas aéreas dedicam tempo e recursos substanciais a funcionalidades dos aplicativos que os viajantes corporativos e frequentes valorizam menos, como integração às mídias sociais. A última pesquisa realizada pela SITA, uma empresa provedora de TI para empresas aéreas, mostra que 92% dessas empresas planejam implantar grandes programas para prover serviços aos passageiros por meio de mídias sociais.2

    Tais problemas dizem respeito a foco – de diferentes formas, as empresas áreas simplesmente estão fazendo as coisas erradas. Mas seus processos também são problemáticos.
  • Comprometimento e exemplo da alta gestão. Em aproximadamente 33% dos programas malsucedidos, uma das principais causas do fracasso é o comportamento dos gestores, que não dão o apoio adequado à transformação. É preciso não apenas o entendimento intelectual da digitização, mas também um estilo de gestão que reflita as novas exigências e práticas da era digital.
  • Feudos funcionais e resistência a mudanças culturais. Na era digital, as jornadas de consumidores (caminhos online para busca e compra de passagens) são fundamentais. Uma vez que quase todas as partes de uma empresa aérea desempenham um papel nessas jornadas dos consumidores, são necessárias equipes multifuncionais para explorar a oportunidade digital.As características da indústria (tais como estruturas muito conectadas em rede, ativos perecíveis e organizações funcionais) criam muitas interdependências por toda organização. Sendo assim, é impossível isolar casos de uso (a maneira pela qual o usuário utiliza as funcionalidades de um aplicativo ou site) para uma única função, ou mesmo para um número reduzido delas. A necessidade de colaboração nas empresas aéreas é muito superior à de empresas de outros setores fora da indústria de serviços.

    Outra questão cultural diz respeito à segurança. As empresas aéreas, dada a natureza do seu negócio, possuem uma mentalidade em que é preciso estarem sempre totalmente certas, sem qualquer possibilidade de erro. Em alguns aspectos, isto é absolutamente necessário, mas este tipo de mentalidade padrão é muito distinto da abordagem do modelo de digitização, caracterizada por tentativa e erro e o desejo de fracassar o quanto antes para poder fazer as correções de rumo necessárias. As empresas aéreas terão de decidir onde elas realmente não podem tolerar erros (no cerne das suas operações de aviação) e onde elas podem aceitá-los (em, por exemplo, testes A/B das funcionalidades do novo aplicativo).
  • Recrutamento e retenção de talentos digitais. Para ter acesso a habilidades e conhecimento digitais, as empresas aéreas devem complementar seu próprio corpo de funcionários com cientistas de dados, arquitetos de TI e desenvolvedores ágeis. A demanda por estes tipos de profissionais está alta e cada vez maior, sendo necessários tempo, esforço e dinheiro consideráveis para atraí-los. Infelizmente, eles costumam achar as empresas aéreas menos atraentes para se trabalhar do que, por exemplo, organizações como Google ou Netflix. E, quando esses profissionais são finalmente encontrados e contratados, há o desafio adicional de integrá-los na estrutura organizacional existente, uma vez que os demais funcionários podem resistir a aceitar o que eles fazem por perceberem tais atividades como vindo de um mundo muito distinto e hostil.

Um caminho alternativo

Uma abordagem diferente, norteada por três lições básicas, pode ajudar as empresas aéreas a gerarem valor mais rapidamente com a digitização, enquanto criam o momentum necessário para uma transformação digital mais completa. Toda empresa aérea pode colocar em prática essas lições imediatamente, independentemente de estar ou não em meio a uma transformação digital.

Primeiro, resolva o básico

A última pesquisa global com passageiros, realizada pela Associação Internacional de Transportes Aéreos (International Air Transport Association), mostrou que somente 52% dos passageiros na Europa estão satisfeitos com sua experiência de viagem. Nossa própria pesquisa3 indica que as empresas aéreas atendem apenas parcialmente às expectativas de 2/3 de todos os passageiros, que se preocupam especialmente com três problemas básicos: mudança de voos, reservas envolvendo empresas áreas parceiras e atualizações de status (Quadro). Dos passageiros que pesquisamos, 80% acreditam que as empresas aéreas deveriam focar nessas questões. E nós concordamos totalmente com eles: usar tecnologias digitais para solucionar pontos básicos de insatisfação não somente torna os passageiros mais felizes (ou, pelo menos, reduz seu nível de frustração), mas também cria esforços bem-sucedidos bem cedo, que podem ajudar a promover uma transformação mais ampla e fundamental.

Walk before you fly—capturing the digital opportunity in airlines

Para solucionar tais problemas básicos, as empresas aéreas devem primeiro classificar seus canais com base em valor. Como os clientes mais valiosos utilizam o aplicativo móvel, esta é geralmente a principal prioridade para elas. O site móvel é o segundo canal mais importante, pois ele atrai mais pessoas do que o site via computador. A seguir, as funcionalidades específicas devem ser classificadas com base em sua frequência de uso em cada um desses canais. Normalmente, aplicativos móveis são o canal preferencial para casos de uso no dia da viagem, por exemplo, como check-in ou mudanças de voo no mesmo dia. Já para vendas e retirada de bilhete, o quadro é mais equilibrado.

Para além dos pontos de insatisfação, deve prevalecer uma lógica rígida de priorização. Empresas aéreas passando por uma transformação digital devem avaliar cada iniciativa de TI com base em sua estratégia, seu nível de satisfação do consumidor (se esta já não for uma questão estratégica) e seu caso de negócio. E elas devem estar dispostas a suspender projetos e realocar recursos se a lógica de priorização indicar que devem fazer isso. De qualquer forma, elas devem focar em solucionar as reclamações básicas dos consumidores, e não em desenvolver produtos digitais novos e sofisticados que são um fim em si mesmos. Temos observado recentemente diversas empresas aéreas qe estão analisando seus portfólios de iniciativas digitais. E, na maioria dos casos, mais da metade delas não possui uma meta de impacto bem definida ou acordada. Projetos multifuncionais, liderados pelos altos executivos, poderiam ajudar as empresas aéreas a limpar seus portfólios de iniciativas digitais, focar naquelas que geram valor e criar novas, capazes de agregar valor adicional mais rapidamente.

Não reinvente a roda

Uma unidade digital recém-formada geralmente investe um esforço considerável em ajustar e melhorar as funcionalidades do aplicativo. Mas, na verdade, a forma mais eficiente de desenvolvê-los é inspirando-se no que fazem os principais concorrentes do mercado. A maior parte dos aplicativos de empresas aéreas oferecem as mesmas funcionalidades básicas, incluindo check-in e avisos “push” de mudança de portão. Alguns possuem também funcionalidades mais avançadas, como status na lista de espera e agilidade para remarcar voos cancelados. Aqui, novidade e estilo não são importantes – assim, estas funcionalidades devem refletir as melhores práticas do setor. No longo prazo, a experiência do consumidor ajustada a uma empresa aérea específica pode tornar as soluções digitais mais eficazes. Mas no período inicial, as empresas aéreas precisam adotar uma abordagem de bom senso para os casos de uso mais frequente, que são muito mais importantes e podem trazer um atalho para gerar valor por meio de ganhos no mais curto prazo.

Departamentos digitais também tendem a reinventar a roda de outra forma: eles empregam recursos substanciais para desenvolver componentes padrão (tais como serviços de pagamento, análises básicas de dados e serviços de gestão de viajantes frequentes) que não são realmente capazes de criar uma diferenciação entre as empresas aéreas. Todos eles podem ser comprados como produtos. (As empresas aéreas podem até mesmo descobrir que já haviam desenvolvido um componente para um canal que poderia ser usado também em outros.) É verdade que tais produtos terão de ser integrados aos sistemas de TI existentes na empresa, mas há maneiras relativamente fáceis de se fazer isso – por exemplo, criando serviços modulares ou ambientes de TI específicos para testes em nuvem.

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Nos departamentos digitais que conhecemos, é comum descobrir que componentes padrão poderiam substituir 25% dos investimentos. Normalmente, tais gastos são justificados pelo fato de que não existiam modelos padrão quando os projetos de desenvolvimento foram iniciados, ou ainda que os modelos no mercado não incluíam as funcionalidades específicas necessárias. Na maior parte dos casos, é fácil tornar as soluções digitais menos complexas para redirecionar esforços às inciativas de maior valor.

Aproveite o potencial de sua própria organização

Com bastante frequência as empresas aéreas saem a campo de forma maciça para contratar profissionais digitais da Amazon, do Google e de outras empresas similares. O que temos observado é que esse tipo de recrutamento é difícil e, muitas vezes, fracassa. Em vez disso, primeiro busque em sua própria organização profissionais com conhecimento e que tenham a mente aberta, trazendo depois reforços especializados de fora da organização se for necessário. A seguir, monte equipes multifuncionais que tenham objetivos claros e processos eficientes de tomada de decisão.

Em uma empresa, por exemplo, diversas jornadas do consumidor foram completamente digitalizadas por equipes multifuncionais compostas por funcionários da própria organização, com a ajuda de provedores de serviços externos que contribuíram com conhecimento sobre tecnologia Scrum, desenvolvimento ágil, design thinking e habilidades digitais. Os membros internos, trazidos de todas as partes da organização, estavam comprometidos em tempo integral ao novo papel. Essa mescla de pessoas internas, com grande conhecimento do negócio, com pessoas de fora, que possuíam habilidades técnicas e metodológicas robustas, além de promover a aceitação interna do programa, também ajudou a criar a nova cultura da unidade digital. As próprias equipes tomaram a maior parte das decisões; para as demais, um comitê de liderança reuniu-se diretamente com o CEO e a diretoria.

Os executivos tradicionais tomavam tais decisões “go/no-go” e avaliavam projetos piloto e novas funcionalidades. No entanto, na era digital, os executivos fazem a gestão de forma distinta, alocando recursos financeiros e grandes talentos para equipes multifuncionais e dando a elas o poder de tomar suas próprias decisões. Em alguns casos, a equipe atua sem ter desenvolvido primeiro um caso de negócios ou um planejamento detalhado do projeto, e pode responder diretamente à diretoria, pulando todos os demais níveis hierárquicos. Aceitar tais arranjos pouco convencionais ajuda a alta gerência a mostrar seu comprometimento com este novo papel. Da mesma forma, é também bastante útil conversar com executivos de outras empresas de grande porte que já iniciaram a transição para o meio digital.


Como em tantas outras mudanças de larga escala, a maioria das empresas está sofrendo um pouco com a transformação digital. Ainda assim, é preciso lembrar que as recompensas são reais. As empresas já estabelecidas no mercado que seguirem nossas três lições sobre digitização, buscando solucionar uma a uma as questões envolvendo o consumidor, serão capazes não apenas de evitar a disrupção advinda do meio digital, como também colher seus benefícios.

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