O novo normal chegou: tendências que definirão 2021 – e o futuro

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A pandemia da COVID-19 mudou o mundo, e seus efeitos deverão persistir por um longo tempo. A seguir, apresentamos alguns fatores que os líderes empresariais devem ter em mente ao se prepararem para o novo normal.

As empresas passaram a maior parte dos últimos nove meses lutando para se adaptar a circunstâncias extraordinárias. Mesmo que a batalha contra a pandemia da COVID-19 ainda não tenha sido ganha, com a vacina já à vista, finalmente podemos vislumbrar uma luz fraca e distante no fim do túnel – sempre com a esperança de que não haja um outro trem vindo em nossa direção.

O ano de 2021 será de transição. Excetuando-se a ocorrência de catástrofes inesperadas, acreditamos que as empresas, as pessoas e a sociedade em geral já podem começar a refletir sobre seu futuro, em vez de simplesmente suportar as agruras do presente. O novo normal será diferente: ele não significará retomar as condições prevalentes em 2019. De fato, assim como os termos “pré-guerra” e “pós-guerra” são comumente empregados para descrever o século 20, é provável que as próximas gerações venham a discutir as eras pré-COVID-19 e pós-COVID-19.

O ano de 2021 será de transição. Excetuando-se a ocorrência de catástrofes inesperadas, acreditamos que as empresas, as pessoas e a sociedade em geral já podem começar a refletir sobre seu futuro, em vez de simplesmente suportar as agruras do presente.

Neste artigo, identificamos algumas das tendências que definirão o novo normal. Em seguida, discutimos como elas afetarão o direcionamento da economia global, como as empresas se ajustarão, e como a sociedade poderá acabar sendo transformada para sempre em decorrência da crise da COVID-19.

Como a crise da COVID-19 e a recuperação estão definindo a economia global

O retorno da confiança destrava a volta do consumidor

Há filas do lado de fora das lojas, mas elas são geralmente causadas pela necessidade de distanciamento físico. Os teatros estão às escuras. As roupas estão fechadas nos closets em vez de estarem à mostra. Se o Museu do Louvre estivesse aberto, a falta de turistas até poderia permitir uma visão desobstruída da Mona Lisa. De diferentes formas, os consumidores se retraíram.

Com a volta da confiança do consumidor, os gastos também deverão retornar, com o chamado “consumo de vingança” se espalhando por diferentes setores à medida que a demanda reprimida for sendo liberada. Isso ocorreu em todas as crises econômicas anteriores. No entanto, aqui há uma diferença – desta vez, o setor de serviços foi especialmente afetado. Assim, é provável que a retomada enfatize esses negócios, especialmente aqueles que tenham um elemento comunitário, tais como restaurantes e eventos voltados ao entretenimento.

Isso não significa que os consumidores agirão de maneira uniforme. A pesquisa mais recente sobre consumo realizada pela McKinsey, publicada no final de outubro, mostrou que países com estrutura demográfica mais envelhecida – como França, Itália e Japão – são menos otimistas do que aqueles com populações mais jovens, como Índia e Indonésia. A China é uma exceção – o país possui uma população de mais idade, mas é visivelmente otimista.

Mas o perfil da China comprova um ponto mais geral. O primeiro país a ser atingido pela pandemia da COVID-19 também foi o primeiro a sair dela. Os consumidores chineses estão aliviados – e gastando sem dó. No Dia dos Solteiros, celebrado no dia 11 de novembro, as duas maiores redes varejistas online registraram recordes de vendas. Isto não foi apenas um fenômeno explicado pelo feriado. O setor de manufatura na China retomou sua produção antes, lá pelo mês de setembro, e os gastos dos consumidores também retornaram. Com exceção das viagens aéreas internacionais, os consumidores chineses começaram a agir e gastar muito em linha com os tempos pré-crise. A Austrália também oferece alguma forma de esperança. Com a pandemia praticamente controlada no país, as despesas por domicílio impulsionaram mais rapidamente do que o esperado uma taxa de crescimento de 3,3% no terceiro trimestre de 2020, enquanto os gastos com bens e serviços subiram 7,9%1.

A velocidade e a profundidade da recuperação da confiança permanecem em aberto. No final de setembro, por exemplo, os consumidores dos Estados Unidos pesquisados se mostraram mais otimistas do que antes, mas ainda cautelosos, e relataram que planejavam presentear um número menor de pessoas no final do ano e prestar atenção aos gastos discricionários2. Somente cerca de 1/3 deles retomou suas atividades fora de casa, em comparação a 81% dos consumidores na China, 49% na França – e somente 18% no México. Novos lockdowns e, de maneira mais crítica, a disseminação das vacinas para COVID-19 afetam e ainda afetarão esses números. O ponto é que os gastos se recuperarão tão rapidamente quanto a confiança das pessoas em retomar sua mobilidade – e tais atitudes diferem fortemente de país para país.

Viagens de lazer estão voltando, enquanto as de trabalho permanecem em baixa

As pessoas que viajam para se divertir querem voltar a fazê-lo. Foi esse o padrão na China. O CEO de uma grande empresa voltada ao turismo nos reportou que, a partir do início do terceiro trimestre de 2020, os negócios voltaram “praticamente ao normal” no que diz respeito aos níveis de crescimento. Mas foi um normal diferente: as viagens domésticas aumentaram bastante, enquanto as internacionais continuaram limitadas em função das restrições entre fronteiras devido à pandemia e à preocupação com saúde e segurança. Na China como um todo, a taxa de ocupação dos hotéis e o número de passageiros em voos domésticos no final de agosto chegou a mais de 90% dos níveis reportados em 2019. Durante o feriado de outubro, conhecido como “Golden Week”, mais de 60 milhões de chineses pegaram a estrada – aproximadamente 80% do volume registrado no ano anterior3. Em função da confiança da população nas medidas de saúde e segurança tomadas pelo país, as viagens domésticas voltaram quase ao mesmo nível observado antes da pandemia – e as viagens mais luxuosas para destinos internos já até ultrapassaram os níveis anteriores.

Por definição, viagens de lazer são gastos discricionários; viagens a trabalho nem tanto. Em 2018, os gastos com viagens a negócios atingiram $1,4 trilhão, o que representa 20% a mais do que o total gasto no setor de viagens e hospitalidade4. Eles também são responsáveis por uma parcela desproporcional dos lucros – 70% da receita global de hotéis de luxo, por exemplo. Durante e depois da pandemia, entretanto, há uma questão importante quanto às viagens de negócios: exatamente quando elas são, de fato, necessárias? É bem provável que a resposta seja bem menos do que antes. Chamadas por vídeo e ferramentas de colaboração que permitem trabalhar de forma remota podem substituir algumas das reuniões e dos encontros presenciais.

O contexto mais amplo também serve de fonte de informação. A História mostra que, depois de uma recessão, as viagens corporativas demoram mais do que as de lazer para serem retomadas. Depois da crise financeira de 2008–09, por exemplo, as viagens internacionais a trabalho levaram cinco anos para se recuperar, em comparação a apenas dois anos para as viagens internacionais para lazer.

Viagens de negócios regionais e domésticas devem voltar mais cedo; algumas empresas e alguns setores vão desejar retomar as vendas e as reuniões com consumidores de forma presencial assim que for possível e seguro. A pressão da concorrência deve contribuir para isso: assim que uma empresa voltar a fazer reuniões presenciais, seus concorrentes não vão querer ficar para trás. Ainda assim, uma pesquisa com gerentes de viagens corporativas mostrou que sua expectativa é de termos gastos com viagens de negócio em 2021 equivalentes a somente metade dos de 20195. Embora as viagens a trabalho voltem a ser feitas em larga escala, e o crescimento econômico gere uma nova demanda, os executivos da área acreditam que elas podem nunca retornar ao nível de 2019.

Em suma, as viagens de lazer são decorrentes do desejo bastante humano de explorar novos lugares e se divertir – e isto não mudou. De fato, uma das primeiras coisas que as pessoas fazem quando ganham mais dinheiro é viajar – primeiro perto de casa e depois para mais longe. Não há motivo para se acreditar que haverá reversão no aumento da prosperidade global ou diminuição da curiosidade humana. Mas o uso eficaz da tecnologia durante a pandemia – e as limitações econômicas que muitas empresas terão de enfrentar durante muitos anos após a COVID-19 – podem indicar o início de uma mudança estrutural de longo prazo nas viagens corporativas.

A crise desencadeia uma onda de inovação e cria uma geração de empreendedores

Platão tinha razão: a necessidade é mesmo a mãe de toda invenção. Durante a crise da COVID-19, a digitalização foi uma das áreas que experimentou enorme crescimento, o que abarca tudo – do atendimento online ao consumidor ao trabalho remoto, da reinvenção da cadeia de suprimentos ao uso de inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina para aprimorar as operações. O setor de saúde também mudou substancialmente, com telemedicina e biofármacos sendo muito bem-sucedidos.

A disrupção abre espaço para empreendedores – e é isto que vem ocorrendo especialmente nos Estados Unidos, mas também em outras grandes economias. É verdade que não antecipamos essa tendência. Afinal, durante a crise financeira de 2008–09, houve uma queda na criação de pequenos negócios; já durante as recessões de 2001 e 1990-91, eles cresceram muito pouco. Dessa vez, entretanto, há uma verdadeira explosão de novos pequenos negócios. Somente no terceiro trimestre de 2020, foi solicitada a abertura de mais de 1,5 milhão de novas empresas nos Estados Unidos – praticamente o dobro do volume registrado no mesmo período de 20196.

Sim, muitos desses negócios eram empreendimentos de uma única pessoa que poderiam ter continuado como estavam – por exemplo, um chef de restaurante que abriu um bufê ou um recém-formado que lançou um aplicativo novo bacana. Portanto, é intrigante que o volume desses “aplicativos de alto potencial empresarial” (aqueles com maior probabilidade de se tornarem empresas com uma folha de pagamento de verdade) também tenha crescido substancialmente – mais de 50% quando comparado a 2019. A atividade de venture capital sofreu somente uma pequena redução na primeira metade de 2020.

A União Europeia não observou uma resposta similar, talvez porque sua estratégia de recuperação tenha sido enfatizar a proteção de empregos (e não de renda, como nos Estados Unidos). Posto isso, a França registrou 84 mil novos negócios em outubro – o maior número já reportado7, e 20% superior ao volume do mesmo mês em 2019. A Alemanha também registrou um aumento nos novos negócios em relação a 2019, assim como o Japão. Já a Grã-Bretanha ficou no meio do caminho. Uma pesquisa publicada em novembro de 2020 com 1.500 pessoas que trabalham por conta própria apontou que elas provavelmente deixarão tal regime de trabalho assim que for possível8. Mas, ao mesmo tempo, o número de novos negócios registrados no Reino Unido no terceiro trimestre de 2020 cresceu 30% em comparação a 2019 – seu maior aumento desde 20129.

No geral, a crise da COVID-19 tem sido devastadora para os pequenos negócios. Nos Estados Unidos, por exemplo, 25,3% deles permaneciam abertos em dezembro de 2020 em comparação ao início do ano (o pior momento foi em meados de abril, quando este número foi de quase metade)10. A receita dos pequenos negócios nos EUA caiu mais de 30% entre janeiro e dezembro de 202011. Porém, é preciso celebrar as boas notícias sempre que possível – e a tendência positiva do empreendedorismo pode ser um bom sinal para o crescimento de empregos e a atividade econômica quando a recuperação realmente engrenar.

Os ganhos de produtividade decorrentes do meio digital aceleram a Quarta Revolução Industrial

Não há mais como voltar atrás. A grande aceleração no uso de tecnologia, digitalização e novas formas de trabalhar será sustentada. Muitos executivos relataram ter avançado entre 20 e 25 vezes mais rapidamente do que imaginavam ser possível em temas como criar redundâncias na cadeia de suprimentos, melhorar a segurança dos dados e ampliar o uso de tecnologias avançadas em suas operações12.

Como tudo isso se insere na produtividade de longo prazo só será conhecido quando forem avaliados os dados de muitos trimestres adicionais. Mas vale notar que a produtividade dos Estados Unidos no terceiro trimestre de 2020 cresceu 4,6%, depois de um aumento de 10,6% no segundo trimestre – a melhoria mais significativa reportada deste 196513. No entanto, ainda que muito importante, a produtividade é apenas um dos dados; esse número impressionante do segundo trimestre para os Estados Unidos se baseou em grande parte em uma das maiores quedas de produção e horas trabalhadas desde 1947. E isso não é um precedente invejável.

Olhando pelo lado mais positivo, antigamente levava uma década ou mais para que tecnologias geradoras de grandes transformações evoluíssem de algo bacana para se tornarem alavancas de produtividade. A crise da COVID-19 acelerou em muitos anos essa transição em áreas como inteligência artificial e digitalização – e com uma velocidade ainda maior na Ásia. Uma pesquisa da McKinsey publicada em outubro de 2020 apontou que as empresas têm três vezes mais probabilidade do que antes da crise de conduzir digitalmente ao menos 80% de suas interações com consumidores14.

A crise da COVID-19 criou um imperativo para que as empresas reconfigurem suas operações – e uma oportunidade para que elas se transformem. Se isso for feito, elas terão um grande aumento na produtividade.

Essa evolução não foi sempre um processo elegante ou fluido: as empresas tiveram de se virar para instalar ou adaptar novas tecnologias sob uma intensa pressão. Como resultado, alguns sistemas deixam a desejar. Assim, no médio prazo, o desafio é passar do estágio de reação à crise para a construção e a institucionalização do que foi bem feito até agora. Para as indústrias de bens de consumo – e especialmente para o varejo – isso pode significar melhorar os modelos de negócio omnichannel e digitais. No setor de saúde, significa estabelecer opções virtuais como regra. Em seguros, significa personalizar a experiência do consumidor. E para semicondutores, significa identificar e investir em produtos da próxima geração. Para todos eles, haverá novas oportunidades em fusões e aquisições e a necessidade urgente de investir no desenvolvimento de habilidades.

A crise da COVID-19 criou um imperativo para que as empresas reconfigurem suas operações – e uma oportunidade para que elas se transformem. Se isso for feito, elas terão um grande aumento na produtividade.

Como as empresas estão se ajustando às mudanças causadas pela crise da COVID-19

Induzidas pela pandemia, mudanças no comportamento de compras alteram para sempre as empresas de consumo

Em nove dos 13 maiores países pesquisados pela McKinsey, ao menos 2/3 dos consumidores declararam ter tentado novas formas de fazer compras15. E em todos os 13 países, 65% ou mais afirmaram ter a intenção de continuar a fazê-lo. A implicação disso é que aquelas marcas que ainda não encontraram novas formas de chegar ao consumidor precisam correr ou ficarão para trás. Nos mercados emergentes, como Brasil e Índia, esperamos que a pandemia acelere as compras em meio digital – embora partindo de uma base de clientes menor. Os consumidores na Europa continental compraram mais online, mas não apresentam o mesmo entusiasmo de continuar fazendo isso como os da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos.

Em termos mais específicos, a mudança para o varejo online é real – e grande parte desse comportamento permanecerá válido. Nos Estados Unidos, a previsão em 2019 para a penetração do comércio eletrônico era chegar a 24% até 2024; em julho de 2020, ela havia chegado a 33% do total das vendas do varejo16. Em outras palavras, a primeira metade de 2020 registrou um aumento no comércio eletrônico equivalente ao dos dez anos anteriores17. Na América Latina, onde a infraestrutura de pagamentos e entrega não é tão robusta, o uso do comércio eletrônico dobrou de 5% para 10%. Na Europa, a adoção do meio digital é quase universal (95%), em comparação aos 81% registrados no início da pandemia. Em tempos normais, chegar a esse nível levaria de dois a três anos. O surpreendente é que os maiores aumentos ocorreram em países que antes eram relativamente cautelosos em relação às compras online. Alemanha, Romênia e Suíça, por exemplo, apresentavam os três índices mais baixos de penetração online antes da crise da COVID-19; desde então, seu uso cresceu 28, 25 e 18 pontos percentuais, respectivamente – mais do que em qualquer outro mercado.

No entanto, se aprofundarmos um pouco mais essa questão, veremos alguns sinais de alerta, como a visível falta de fidelidade a marcas entre os compradores online. Talvez ainda mais reveladores sejam os resultados de uma pesquisa recente da McKinsey mostrando que somente 60% das empresas de bens de consumo afirmam estarem preparadas para capturar – mesmo que moderadamente – oportunidades de crescimento no comércio eletrônico.18 Segundo um dos executivos, “no que diz respeito a vender diretamente para os consumidores, não sabemos nem por onde começar”. Essa preocupação é certamente válida. Vender diretamente ao consumidor exige o desenvolvimento de novas habilidades, capacidades e modelos de precificação e negócio. Mas a tendência é clara: muitos consumidores estão adotando o meio digital. Para atingi-los, as empresas precisam seguir esse movimento também.

Cadeias de suprimento se reequilibram e mudam

Pense nisso como sendo um tipo de “just in time plus.” O “plus” significa um tipo de “apenas por precaução”, representando uma forma mais sofisticada de gestão de risco. A pandemia da COVID-19 revelou vulnerabilidades nas longas e complexas cadeias de suprimento de muitas empresas. Quando um único país – ou mesmo uma única empresa – parou, a falta de peças e componentes fundamentais levou à interrupção da produção. Os executivos prometeram a si mesmos que tal coisa jamais voltaria a ocorrer. E foi assim que o grande processo de reequilíbrio teve início. Com isso, um volume equivalente a até 25% das exportações mundiais de produtos, ou US$4,5 trilhões, pode mudar de posição até 2025.

Quando as empresas começaram a analisar como funcionavam suas cadeias de suprimento, perceberam três coisas. Primeiro, disrupções não são incomuns. Uma empresa qualquer pode esperar sofrer uma parada completa com duração de cerca de um mês a cada 3,7 anos. Portanto, tais choques não são nada surpreendentes: ao contrário, são características previsíveis do processo de fazer negócios e devem ser gerenciadas como quaisquer outras.

Segundo, as diferenças de custo entre muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento estão se tornando cada vez menores. Nos processos de fabricação, as empresas que adotam os princípios da Indústria 4.0 (ou seja, o uso de dados, análises, interação homem-máquina, robótica avançada e impressão 3-D) podem reduzir metade do diferencial de custo de mão de obra entre a China e os Estados Unidos. A diferença fica ainda menor quando incluímos o custo da rigidez: a otimização do processo completo é mais importante do que a soma dos custos transacionais. Essa é uma das razões por trás da diversificação das redes de fornecedores de componentes essenciais, como os de microeletrônicos e produtos de saúde, realizada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

E, terceiro, a maior parte das empresas não sabe muito o que ocorre nos elos mais distantes de suas cadeias de suprimento, onde subcontratados e sub-subcontratados podem desempenhar papéis que, mesmo pequenos, acabam sendo críticos. São nesses elos que a maior parte das disrupções tem início, mas 2/3 das empresas afirmam não poder confirmar os acordos de continuidade dos negócios com fornecedores fora do primeiro nível de relação na cadeia. Com o desenvolvimento de inteligência artificial e análises de dados, as empresas são capazes de conhecer melhor, auditar e se conectar com todos os elos de suas cadeias de valor.

Nenhuma dessas coisas significa que as multinacionais vão transferir de volta toda – ou quase toda – sua produção para seus mercados domésticos. Há bons motivos para tirar proveito da experiência e do conhecimento regionais e estar posicionado para atender um mercado de consumo em franca expansão. Mas questões relativas à segurança e à resiliência significam que tais empresas provavelmente refletirão mais sobre os casos de negócio antes de decidir a respeito.

O futuro do trabalho chega antes do previsto

Antes da crise da COVID-19, a ideia do trabalho remoto estava no ar, mas sem avançar muito rapidamente. Mas a pandemia mudou isso, com dezenas de milhões de pessoas fazendo a transição para trabalhar de casa – essencialmente, do dia para a noite – em uma grande diversidade de setores da economia. Segundo Michael Fisher, presidente e CEO do Children’s Hospital Medical Center de Cincinnati, a instituição registrou 2.000 mil consultas à distância durante todo o ano de 2019 – enquanto, em apenas uma semana de julho de 2020, foram 5.000 mil19. Fisher acredita que as consultas por vídeo podem vir a representar 30% de todas as consultas médicas no futuro. No Japão, menos de 1.000 instituições ofereciam cuidado remoto em 2018; a partir de julho de 2020, esse número ultrapassou 16 mil.

O McKinsey Global Institute (MGI) estima que mais de 20% da força de trabalho global (a maioria em funções altamente qualificadas e em setores como finanças, seguros e TI) podem trabalhar a maior parte do tempo fora do escritório – e obter o mesmo nível de eficiência. Nem todos que podem fazer isso irão fazê-lo; ainda assim, essa é uma mudança única em muitas gerações. Isso está ocorrendo não apenas pela crise da COVID-19, mas também porque avanços em automação e digitalização tornaram possível tal movimento. O uso de tecnologias se acelerou durante a pandemia. Em abril de 2020, Satya Nadella, CEO da Microsoft, apontou que “observamos dois anos de transformação digital ocorrendo em apenas dois meses”20.

O McKinsey Global Institute (MGI) estima que mais de 20% da força de trabalho global podem trabalhar a maior parte do tempo fora do escritório – e obter o mesmo nível de eficiência.

Há dois desafios importantes em relação à transição para o trabalho fora do escritório. Um é decidir o papel do escritório em si, que é o centro tradicional de criação de cultura e senso de pertencimento. As empresas terão de decidir sobre todos os aspectos – de imóveis (Precisamos desse prédio, escritório, andar?) e desenho do espaço de trabalho (Quanto espaço deve haver entre as mesas? As copas são seguras?) a treinamento e desenvolvimento profissional (É possível haver mentoria remota?). Voltar ao escritório não deveria ser uma questão de simplesmente abrir a porta. Em vez disso, é preciso que faça parte de uma reconsideração sistemática do que exatamente o escritório traz para a organização.

O outro desafio diz respeito à adaptação da força de trabalho às exigências da automação, da digitalização e de outras tecnologias. Isso não é só o caso para setores como o bancário e de telecomunicação; ao contrário, é um desafio para todos, mesmo aqueles setores não associados ao trabalho remoto. Grandes varejistas, por exemplo, estão automatizando cada vez mais o checkout. Se os vendedores quiserem manter seus empregos, terão de aprender novas habilidades. Em 2018, o Fórum Econômico Mundial estimou que mais de metade dos funcionários precisará ser retreinada ou requalificada até 2022.

As evidências mostram que requalificar os funcionários existentes – em vez de demiti-los para contratar novos – geralmente custa menos e traz benefícios que superam eventuais desvantagens financeiras. Investir em funcionários também pode estimular a fidelidade, a satisfação dos consumidores e a percepção positiva da marca.

O desenvolvimento da força de trabalho já era prioridade mesmo antes da pandemia. Em uma pesquisa conduzida pela McKinsey em maio de 2019, quase 90% dos executivos e dos gerentes pesquisados declararam que suas empresas enfrentavam ou esperavam enfrentar deficiências de qualificação nos próximos cinco anos21. Mas apenas 33% afirmaram estar preparados para lidar com essa questão. A requalificação bem-sucedida começa por entender quais as habilidades necessárias, tanto no presente como no futuro próximo; oferecer oportunidades de aprendizado customizadas para desenvolvê-las; e avaliar o que funciona e o que não. Talvez o ponto mais importante seja a necessidade de comprometimento da alta gerência, introduzindo uma cultura de aprendizado contínuo.

A revolução de biofármacos se consolida

O anúncio de várias vacinas promissoras contra a COVID-19 é uma ótima notícia – e estamos bem precisados delas. Há desafios para disseminar essas vacinas na escala necessária, mas isso não diminui em nada seu sucesso.

Diferentemente de outras vacinas já criadas, muitas das quais utilizam uma forma inativada ou atenuada de vírus para criar resistência a ele, as vacinas criadas pela Moderna e pela parceria BioNTech–Pfizer utilizam mRNA. Essa plataforma vem sendo desenvolvida há anos, mas essas são as primeiras vacinas a serem aprovadas pelos órgãos reguladores. O “m” vem de “mensageiro”, uma vez que as moléculas carregam instruções genéticas às células para criar uma proteína que gera uma resposta imunológica. O corpo quebra o mRNA e seu transportador de lipídios em questão de horas. (A OMS lista 60 candidatas à vacina contra a COVID-19 que avançaram para a fase de testes clínicos; muitas delas não utilizam mRNA.)

Da mesma forma que as empresas aceleraram suas operações em resposta à crise da COVID-19, a pandemia pode ser o momento de dar início a uma aceleração massiva no ritmo das inovações da medicina, com a biologia se aliando à tecnologia de novas maneiras. Além do genoma da COVID-19 ter sido sequenciado em poucas semanas, em vez de meses, a vacina também foi lançada em menos de um ano – um feito impressionante, dado que o desenvolvimento de uma vacina geralmente leva uma década. A urgência criou o momentum, mas a história completa diz respeito a como foi reunida uma gama tão variada e ampla de habilidades – incluindo bioengenharia, sequenciamento genético, computação, análises de dados, automação e inteligência artificial.

Os órgãos reguladores também reagiram com velocidade e criatividade, estabelecendo diretrizes claras e incentivando a colaboração cuidadosa. Sem haver relaxamento das exigências de segurança e eficácia, eles mostraram como são capazes de coletar e avaliar dados rapidamente. Se essas lições forem aplicadas a outras doenças, elas poderão desempenhar um papel importante na criação das bases para o desenvolvimento mais rápido de tratamentos.

O desenvolvimento de vacinas para a COVID-19 é só o exemplo mais impressionante do potencial do que o MGI chama de “Biorrevolução” — biomoléculas, biossistemas, biomáquinas e biocomputação. Em um relatório publicado em maio de 2020, o MGI estimou que “45% da carga global de doenças poderia ser tratada com habilidades cientificamente concebíveis hoje”22. Tecnologias de edição genética, por exemplo, poderiam controlar a malária, que mata mais de 250 mil pessoas por ano. Terapias celulares poderiam corrigir ou mesmo substituir células e tecidos defeituosos. Novos tipos de vacinas poderiam ser aplicados a doenças não transmissíveis, incluindo câncer e doença coronariana.

O potencial da Biorrevolução vai muito além da saúde – segundo o MGI, até 60% dos insumos físicos à economia global poderiam teoricamente ser produzidos biologicamente. Exemplos incluem áreas como agricultura (modificação genética para criar culturas resistentes ao calor e à seca ou para lidar com condições como a deficiência de vitamina A), energia (micróbios modificados por engenharia genética para criar biocombustíveis) e materiais (fio artificial da seda de teias de aranha e tecidos autorreparáveis). Essas e outras aplicações viáveis com o uso de tecnologias atuais poderiam criar trilhões de dólares de impacto econômico na próxima década.

A reestruturação do portfólio se acelera

A crise da COVID-19 provocou reações divergentes, e mesmo dramáticas, com alguns setores decolando e outros sofrendo barbaramente; o efeito sacudiu regras históricas. Quando a economia se assentar no novo normal, esperamos que tais diferenças setoriais sejam reduzidas, e as empresas retornem a posições relativamente próximas às que ocupavam anteriormente. O ponto menos óbvio é como a dinâmica interna de cada setor deverá ser afetada. Em recessões anteriores, os fortes saíram mais fortes, enquanto os fracos saíram mais fracos, faliram ou foram comprados. A diferença determinante era a resiliência – a capacidade não somente de absorver choques, mas também de criar vantagem competitiva. Em um período de 10 anos, as empresas podem esperar perdas de 42% nos lucros de um ano em decorrência de disrupções23.

Em outubro de 2020, a McKinsey avaliou 1.500 empresas pela “Classificação Z” (Z-Score, no original em inglês), que mede a probabilidade de falência corporativa. Quanto mais alta a pontuação, mais sólida a posição financeira da empresa. A pesquisa mostrou que as empresas do grupo das 20% melhores (as chamadas “resilientes emergentes”), que haviam subido sua pontuação na classificação Z durante a recessão atual, aumentaram em 5% seu lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização; as demais haviam perdido 19%24. As evidências demonstram que as resilientes emergentes estão se afastando da massa.

A implicação é que há uma resiliência premium na recuperação. As organizações de melhor desempenho não se contentam em simplesmente manter seus pontos fortes; em vez disso, como nas recessões anteriores, elas buscam ativamente desenvolvê-los – por exemplo, via fusões e aquisições. É por isso que esperamos observar ajustes substanciais de portfólio à medida que as empresas com balanços saudáveis buscam oportunidades em um contexto de ativos com valuations mais baixos e preços inferiores ao mercado. De fato, é possível que isso já venha acontecendo: as negociações começaram a surgir com mais força em meados de 2020.

A disponibilidade de capital privado é um segundo fator que favorece a reestruturação do portfólio. Empresas compradas para propósitos específicos, que se fundem com uma organização para abrir seu capital em bolsa, estavam “em ascensão” em 2020, como observado recentemente pela McKinsey25. Até agosto de 2020, elas representavam 81 das 111 empresas que abriram seu capital nos Estados Unidos.

Muito mais importante é o private equity (PE). Globalmente, as empresas de PE estão “sentadas” em quase $1,5 trilhão de “dry powder” — o termo em inglês para capital não alocado e disponível para ser investido. A crise da COVID-19 trouxe prejuízos em algumas dimensões, com uma redução de 12% no valor das negociações globais em comparação com os três primeiros trimestres de 2019 e uma queda de 30% no volume de negociações26.

Por outro lado, o levantamento global de recursos permaneceu firme – $348,5 bilhões até setembro de 2020, no mesmo nível dos cinco anos anteriores – e o número de transações na Ásia mais do que dobrou27. O setor de private equity tem a reputação de ir na contramão dos demais, fechando negócios em tempos difíceis. E a história mostra que tem razão: o retorno dos investimentos de PE realizados durante crises mundiais tende a ser mais alto do que nos momentos em que tudo vai bem. Considerando tudo isso, não acreditamos que o setor de PE continuará a segurar seus recursos por muito mais tempo: simplesmente haverá um número muito grande de novas oportunidades de investimento.

Verde, com um toque marrom, é a cor da recuperação

No mundo todo, o custo da poluição – e os benefícios da sustentabilidade ambiental – têm sido crescentemente reconhecidos. A China, alguns dos países do Golfo e a Índia vêm investindo em energia verde em uma escala que teria sido considerada improvável há apenas uma década. A Europa, incluindo o Reino Unido, está unida para enfrentar as mudanças climáticas. Os Estados Unidos estão passando por uma transição, saindo do carvão e inovando em uma ampla gama de tecnologias verdes, tais como baterias, métodos de captura de carbono e veículos elétricos.

Para lidar com a crise financeira de 2008–09, os governos lançaram programas importantes de estímulo, mas poucos deles incorporavam ações voltadas ao clima e a questões ambientais. Desta vez, está sendo diferente. Muitos países (mas não todos) estão usando seus planos de recuperação para alavancar as prioridades das políticas ambientais existentes:

  • A União Europeia planeja dedicar cerca de 30% do seu plano de $880 bilhões para medidas relacionadas às mudanças climáticas, incluindo a emissão de pelo menos $240 bilhões de “títulos verdes” (green bonds).
  • Em setembro de 2020, a China se comprometeu a reduzir para zero suas emissões líquidas de carbono até 2060.
  • O Japão prometeu se tornar carbono neutro até 2050.
  • O Green New Deal da Coreia do Sul faz parte do seu plano de recuperação econômica, afirmando ter o objetivo de zerar as emissões líquidas até 2050.
  • Durante sua campanha, Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos, se comprometeu a investir $2 trilhões em energia limpa nos setores de transportes, eletricidade e construção.
  • O Canadá está relacionando a recuperação aos objetivos climáticos.
  • A Nigéria planeja descontinuar gradativamente os subsídios concedidos a combustíveis fósseis e instalar sistemas de energia solar para um número estimado de 25 milhões de pessoas.
  • A Colômbia está plantando 180 milhões de árvores.

Para as empresas, o imperativo está claro em duas frentes. Primeiro, elas devem responder às preocupações dos investidores com relação à sustentabilidade. Ainda que seja apenas especulação, é possível que a crise da COVID-19 seja um prenúncio de como seria uma crise climática: sistêmica, de avanço rápido, muito ampla e global. Portanto, está claro que as empresas devem agir para limitar seus riscos climáticos – por exemplo, tornando seus investimentos de capital mais resilientes ao clima ou diversificando suas cadeias de suprimento.

Mais significativamente, a economia verde pressagia que as oportunidades de crescimento poderão ser significativas. A BlackRock, uma empresa de investimentos global com cerca de $7 trilhões em ativos sob sua gestão, em sua publicação 2021 Global Outlook, observou que “ao contrário do consenso anterior”, ela espera que a transição para a sustentabilidade “ajude a aumentar os ganhos” e que “a mudança radical em direção a investimentos sustentáveis está se acelerando”28. Há abundantes oportunidades de crescimento verde em setores de massa como energia, mobilidade e agricultura. Da mesma forma que as empresas da economia digital incrementaram seus retornos nos mercados de ações nos últimos 20 anos, as empresas de tecnologia verde poderão vir a desempenhar este papel nas próximas décadas.

Como a crise da COVID-19 pode mudar a sociedade

Os sistemas de saúde fazem um balanço – e implementam mudanças

Reformas de sistemas de saúde são difíceis. Ainda que seja preciso muito cuidado quando vidas estão envolvidas, uma das consequências disso é que a modernização geralmente ocorre de modo muito mais lento do que o necessário. Aprender com as experiências associadas à COVID-19 pode apontar o caminho para se construir sistemas de saúde mais robustos no pós-pandemia.

A Coreia do Sul é um exemplo. Quando o vírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) atacou em 2015, causando a morte de 38 coreanos, o governo recebeu muitas críticas públicas por não ter respondido bem à situação. Como resultado, ele atuou para melhorar sua resposta a pandemias – o que fez o país estar preparado quando a COVID-19 surgiu em janeiro de 2020. Testagens em larga escala, bem como medidas de quarentena e rastreamento, tiveram início quase que imediatamente. E deram resultado. Embora o país tenha tido um aumento substancial de novos casos em dezembro, menos de 1.000 sul-coreanos morreram por COVID-19 em todo o ano de 2020.

Sem dúvida, governos do mundo todo montarão forças-tarefa, farão inquéritos e criarão comissões para analisar suas ações relativas à crise da COVID-19. O fundamental é não cair na tentação de simplesmente definir culpados (ou dar crédito pelos sucessos). Em vez disso, é preciso fazer esforços pensando no futuro, com ênfase em transformar as duras lições da COVID-19 em ações efetivas.

Estar mais bem preparado para a próxima pandemia – em nível tanto nacional como internacional – deve ser uma das mais altas prioridades. Com muita frequência, investimentos em capacidade de prevenção e saúde pública são desvalorizados; a experiência da COVID-19 demonstra como essa forma de pensar sai caro, não somente em termos de vidas, mas também de sobrevivência. A melhoria da infraestrutura de saúde pública e a modernização dos sistemas de saúde, incluindo o uso mais amplo de telemedicina e saúde virtual, são duas das áreas que precisam ser abordadas.

As empresas também têm um papel a desempenhar. Os empregadores devem aproveitar a oportunidade para aprender com a pandemia sobre como redesenhar os locais de trabalho, criar ambientes mais saudáveis e investir efetivamente na saúde de seus funcionários.

A ressaca começa no momento em que os governos têm de enfrentar o aumento da dívida

A escala da resposta fiscal à crise da COVID-19 foi sem precedentes – e três vezes maior do que a observada na crise financeira de 2008–09. Somente nos países do G-20, os pacotes fiscais estão estimados em mais de $10 trilhões. Do ponto de vista humanitário e econômico, são poucos os que questionam a necessidade de se agir de maneira vigorosa. Mas mesmo em um período de juros baixos, o ajuste de contas será dolorido.

Em fevereiro de 2020, Janet Yellen, que foi escolhida por Joe Biden para o cargo de Secretária do Tesouro, afirmou que “a trajetória da dívida dos Estados Unidos é completamente insustentável com o atual planejamento de gastos e impostos”29. Desde então, o governo federal americano já alocou trilhões para aliviar a crise da COVID-19. Isso colocou o país em um novo território fiscal, com a dívida pública americana projetada para ser maior do que a economia no ano fiscal de 2021 – a primeira vez que isso ocorre desde o período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial.

O Canadá está projetando um déficit de 343 bilhões de dólares canadenses – um aumento de mais de 1.000% em relação ao déficit de 2019 – levando a dívida nacional a superar 1 trilhão de dólares canadenses pela primeira vez. Na China, o estímulo fiscal de $500 bilhões aumentará o déficit fiscal do país para 3,6% do PIB, um recorde. No Reino Unido, a dívida subiu para mais de £2trilhões – um recorde e equivalente a mais de 100% do PIB. Na zona do Euro, em outubro, os déficits orçamentários combinados eram de 11,6% do PIB, em comparação a 2,5% no primeiro trimestre de 2020; a dívida total atingiu o recorde de 95% do PIB. Isso parece bastante trivial quando comparado ao Japão, que possui a mais alta relação dívida-PIB – acima de 200%. E, ainda que o pagamento da dívida de 73 países pobres tenha sido congelado, as obrigações continuam a existir.

À medida que a pandemia começar a arrefecer, os governos terão que encontrar formas de lidar com suas dificuldades fiscais. Embora as taxas de juros estejam baixas no geral, isso pode significar o aumento de impostos ou o corte de gastos – ou ambos. Ao fazer isso, há o risco de se reduzir a velocidade da recuperação ou estimular reações políticas contrárias. Mas altos níveis de dívida pública também trazem seu próprio custo, desestimulando o endividamento privado e limitando os recursos disponíveis aos governos para o serviço da dívida.

À medida que a pandemia começar a arrefecer, os governos terão que encontrar formas de lidar com suas dificuldades fiscais. Embora as taxas de juros estejam baixas no geral, isso pode significar o aumento de impostos ou o corte de gastos – ou ambos.

Ainda que, nesse meio tempo, a realização de algumas medidas – como a melhoria das operações governamentais, a monetização dos ativos e a redução de perdas fiscais – possam ajudar, a solução de longo prazo passa necessariamente por crescimento e produtividade. Em grande parte, foi assim que os Estados Unidos conseguiram reduzir sua dívida pública, saindo de 118% do PIB em 1946 para apenas 31% em 198130. Para promover o crescimento, será preciso ter uma regulamentação que dê suporte adequado, forças de trabalho bem treinadas e a disseminação continuada de tecnologias. E, acima de tudo, será preciso ter indivíduos, empresas e governos dispostos a aceitarem mudanças.

Pagar dívidas não é algo muito estimulante de se fazer. Mas, para haver estabilidade econômica – e sermos justos com as gerações futuras – é preciso levar isso a sério, sem deixar para depois.

O capitalismo de stakeholder amadurece

A ideia de que as empresas devem buscar atender aos interesses de consumidores, fornecedores, trabalhadores e da sociedade, bem como de seus acionistas, não é nova. Há mais de um século, o fabricante de chocolates americano Milton S. Hershey declarou que “as empresas prestam serviços aos seres humanos”. Em 1759, Adam Smith, o rei da filosofia capitalista, observou em seu livro A Teoria dos Sentimentos Morais que o indivíduo “também é sensível a que seus próprios interesses estejam conectados com a prosperidade da sociedade, e que a felicidade, talvez a preservação da existência, depende de sua conservação”31. Além disso, o livre mercado tem sido uma força social positiva, alavancando o crescimento econômico que trouxe avanços dramáticos em saúde, longevidade e prosperidade geral no mundo todo.

Ainda assim, há uma desconfiança generalizada na rotina dos negócios (business as usual em inglês), como mostram diversas pesquisas e os resultados de muitas eleições. É aí que o capitalismo de stakeholder entra em ação – atuando como ponte entre as empresas e as comunidades das quais elas fazem parte. A crise da COVID-19 mostrou claramente a interconexão entre empresas e sociedade. Segundo Rajnish Kumar, presidente do State Bank of India, “Isso será um verdadeiro ponto de inflexão”32. “E tudo que aprendermos com esse processo não deve ser desperdiçado.”

A crescente proeminência da ideia de capitalismo de stakeholder é mais do que só conversa (embora seja preciso admitir que ainda há muita conversa). Por exemplo, as empresas que foram certificadas pelo Sistema B são legalmente obrigadas a considerar os interesses de todos os stakeholders em seus processos de decisão, incluindo a mudança de suas estruturas de governança como forma de adequação. As primeiras empresas B foram certificadas em 2007; hoje, há mais de 3.500 delas.

Nada disso significa que as empresas devam abandonar a busca pela lucratividade. Como observado recentemente por alguns de nossos colegas, “há um termo para descrever uma empresa iluminada, que tenha as melhores intenções e não gere lucro: extinta”33. Em vez disso, a ideia é se tornar um argumento para estimular a lucratividade, uma métrica de fácil mensuração, com sentido de propósito – algo que as pessoas buscam naturalmente.

Não acreditamos que haja um conflito entre as duas coisas. Em um estudo que analisou 615 empresas de médio e grande porte listadas em bolsa nos EUA entre 2001 e 2015, o MGI observou que aquelas com visão de longo prazo – algo fundamental para o capitalismo de stakeholder — tiveram desempenho superior às demais em termos de lucro, receita, investimento e crescimento do emprego. E uma pesquisa global da McKinsey realizada em fevereiro de 2020 mostrou que a maioria dos executivos e profissionais de investimento pesquisados afirmou acreditar que programas ambientais, sociais e de governança já criam valor de curto e longo prazos, aumentando ainda mais em cinco anos.

O capitalismo de stakeholder não significa ter a maior consciência dos problemas sociais ou se defender de ativistas inoportunos. Na verdade, diz respeito à construção de confiança – algo como um “capital social” – de que as empresas necessitam para operar. E significa reconhecer que criar valor para os acionistas no longo prazo exige mais do que simplesmente focar neles.


Em março de 2020, alguns de nossos colegas da McKinsey argumentaram que a crise da COVID-19 poderia ser o “imperativo do nosso tempo”34. Um mês depois, observamos que ela poderia gerar uma “dramática reestruturação da ordem social e econômica”35. Concordamos com essas afirmações. A pandemia da COVID-19 tem sido uma catástrofe humana e econômica e está longe do fim. Mas com as vacinas começando a ser aplicadas, é possível ter um otimismo cauteloso e acreditar que o novo normal surgirá neste ano ou no próximo.

E acreditamos que, em algumas dimensões, esse normal poderá ser melhor. Com uma boa liderança, tanto corporativa como governamental, as mudanças que descrevemos – em produtividade, crescimento verde, inovação na medicina e resiliência – podem criar bases estáveis para o longo prazo.

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