Como a capacitação pode impulsionar a transformação

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Imagine o seguinte: uma empresa internacional de manufatura com milhares de trabalhadores é separada de sua controladora. Em menos de um ano, suas ações se desvalorizam em mais de 80%, o moral despenca, e as medidas de saúde da organização caem para o quartil inferior de seu segmento. Algo deu muito, muito errado.

Quatro anos depois, o preço das ações da empresa sextuplicou. Uma mudança radical na saúde organizacional levou a empresa do quartil inferior ao segundo quartil, e seus funcionários se sentem mais ligados uns aos outros e envolvidos no sucesso da empresa. A segurança das fábricas melhorou drasticamente, com maior disciplina e gestão eficaz dos riscos. Os clientes notaram as mudanças e comemoraram. Um deles chega a telefonar para o CEO para dizer que o fabricante será seu fornecedor preferencial daqui para frente.

Então, o que mudou? Nesse exemplo da vida real, a empresa de manufatura executou uma iniciativa de transformação em larga escala para mudar sua trajetória em termos de desempenho, de saúde organizacional e de um outro elemento crucial de criação de valor que chamamos de “capacidades”, ou as habilidades técnicas e pessoais necessárias para que as organizações atinjam – e mantenham – seu pleno potencial.

Quando se trata de transformações no âmbito de toda a empresa, sabemos que a maioria das empresas erra o alvo no que diz respeito às capacidades em suas iniciativas. Embora a maioria das organizações reconheça a importância de uma força de trabalho habilidosa e motivada, muitas não dedicam tempo e recursos suficientes a desenvolvê-la. As prioridades são outras, e perde-se uma oportunidade insubstituível. Para outras, a capacitação básica parece simples demais – já estamos fazendo isso, um CEO pode pensar. Contudo, em nossa experiência, o que parece senso comum raramente é uma prática comum em toda uma organização e, com isso, deixa-se de tirar pleno proveito de oportunidades de melhorar o desempenho.

A capacitação vai muito além do treinamento tradicional de funcionários: trata-se de mudar radicalmente as maneiras de realizar o trabalho. Também se trata de uma das melhores maneiras de estimular as pessoas, desde a diretoria até o chão de fábrica, para que, antes de mais nada, apoiem a transformação. Sem esse estímulo, atingir e manter uma transformação bem-sucedida se torna extremamente difícil – talvez impossível. No entanto, com uma capacitação eficaz, as empresas desenvolvem as mentalidades e comportamentos necessários para gerar ganhos transformadores e ampliar esses ganhos ao longo do tempo, incorporando um mecanismo de execução para o aumento contínuo do valor.

No presente artigo, exploramos os elementos essenciais de um programa de capacitação robusto. Mostramos que oferecer novas habilidades aos funcionários não apenas permite mudanças sustentáveis em escala, mas também ajuda nos resultados financeiros, como aconteceu durante a transformação holística que acabou sendo empreendida pela empresa internacional de manufatura descrita acima.

Os componentes de um programa de capacitação eficaz

A capacitação muda a maneira pela qual as pessoas desempenham suas funções. Ele reduz o dia de trabalho a seus componentes mais básicos e o reconstrói, incorporando novos hábitos em torno de tarefas já batidas. As aulas podem ser básicas (por exemplo, como realizar uma reunião em 30 minutos em vez de uma hora e como escrever os e-mails mais eficazes) ou mais sofisticadas (por exemplo, como priorizar responsabilidades e como prever resultados ruins em um projeto e, assim, evitá-los). Também podem ser de natureza técnica ou funcional. Por exemplo, para criarem uma organização de supply chain eficiente, os funcionários podem aumentar sua capacitação em previsões, redes segmentadas, planejamento de demanda, gestão de estoques e muito mais. Muitas dessas ideias centrais parecem senso comum, mas descobrimos que raramente são práticas comuns aplicadas de maneira constante em uma organização (vide a coluna “Abordagens para reduzir as defasagens de capacitação”).

Como essa desconexão é basicamente comportamental, recorremos à ciência comportamental em busca de soluções. Três elementos-chave são necessários para um programa de capacitação eficaz: atuação da liderança como modelo, amplo engajamento dos funcionários e ensino virtual.

Atuação como modelo

As pesquisas nos dizem que as pessoas imitam – tanto consciente quanto inconscientemente – as ações dos indivíduos e grupos a seu redor. Uma das melhores maneiras de promover a adoção de novas mentalidades e comportamentos é garantir que os líderes seniores atuem como modelos com relação à mudança desejada1. Quando os funcionários veem colegas de alta visibilidade se comportando de maneira diferente, isso reforça o novo modo de trabalhar e sinaliza um compromisso com a transformação. De fato, quando os líderes seniores atuam como modelos das mudanças de comportamento que estão pedindo aos funcionários, as transformações têm uma probabilidade 5,3 vezes maior de serem bem-sucedidas. Isso significa que, muitas vezes, é melhor os líderes seniores serem os primeiros participantes a concluir um programa de capacitação.

Foi esse o caso da empresa internacional de manufatura mencionada anteriormente. Quando os executivos avaliaram seus funcionários pela primeira vez, a empresa obteve uma pontuação no quartil inferior do Índice de Saúde Organizacional (OHI, na sigla em inglês de “Organizational Health Index”) da McKinsey2. Resultados de levantamentos e discussões adicionais mostraram que muitos funcionários não estavam confiando na alta administração à medida que a situação financeira da organização piorava. Os líderes não estavam comunicando seus objetivos nem seu progresso com clareza, e ninguém prestava conta dos resultados.

Ao atuarem como modelos com relação às novas normas, os líderes seniores ajudaram a restaurar a confiança na organização e na própria transformação – o que incluía a capacitação. Ao mudarem seus próprios comportamentos, eles sinalizaram para a organização que essa mudança era real, gerando, assim, confiança.

O ex-diretor de transformação da empresa recorda que os funcionários só se convenceram de que a capacitação valia a pena quando descobriram que podiam confiar no que a administração estava dizendo. “A administração precisava fazer realmente coisas que fossem diferentes, mostrar algumas provas de mudança, assumir alguns riscos.”

O CEO também participou, comparecendo a muitos dos workshops de capacitação que a empresa realizou e interagindo com funcionários de todos os níveis hierárquicos e de todo o mundo. Os funcionários, observando de perto, pagaram na mesma moeda quando ficou claro que o programa era muito importante para o chefe. Iniciava-se aí um círculo virtuoso de incentivo e reconhecimento. O CEO passou até a telefonar diretamente para os funcionários quando eles faziam algo bem ou demonstravam os comportamentos que o programa estava tentando incentivar. De início, os funcionários da linha de frente se mostraram descrentes. Alguns chegaram a desligar na cara do CEO, achando que a chamada era um trote. Quando ficava claro que não era, os funcionários contavam com orgulho, uns para os outros, sobre o ocorrido.

Porém, nem todos os executivos do alto escalão aceitaram o programa logo de cara. Por exemplo, o diretor de talentos da empresa, um dos protagonistas, estava cético. Achava que as habilidades pareciam muito básicas e que a empresa já estava fazendo o suficiente. Ele mudou de ideia quando percebeu que, por mais simples que as capacidades às vezes parecessem, a organização nem sempre aplicava as habilidades de maneira eficaz, o que diminuía a produtividade, reforçava os silos e, em termos gerais, causava um curto-circuito na geração de valor, ameaçando a aspiração suprema: o sucesso da transformação em sentido mais amplo.

Amplo engajamento dos funcionários

Para que a capacitação ocorra, a participação no programa de transformação deve ser suficientemente ampla. Mesmo quando impulsionada pela adesão do alto escalão, a capacitação ainda precisa ir muito além de algumas rodadas com uns poucos escolhidos, pois os funcionários que não são incluídos em uma transformação se sentem desengajados, desconectados e deixados para trás. Qualquer engajamento que não seja amplo invalida o propósito.

Na verdade, descobrimos que, para criar a base de mudanças realmente amplas, um programa de capacitação deve engajar diretamente pelo menos 25% da força de trabalho. Em nossa experiência – e nas pesquisas da ciência comportamental –, esse é o ponto de inflexão que deve ser atingido por uma minoria de funcionários para criar uma nova norma cultural3. Em outras palavras, ao engajar pelo menos 25% dos funcionários, a massa crítica da força de trabalho é capaz de eliminar comportamentos profundamente enraizados na organização e permitir que as mudanças transformadoras se expandam por toda a empresa.

Para inspirar mudanças comportamentais em todos os níveis de uma organização, um programa de capacitação deve começar direcionado aos principais influenciadores da organização. Essas pessoas, qualquer que seja sua posição hierárquica, devem estar entre as primeiras a passar por ele. A ideia é que esses influenciadores atuem como divulgadores das novas maneiras de trabalhar. Os influenciadores podem inspirar seus colegas a mudar por meio de relatos pessoais e argumentos convincentes.

Antes de a pandemia de COVID-19 limitar a aprendizagem presencial, uma organização internacional de manufatura pediu ao dirigente de cada uma de suas fábricas para passar pelo programa de capacitação da empresa e depois conduzir workshops presenciais referentes às habilidades dos funcionários em sua fábrica. Em sua maioria, esses chefes de produção não tinham experiência formal como facilitadores ou oradores públicos, mas sua influência era sentida em toda a unidade em questão. Como um funcionário da linha de frente disse posteriormente: “A força desse programa não esteve apenas em eu poder passar um tempo na mesma sala que o chefe da fábrica, e sim no fato de ele estar realmente me ajudando a crescer – me ajudando a me aprimorar e a trabalhar melhor”.

A empresa internacional de manufatura em dificuldades que foi apresentada como nosso primeiro exemplo também levou a sério a abordagem dos influenciadores. Certificou-se de realizar workshops em várias unidades de todo o mundo, e pelo menos dois membros de sua comissão executiva compareceram a cada um. A empresa estava mandando um recado: nós nos preocupamos com você e com o seu desenvolvimento.

Moldando um novo ambiente de aprendizagem: ensino virtual

Moldar o ambiente de aprendizagem é outra parte essencial da capacitação. Na era da pandemia de COVID-19 (e, com certeza, no futuro), isso significa que a capacitação deve ser implementada principalmente por meios virtuais. Por sorte, a capacitação se presta facilmente à aprendizagem virtual.

Além disso, há indícios de que os ambientes virtuais podem proporcionar experiências equivalentes ou melhores do que as dos programas e workshops presenciais tradicionais. Cerca de 87% dos participantes de experiências virtuais recém-adaptadas nos últimos meses concordaram que os programas foram pelo menos tão eficazes quanto os eventos presenciais teriam sido.

Talvez o aspecto mais significativo de um programa de capacitação virtual seja a possibilidade de alcance global. Nas multinacionais, é fundamental que o maior número possível de funcionários de todos os recantos geográficos tenham a oportunidade de aprender e incorporar novas habilidades. No protocolo de workshop presencial mais tradicional, por mais meritório que seja, isso é muito difícil de fazer devido à logística e ao custo; imagine transportar milhares de pessoas de avião entre os centros regionais.

Para o diretor de talentos da empresa internacional de manufatura, a evolução digital do programa foi uma virada de jogo, resolvendo quaisquer questões relativas à amplitude da participação. “Depois dos primeiros workshops presenciais, as pessoas estavam arrombando minha porta para entrar. O programa passou de ‘isso é muito simples e não faz sentido para mim’ para ‘por que não fui convidado para este workshop?’. Quando lançamos o programa digital, ele ficou disponível para todos.”

Por ser transnacional, o ensino virtual ao vivo possibilita um feedback mais amplo e profundo. As funções de bate-papo das plataformas de videoconferência permitem que os participantes conversem facilmente e façam perguntas em tempo real de maneiras que atrapalhariam demais em um ambiente de sala de conferências. Os formatos virtuais também permitem configuração e personalização. Quando a empresa de manufatura em transformação lançou seu programa digital, as aulas foram traduzidas para vários idiomas, reforçando, mais uma vez, a mensagem subjacente: a administração está investindo em você.

Capacidades e transformação

Normalmente, são quatro as etapas sequenciais de capacitação que apoiam uma transformação bem-sucedida. Em primeiro lugar, os funcionários individuais aprendem novas capacidades. Em segundo, as equipes as aplicam, e as capacidades e comportamentos mudam. Em seguida, a organização passa a observar melhorias na eficácia. Por fim, a empresa atinge suas metas financeiras e outros objetivos.

Tendo isso em mente, pareceria que adotar um programa de capacitação seria senso comum. No entanto, como observado, não se trata de uma prática comum, em absoluto. Infelizmente, os motivos pelos quais as empresas não priorizam a capacitação – os resultados da aprendizagem são básicos demais ou distraem demais, ou um executivo líder simplesmente não tem interesse – representam oportunidades perdidas e deixam os resultados dos programas de transformação ao acaso.

Ao mesmo tempo, as organizações que priorizam o desenvolvimento de habilidades costumam ter programas que são ineficazes. Em levantamento McKinsey recente com 1.240 líderes empresariais de todo o mundo, quase 80% – contra 59% antes da pandemia de COVID-19 – disseram que a capacitação é extremamente ou muito importante para o crescimento de sua empresa no longo prazo. Contudo, apenas um terço dos entrevistados acredita que os programas de capacitação são frequentemente ou sempre bem-sucedidos em cumprir seus objetivos e causar impacto empresarial.

A experiência da empresa internacional de manufatura, entretanto, mostra que um programa de capacitação robusto é capaz de impulsionar uma transformação. Como mencionado anteriormente, a empresa caiu para o quartil inferior em sua pontuação no OHI. Porém, quatro anos após o início da transformação, a pontuação da empresa mais do que dobrou, levando a organização ao segundo quartil.

Na prática, a questão de prestação de contas e a de comunicação nas unidades de negócios, que estavam entre os problemas mais evidentes da empresa, apresentaram uma melhora. Os funcionários, agora engajados, geraram quase 5 mil ideias de melhoria, muitas das quais tiveram impacto nos resultados financeiros da empresa.

Essas ideias de melhoria geraram muito valor para a empresa e envolveram mais pessoas no sucesso dela. Como disse o ex-diretor de transformação da empresa: “Não podemos ver tudo aqui de cima. As grandes ideias vêm muitas vezes de outras partes da empresa. Por meio da capacitação, a administração pode oferecer aos funcionários da linha de frente um processo para pegarem uma ideia, defenderem-na e serem reconhecidos pelo trabalho”.

Outros dados ressaltaram a importância da capacitação em uma transformação. O módulo do programa de capacitação sobre reuniões eficazes liberou de 2% a 3% do tempo na agenda dos funcionários. Pode não parecer muito, mas, quando se extrapola para um ano em uma empresa com milhares de funcionários, é muito tempo, que pode ser usado em um trabalho mais produtivo ou até mesmo em atividades pessoais.

Em comparação com seus pares, a empresa ficou mais ágil graças às suas iniciativas de capacitação. Em um caso, um grupo que havia recebido o treinamento de análise prospectiva no workshop de capacitação reuniu-se para prever quais eventos do tipo cisne negro poderiam prejudicar a fábrica no decorrer do ano seguinte. Uma das respostas foi um furacão de categoria 5, que não é uma ocorrência diária (ou mesmo anual). Preparando-se para essa contingência, a empresa comprou equipamentos adicionais e desenvolveu procedimentos especiais por precaução. Quando esse furacão ocorreu de fato, a fábrica voltou a funcionar semanas antes das fábricas dos concorrentes vizinhos. A implementação da transformação e da capacitação que a apoiou também esteve relacionada a um aumento de seis vezes no preço das ações em menos de quatro anos.

Provas empíricas à parte, as pesquisas demonstram o poder da capacitação. Uma análise McKinsey recente de organizações que estão passando por transformação em escala mostra que a proporção de funcionários engajados na capacitação durante as transformação tem um efeito sobre as melhorias na saúde organizacional (Quadro 1)4. As organizações que expõem pelo menos 10% de seus funcionários a tais programas têm probabilidade duas vezes maior de melhorar sua pontuação no OHI do que as organizações que não fazem isso. A taxa média de melhoria foi de nove posições percentis – ante nenhuma melhoria. As organizações que incluíram mais de 30% de sua força de trabalho em programas de capacitação formais melhoraram suas pontuações no OHI em 12 posições percentis, em média.

1

Os benefícios econômicos também são reais (Quadro 2). Nossa análise de 38 empresas de capital aberto mostrou que, quando as empresas incluíam mais de 30% de sua força de trabalho em programas de capacitação, elas apresentavam retornos totais para os acionistas 43% superiores aos benchmarks após 18 meses5. Fato igualmente importante é que os benefícios fluem em ambos os sentidos: os funcionários ficam animados para desenvolver habilidades e conhecimentos novos e valiosos.

2

As transformações são difíceis de executar e ainda mais difíceis de manter. Dezenas de milhares, às vezes centenas de milhares, de funcionários precisam ser engajados e alinhados, independentemente de onde morem, do idioma que falem e da cultura que tenham. Programas de capacitação eficazes permitem que as organizações desenvolvam as mentalidades, os comportamentos e as habilidades de que necessitam para impulsionar uma transformação e atingir seu pleno potencial.

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