Como as emissões negativas podem ajudar as organizações a cumprirem suas metas climáticas

| Relatório

Ao assumirem a tarefa urgente de reduzir as emissões de carbono, governos e empresas também devem cogitar outro meio fundamental de limitar a elevação das temperaturas globais: a remoção de carbono da atmosfera por meio da geração de emissões negativas.

Como se sabe bem hoje, a manutenção do aquecimento abaixo de 1,5°C detendo-se o acúmulo de CO2 atmosférico é crítica para limitar a exposição do mundo aos perigos físicos resultantes das mudanças climáticas e para evitar ciclos de feedback potencialmente catastróficos no clima da Terra que levem ao aquecimento permanente. Também está bem estabelecido, embora seja menos notório, que, agora, limitar o aquecimento a 1,5°C só será possível com emissões negativas significativas por meio de soluções que removam carbono da atmosfera e o armazenem por um longo prazo.

Existe uma ampla gama de soluções de emissões negativas. A título de exemplo, as “soluções climáticas naturais” (NCSs, na sigla em inglês de “natural climate solutions”), como o reflorestamento, utilizam mecanismos biológicos. As “remoções por engenharia”, como a bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, na sigla em inglês de “bioenergy with carbon capture and storage”) e a captura e armazenamento diretos de ar (DACS, na sigla em inglês de “direct air capture and storage”), sequestram CO2 geologicamente – por exemplo, em formações rochosas vedadas no subsolo.

As emissões negativas são necessárias para três finalidades: compensar as emissões residuais, difíceis de reduzir, em setores como o de cimento; diminuir a quantidade de CO2 na atmosfera se a redução das emissões não for realizada com rapidez suficiente; e remover emissões históricas da atmosfera em uma trajetória para um clima estável no longo prazo. Muitos dos principais cenários para uma trajetória até 1,5°C, entre os quais o da McKinsey (em inglês), incluem um escalonamento substancial das emissões negativas (Quadro 1). Nesses cenários, as emissões negativas complementam as amplas iniciativas para reduzir as emissões, em vez de substituir ou prejudicar essas iniciativas.

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Porém, o mundo está longe do caminho que leva a emissões negativas suficientes. Com base no pipeline atual de projetos de emissões negativas, a necessidade identificada não chegará nem perto de ser atendida (Quadro 2).

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Mesmo que todas as metas de redução de CO2 sejam cumpridas, se as emissões negativas não forem escalonadas, o mundo provavelmente excederá o orçamento de carbono de 1,5°C antes de 2040, acrescentando mais CO2 atmosférico do que os cientistas consideram permissível para uma trajetória de 1,5°C. Isso significa que o mundo está condenado a mais aquecimento? Não, pelo contrário: uma análise recente da McKinsey para a Coalition for Negative Emissions indica que é possível escalonar as emissões negativas com um portfólio de soluções sustentáveis. Por exemplo, as NCSs e as soluções baseadas em BECCS e DACS podem proporcionar entre oito e 12 gigatoneladas de emissões negativas, mesmo após a aplicação de filtros rigorosos de sustentabilidade ambiental e econômica.

Nossa análise mostra que cada uma das três soluções pode ser escalonada de forma sustentável para mais de uma gigatonelada de produção nas próximas décadas, sem destruir os estoques de carbono existentes (como os estoques florestais atuais), danificar ecossistemas sensíveis ou desviar recursos de atividades econômicas essenciais, como a produção de alimentos. Ela também mostra que será necessário um portfólio com pelo menos essas três soluções e que os componentes servirão a propósitos diferentes ao longo do tempo (Quadro 3). Algumas NCSs podem ser escalonadas rapidamente no curto prazo, mas tendem a saturar com o tempo, enquanto as soluções que envolvem armazenamento geológico apresentam menores riscos de reversão (ou seja, liberação do CO2 sequestrado) no longo prazo, mas podem ser antieconômicas no curto prazo. Essas são apenas três soluções possíveis, e muitas outras que estão em desenvolvimento (por exemplo, soluções oceânicas) precisarão ser cogitadas.

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Embora haja métodos NCS, BECCS e DACS de emissões negativas disponíveis hoje, levá-los à escala necessária será um esforço monumental. Alcançar uma trajetória de 1,5°C pode exigir a construção de mais de 200 usinas de energia de BECCS em escala de gigawatts e milhares de instalações DACS, além de mudanças no uso do solo para NCSs em uma área equivalente a cerca de nove vezes o tamanho do Reino Unido. Também são essenciais outras iniciativas viabilizadoras, como a expansão dos supply chains de biomassa, o desenvolvimento de habilidades de entrega de projetos de capital e a criação de redes de CCS.

Nossa pesquisa mostra que os custos dessas iniciativas serão provavelmente muito menores do que os custos atuais indicam. A experiência aponta para uma queda significativa dos custos de BECCS e DACS à medida que sejam implementados mais amplamente, devido às economias de escala e ao fato de que o know-how adicional tornará a implementação mais eficiente. Uma vez implementadas as emissões negativas na escala de gigatoneladas, o custo médio da remoção de carbono pode ficar em torno de US$ 40 a US$ 140 por tonelada de CO2 em 2050. Nesse caso, a implementação de um portfólio de emissões negativas suficiente para uma trajetória de 1,5°C ficaria entre US$ 4,2 trilhões e US$ 8,4 trilhões mais barata em comparação com os custos atuais.

As emissões negativas oferecem oportunidades substanciais para as empresas que as comprem, bem como para as que participem da criação do setor de remoção de carbono. Do lado da compra, algumas empresas se propuseram a se tornar não apenas neutras em carbono, mas também negativas em carbono nos próximos anos. A Microsoft, por exemplo, comprometeu-se a comprar um portfólio de emissões negativas dentro de sua iniciativa de se tornar negativa em carbono até 2030 e de remover, até 2050, todo o carbono que emitiu diretamente ou por consumo de eletricidade desde a fundação da empresa, em 1975.

As empresas que forem as primeiras a usar emissões negativas poderão realizar ambições ambientais impossíveis de serem alcançadas apenas por meio de redução das emissões, o que pode melhorar sua reputação perante clientes, investidores e outros stakeholders. A compra de emissões negativas também permite que as empresas neutralizem as complexas emissões do supply chain ou in-use (Escopo 3) até poderem reduzir essas emissões e neutralizar emissões operacionais difíceis de reduzir (Escopos 1 e 2), como certas emissões de fertilizantes na agricultura e emissões de combustíveis na aviação. É extremamente caro reduzir algumas dessas emissões residuais e, para as outras, não existe hoje nenhuma solução técnica viável.

As empresas que ajudarem a desenvolver o setor de emissões negativas também poderão ajudar a causar impactos sociais mais amplos, como a geração de empregos e a proteção da biodiversidade. Nossa análise indica que o escalonamento das tecnologias de emissões negativas poderá gerar entre quatro milhões e dez milhões de empregos até 2050. A remoção de carbono por engenharia requer funções operacionais permanentes e com alto grau de capacitação, e não apenas trabalhos temporários de construção ou de plantio de árvores. É importante ressaltar que as soluções em escala industrial baseadas em BECCS e DACS podem oferecer oportunidades de realocar profissionais experientes de ocupações economicamente produtivas na produção de petróleo e gás. Nossa pesquisa mostra que 70% a 90% da base de capacitação dos profissionais de ciência, tecnologia, engenharia e matemática que atuam no setor de petróleo e gás tem relevância direta para esses profissionais na remoção de carbono por engenharia.

Os benefícios ambientais das emissões negativas estão relacionados a questões de importância global e local, como biodiversidade, abastecimento de água e qualidade do solo. Essas questões, por sua vez, têm implicações econômicas. Por exemplo, 100 metros de manguezais restaurados podem reduzir a altura de uma tempestade em 20%, reforçando as defesas locais contra enchentes. Do mesmo modo, a prevenção do desmatamento e a promoção do reflorestamento podem gerar emissões negativas, bem como ajudar economias locais. Entre 40% e 70% da chuva necessária à agricultura vem da evapotranspiração das florestas e da vegetação; portanto, melhorar a saúde das florestas também ajuda os agricultores. Ademais, são gastos cerca de US$ 300 bilhões por ano com turismo em áreas protegidas; melhorar ou expandir essas áreas por meio de investimentos em emissões negativas pode ajudar as comunidades locais que obtêm renda do turismo.

Para que esses benefícios possam ser concretizados, é necessário que exista um mercado funcional para créditos de emissões negativas. Esse mercado não existe hoje. Nossa análise mostra que, nos incipientes mercados de carbono atuais, a oferta, a demanda e a intermediação de emissões negativas são todas limitadas.

Do lado da oferta, não existem padrões claros sobre o que constitui uma emissão negativa de alta qualidade. Assim, os fornecedores costumam se autocertificar, o que abala a confiança dos compradores e gera incertezas. Além disso, questões não resolvidas relacionadas à segurança e aos impactos ambientais podem levar a buscas infrutíferas de soluções perfeitas, em vez de iniciativas para definir as deficiências de cada solução e determinar como várias soluções podem atuar conjuntamente em um portfólio diversificado. Na intermediação, não há infraestrutura suficiente nem outros serviços disponíveis para ajudar a transformar as emissões negativas em ativos investíveis, de modo que os fornecedores não têm acesso fácil a financiamentos e os compradores não podem fazer escolhas bem fundamentadas. Do lado da demanda, as empresas e os governos não têm certeza se as emissões negativas propiciam benefícios a eles e que papel eles podem desempenhar no apoio às emissões negativas. Em termos mais gerais, essas instituições são desestimuladas pela complexidade dos mercados de carbono.

Abordar essas questões provavelmente exigirá um empenho coordenado entre fornecedores, compradores, órgãos de supervisão, corretores e outras entidades envolvidas na criação, comercialização e uso de emissões negativas. Com base no Com base no trabalho em andamento da Taskforce on Scaling Voluntary Carbon Markets (Força-Tarefa de Escalonamento dos Mercados Voluntários de Carbono, em tradução livre, à qual a McKinsey está fornecendo informações e apoio consultivo) (em inglês), o relatório da Coalition for Negative Emissions apresenta cinco medidas que ajudariam a criar um mercado de emissões negativas saudável:

  • definir o que são emissões negativas de alta qualidade
  • criar um mercado robusto, líquido e transparente para a negociação de créditos de emissões negativas e geração de financiamentos do lado da oferta
  • garantir compromissos nacionais suficientes com as emissões negativas (iniciativa adicional à redução das emissões) por meio de intervenção e articulação governamental eficaz
  • acordar um método para monitorar e exaltar as alegações das empresas de forma transparente, com o respaldo de princípios contábeis claros e uma narrativa que destaque a proposta de valor distinta das emissões negativas, adicionalmente à redução das emissões
  • viabilizar a colaboração, contabilidade e comércio multilaterais de maneiras que ajudem o enfrentamento global do desafio das emissões negativas

Enquanto essas medidas tomam forma, os líderes empresariais fariam bem em pensar em maneiras de gerar emissões negativas dentro de suas estratégias de valor líquido zero. Para as empresas que comprarão emissões negativas, os primeiros passos serão entender o papel que as emissões negativas desempenharão no atingimento das metas de valor líquido zero e interagir com o mercado para que dê um sinal da demanda futura. O escalonamento das emissões negativas gerará oportunidades para os potenciais fornecedores por meio de soluções que incluem, entre outras, NCSs e soluções baseadas em BECCS e DACS. Também criará oportunidades para os intermediários que financiarão as despesas operacionais e de capital necessárias para manter o aquecimento abaixo de 1,5°C.

Abordar o atual déficit de emissões negativas é vital para evitar o aquecimento global extremo e irreversível. À medida que fica clara a urgência da necessidade de medidas, as emissões negativas podem se tornar uma prioridade, juntamente com a redução rápida das emissões, na política climática global.

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