China Brief: O estado da economia

Nos últimos meses, especialistas têm comentado sobre a o arrefecimento da força econômica da China. É evidente que estamos diante de uma redução no crescimento do PIB, especialmente a partir do meio do ano passado, e as vendas de carros e telefones também estão caindo pesadamente. Algumas empresas grandes e conhecidas têm soltado comunicados sobre a forte queda nas vendas – chegando até mesmo a cortar empregos.

Ainda assim, apesar de todo o pessimismo, a China continua a apresentar uma das mais invejáveis taxas de crescimento do mundo, agregando o equivalente a “uma Austrália” a cada ano. Os consumidores continuam a adquirir um número maior de bens caros e premium, e algumas empresas têm registrado vendas recordes.  Portanto, o baixo astral não é uniforme. O que os fatos indicam que devemos esperar para 2019? Nesta primeira edição do China Brief, vamos dar uma olhada em algumas das principais alavancas que ajudam a determinar o que a economia da China é hoje.

1. O crescimento está diminuindo —mas a China continua a agregar o equivalente a uma Austrália todos os anos

A atividade econômica enfraqueceu em 2018: estatísticas oficiais colocam o crescimento real do PIB em 6,6% em 2018, a menor taxa desde 1990. Ainda que alguns observadores possam questionar a precisão dos dados oficiais, não há como negar que a economia chinesa esteja desacelerando. O Índice de Atividade Econômica (Economic Activity Index) do McKinsey Global Institute, que monitora o desempenho da economia chinesa por meio da análise de um conjunto de 57 indicadores diferentes – variando da venda de imóveis e do varejo ao consumo de energia elétrica – mostrou a mesma tendência de queda dos números oficiais do PIB do país (Quadro 1).

Quadro 1
China Brief: The state of the economy

O Índice de Atividade Econômica considera um amplo leque de fatores e tem flutuado mais do que o PIB bruto durante a última década, ultrapassando o PIB dos períodos de 2005-2008 e 2010-2013, caracterizados por marcas de dois dígitos. Nos últimos quatro anos, o índice ficou abaixo do PIB, e hoje está em níveis similares aos de 2015–2016, quando também havia o mesmo temor de uma queda brusca na economia da China de alto crescimento.

Espera-se que a economia continue a enfraquecer em 2019, havendo consenso com relação às previsões de que o crescimento do PIB deva ficar entre 6,0% e 6,2% este ano.

Sim, o motor econômico da China está desacelerando, mas ainda continua a apresentar uma das taxas de crescimento mais fortes do mundo. Considerando sua enorme escala, isso se traduz em acréscimos substanciais em termos absolutos: este ano, a China agregará ao seu PIB o equivalente a toda a economia australiana.

Para muitas empresas, a questão real é se elas conseguem se adaptar suficientemente rápido a um crescimento mais lento, ou se suas estratégias, balanços e operações exigem uma taxa de crescimento mais elevada para avançar – ou mesmo sobreviver. Para os empresários que consideraram as avaliações do preço das ações e as taxas de crescimento como certas e que, por exemplo, tenham empenhado ações listadas recentemente em bolsa para garantir financiamentos de projetos visionários, o arrefecimento pode tumultuar o já precário equilíbrio e se tornar uma disrupção real para os negócios.

2. A história do consumidor ainda permanece sólida, mas também está mudando

O conjunto de notícias negativas sobre empresas multinacionais e nacionais na China que tiveram uma queda nas vendas nos últimos meses causou uma onda de preocupação com relação à força do motor de consumo do país. Mas, apesar das recentes manchetes sobre redução das vendas de empresas multinacionais como a Apple, dentre outras, a China continua a ser o melhor consumidor da história mundial.

Segundo previsões de diversas fontes, o consumo da China deve crescer em cerca de US$6 trilhões entre hoje e 2030. Esta soma enorme equivale ao total esperado para o crescimento do consumo dos Estados Unidos e da Europa ocidental somados no mesmo período, ao dobro do consumo da Índia e da combinação das economias que compõem a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla original em inglês).

O reequilíbrio econômico da China em relação a consumo e serviços continuou – eles contribuíram respectivamente com cerca de 76% e 60% para o crescimento do PIB. O crescimento das vendas de varejo caiu um pouco – de 10,2% em 2017 para 9,0% em 2018, refletindo vendas de automóveis mais baixas. A renda real disponível per capita foi de 6,5% em 2018, em linha com o crescimento do PIB; o país criou 13,6 milhões de novos postos urbanos de trabalho em 2018, ultrapassando a meta de 11 milhões.

Por trás da desaceleração estão mudanças nos padrões de consumo. Mas as quedas mais acentuadas nas vendas de empresas individuais, ou mesmo nas vendas de categorias como automóveis ou cosméticos, não contam a história toda. As vendas online, por exemplo, cresceram substanciais 24%.

Pela primeira vez na China também vemos um novo segmento de clientes passar a comprar produtos mais baratos. O sucesso do Pinduoduo, uma loja de descontos de um segmento inferior, que atrai clientes que estejam explicitamente buscando comprar mais barato – e que criou uma disrupção no duopólio chinês de e-commerce (um atacante de atacantes) —, indica que o mercado está amadurecendo e mudando.

O consumo das áreas urbanas mais desenvolvidas (first tier) continua bastante robusto, enquanto que o de nível mais baixo está diminuindo. Isso pode simplesmente ser reflexo do “colchão de riqueza” mais amplo, de valores mais altos dos imóveis e da afluência em geral, estimulando a confiança dos consumidores mais ricos que ainda não sentiram o arrefecimento econômico já bastante aparente nos segmentos mais baixos da escala de renda. A verdade é que só saberemos se é este o caso nos próximos meses.

3. A crise de crédito é real

Os últimos 10 anos de estímulo e desalavancagem representam uma história de “oito mais dois”: oito anos de estímulo governamental depois da crise financeira mundial, seguidos de dois anos de redução no crédito e desalavancagem consciente.

A crise deu início a uma rodada de medidas de liberalização financeira e incentivos que persistiram pelos sete ou oito anos seguintes. Isso levou ao crescimento rápido de empréstimos informais e um sistema bancário paralelo, gerando uma gama de experimentos com emissão de dívida. A relação entre dívida e PIB da China explodiu – passando de 120% em 2007 para 253% no segundo trimestre de 2018 (maior do que a relação da Alemanha e dos Estados Unidos).

No entanto, a eficácia do estímulo governamental tem diminuído nos últimos tempos. Cada renminbi de estímulo econômico que o governo injetou na economia foi menos eficiente em gerar crescimento real do PIB do que no passado. O aumento da relação incremental capital-produto (ICOR, na sigla do original em inglês) – o volume de dinheiro que o governo precisa colocar para resultar em uma unidade de crescimento – significou que, em outras palavras, o estímulo econômico estava se tornando mais caro.

China and the world: Inside a changing economic relationship

Anos de estímulo ao crédito também criaram bolhas de ativos na economia sustentadas pelo excesso de liquidez. O preço dos imóveis continuou a subir, mesmo com o crescimento nominal do PIB tendo se acomodado em valores de um único dígito.  Desde 2016, os reguladores reconheceram esses desafios e incentivaram a desalavancagem. A repressão do governo ao sistema bancário paralelo e aos empréstimos coletivos (P2P lending, no original em inglês), incluindo a prisão de executivos, tem criado um efeito adicional na desaceleração do fluxo de crédito. Isso levou a uma queda significativa na disponibilidade de crédito nos últimos 24 meses. O crescimento do crédito em aberto caiu, passando de 13% em 2017 para 7% em 2018, abaixo do crescimento nominal do PIB de 9,7%. Isso reflete uma importante contração no financiamento pelo sistema bancário paralelo, que cresceu cerca de 13% em 2017, mas caiu para 7% em 2018 (Quadro 2).

Quadro 2
China Brief: The state of the economy

É preciso muito para desacelerar a economia chinesa, mas o impacto da pressão sobre o crédito já começou a ser sentido, especialmente por parte de empresas menores do setor privado e por companhias de cidades dos níveis três e quatro do sistema classificatório chinês (tier three and four cities, no original). E como a economia do país está cada vez mais dependente de serviços e consumo, a pressão sobre empresas acaba contaminando a renda, o consumo e o crescimento em geral.

Muitos dos relatórios veiculados recentemente levaram um número considerável de pessoas a acreditar que os desentendimentos comerciais entre os EUA e a China estão causando o arrefecimento atual da economia; políticos também usaram isso como uma explicação bastante conveniente. No entanto, o PIB da China é muito menos dependente hoje do comércio do que algumas pessoas querem nos fazer crer. Na verdade, o excedente comercial líquido do país foi de apenas 1,7% do PIB em 2017, bem inferior aos 8% de 2008.

O efeito pode ser mais indireto, impactando a confiança do consumidor e levando empresas do setor privado a segurarem a tomada de decisões com relação a eventuais investimentos na expansão da capacidade produtiva.

No momento, os reguladores estão buscando formas de reabrir as torneiras de crédito, mas estão avançando com maior cautela e utilizando alavancas de modo mais preciso do que fizeram nos oito anos de expansão de crédito. Por exemplo, o Banco Popular da China (PBOC, na sigla em inglês) anunciou recentemente medidas para incentivar a liquidez bancária por meio da emissão de bônus perpétuos. O intuito é permitir aos bancos emitir títulos e se recapitalizarem, e emprestarem mais, mas com a condição de que os tomadores dos empréstimos atinjam determinados padrões mínimos para concessão de crédito.

Em última instância, a China terá de definir qual curso de ação ela deverá seguir: dar mais estímulos (que resultam em bolhas e externalidades), implementar reformas estruturais no setor de empresas estatais (o que pode ser politicamente sensível) ou aceitar taxas gerais de crescimento mais modestas. A escolha entre essas opções pode ser influenciada tanto por fatores políticos e geopolíticos como por considerações econômicas. Os próximos meses deverão trazer indicações do curso que o país irá seguir, bem como se enfrentaremos um período mais curto ou mais longo de desaquecimento da economia.

4. Oportunidades de aquisição estão surgindo para aqueles que se movimentarem com rapidez

A pressão do governo sobre o crédito acaba por reduzir a liquidez do setor privado – com isso, o número de títulos não pagos por parte de empresas privadas subiu de 42 em 2017 para 147 em 2018. As empresas médias do setor privado são as que estão sofrendo com mais intensidade a pressão sobre o crédito, o que nos leva a acreditar que deverá haver uma rodada considerável de consolidação no horizonte.

Em períodos anteriores de aperto no crédito, a consolidação da indústria favoreceu empresas estatais em detrimento de suas concorrentes do setor privado, que não eram tão bem financiadas. Hoje, o mercado de capitais mais sólido e o crescimento massivo do capital privado na China podem vir a mudar um pouco essa dinâmica.

Para muitas empresas privadas, permanece a questão do quanto de reservas elas efetivamente têm, ou se acabaram alavancadas, atrelando seus balanços a premissas de avaliação e altas taxas de crescimento insustentáveis.

Essa situação – combinada a uma possível maior abertura ao investimento estrangeiro direto em diferentes setores, que vem sendo discutida em negociações comerciais mais amplas – poderia criar uma janela de oportunidade para que multinacionais com escala e significado na China, bem como disposição para movimentações mais ousadas, adquiram concorrentes domésticos que tenham ficado presos no aperto do crédito.

Ironicamente, bem agora que as manchetes sobre a China se tornaram menos exuberantes pode ser o melhor momento para aumentar a presença e o engajamento focado no país.

Para ouvir o podcast sobre esse tema com Gordon Orr, former chairman da McKinsey na Ásia, e Jonathan Woetzel, sócio sênior da McKinsey na Ásia e diretor do McKinsey Global Institute, clique aqui.

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