McKinsey Quarterly

Decisões estratégicas: quando você pode confiar na intuição?

Para dois intelectuais que representam escolas de pensamento opostas, Daniel Kahneman e Gary Klein têm, surpreendentemente, muito em comum. Kahneman, psicólogo, foi agraciado em 2002 com o Prêmio Nobel de economia pela teoria da perspectiva (prospect theory), que ajuda a explicar as escolhas às vezes contraintuitivas que as pessoas fazem em situações de incerteza. Klein, cientista sênior da MacroCognition, enfoca o poder da intuição para respaldar a tomada de boas decisões em ambientes de alta pressão, como combate a incêndios e unidades de terapia intensiva.

No artigo Conditions for intuitive expertise: A failure to disagree (Condições da expertise intuitiva: Uma inesperada convergência), publicado em setembro de 2009 no jornal American Psychology, Kahneman e Klein debateram as circunstâncias em que a intuição poderia gerar boas decisões. Nesta entrevista com Olivier Sibony, diretor do escritório de Bruxelas da McKinsey, e Dan Lovallo, professor da University of Sydney e consultor externo da McKinsey, Kahneman e Klein exploram o poder e os perigos da intuição para altos executivos.

The Quarterly: No seu recente artigo na American Psychology, vocês fazem uma pergunta que deve interessar a praticamente todos os executivos: “Em que condições as intuições dos profissionais são dignas de confiança?” Qual é a sua resposta? Quando os executivos podem confiar nos seus instintos?

Gary Klein: Depende do que você entende por “confiança”. Se o que você quer dizer é: “Meus instintos apontam nessa direção; portanto, vou agir com base neles e não preciso me preocupar”, diremos que você não deve confiar nunca nos seus instintos. Você precisa tomar a intuição como um dado importante, mas em seguida precisa avaliar esse dado conscientemente, deliberadamente, para ver se ele faz sentido no contexto em questão. Você precisa de estratégias para ajudar a descartar possibilidades. É o contrário de dizer: “Meus instintos apontam nessa direção; vou coletar informações para confirmá-los.”

Daniel Kahneman: Existem algumas condições em que você tem de confiar na sua intuição. Quando você tem pouco tempo para tomar uma decisão, precisa seguir a intuição. Minha opinião geral, no entanto, é que você não deve tomar ao pé da letra o que diz a sua intuição. O excesso de confiança é uma poderosa fonte de ilusões, provocadas essencialmente pela qualidade e coerência da narrativa que você construir, mas não por sua validade. Se as pessoas puderem construir uma narrativa simples e coerente, vão se sentir confiantes, independentemente do quanto ela está enraizada na realidade.

The Quarterly: A intuição é mais confiável em algumas condições?

Gary Klein: Identificamos duas. Primeiro, a situação precisa ter uma certa estrutura, uma certa previsibilidade que permita a você ter uma base para intuir. Se uma situação for muito, muito turbulenta, dizemos que ela tem baixa validade e não existe base para intuição. Por exemplo, não se deve confiar nas decisões de corretores ao escolherem ações específicas. O segundo fator é se os tomadores de decisão têm uma chance de obter feedback sobre suas decisões, para se fortalecerem e obterem expertise. Se esses critérios não forem satisfeitos, as intuições não são dignas de confiança.

A maioria das decisões corporativas não passa no teste de alta validade. No entanto, elas estão muito acima das situações de baixa validade que estudamos. Muitas intuições e expertise no campo dos negócios são valiosas; elas dizem a você algo que é útil e que você pode aproveitar.

Daniel Kahneman: Nesse aspecto, Gary e eu pensamos diferente. Eu usaria de cautela com a intuição de experts, exceto aqueles que lidam com algo com que já lidaram muito no passado. Os cirurgiões, por exemplo, fazem muitas operações de um determinado tipo e sabem quais problemas vão encontrar. Mas quando os problemas são peculiares, ou razoavelmente peculiares, eu confiaria menos na intuição do que Gary. Um dos problemas da expertise é que as pessoas são especialistas em algumas esferas, mas não em outras. Assim, os experts não sabem exatamente onde estão os limites de sua expertise.

The Quarterly: Muitos executivos poderiam argumentar que grandes decisões estratégicas, como entrada em um mercado, M&A ou investimentos em P&D, ocorrem em ambientes em que sua experiência conta – o que se poderia denominar ambientes de alta validade. Eles estão certos?

Gary Klein: Nenhum desses casos envolve de fato ambientes de alta validade, mas existe estrutura suficiente para que os executivos ouçam sua intuição. Eu gostaria de ver uma simulação mental que envolvesse o exame das maneiras como cada uma das opções poderia se concretizar como previsto ou imaginar maneiras como elas poderiam dar errado, além de descobrir por que as pessoas se entusiasmam com elas.

Daniel Kahneman: Com relação a decisões estratégicas, o que me preocupa muito é o excesso de confiança. Ocorre que muitas vezes aspectos inteiros do problema estão além do seu conhecimento – por exemplo, estou ignorando o que os concorrentes poderiam fazer? Um executivo pode ter uma intuição muito forte de que um determinado produto é promissor, sem levar em conta a probabilidade de que um rival já esteja mais adiantado no desenvolvimento desse mesmo produto. Eu acrescentaria que a quantidade de sucesso necessária para que os líderes adquiram excesso de confiança não é tão grande assim. Alguns gozam da fama de acumular grandes êxitos em seu currículo, quando de fato tudo o que fizeram foi correr riscos que pessoas sensatas não correriam.

Gary Klein: Danny e eu estamos de acordo quanto ao seguinte: quando os executivos atingem altos patamares na carreira, eles sabem suscitar confiança em seu discernimento, mesmo se não existir uma base sólida para suas decisões (ver quadro).

The Quarterly: Então, vocês diriam que os processos de seleção de líderes tendem a favorecer quem assume riscos e é sortudo, e não sensato?

Daniel Kahneman: Sem dúvida – se houver um viés, é nesse sentido. Além disso, quem assume riscos e tem sorte usa a retrospectiva para reforçar a sensação de que possui instintos muito sensatos. A retrospectiva também reforça a confiança dos outros na intuição daquela pessoa. Esse é um dos verdadeiros perigos da seleção de líderes em muitas organizações: os líderes são selecionados pelo excesso de confiança que exibem.

Associamos liderança a determinação. Essa percepção da liderança leva as pessoas a tomar decisões com bastante rapidez, para não serem vistas como hesitantes e indecisas.

Gary Klein: Concordo. O protótipo da credibilidade entre as pessoas em geral é John Wayne, que avalia uma situação e diz: “Vou fazer tal coisa” – e os outros vão atrás dele. Nós dois nos preocupamos com líderes em situações complexas que não têm experiência suficiente, que simplesmente fazem o que a intuição dita e não a monitoram, não refletem sobre ela.

Daniel Kahneman: É uma desvantagem não ser John Wayne, já que existe de fato uma forte expectativa de que os líderes sejam resolutos e rápidos para agir. Temos um anseio profundo de sermos liderados por pessoas que sabem o que estão fazendo e não precisam pensar muito a respeito de sua linha de ação.

The Quarterly: Quem seria o protótipo de vocês para o tipo de líder “não John Wayne”? Gary Klein: Conheci um tenente-general no Iraque que me contou uma história maravilhosa sobre o primeiro ano que ele passou lá. O tempo todo ele aprendeu coisas que não conhecia – fez isso questionando constantemente suas premissas quando percebia que estava errado. No fim do ano, ele tinha uma visão totalmente diferente de como fazer as coisas, e não perdeu a credibilidade. Outro exemplo que eu daria é o de Lou Gerstner quando foi para a IBM. Ele entrou num setor que não conhecia. Não fingiu entender as nuanças, mas foi visto como alguém inteligente e de mente aberta, e assim granjeou confiança muito rapidamente.

The Quarterly: Agora há pouco, Gary, você falou em imaginar maneiras como uma decisão poderia dar errado. Isso parece remeter à sua técnica “pre-mortem”. Você poderia falar um pouco mais a esse respeito?

Gary Klein: A técnica pre-mortem é uma maneira sorrateira de fazer as pessoas exporem ideias “do contra”, bancarem o advogado do diabo sem encontrarem resistência. Quando um projeto vai mal, faz-se uma sessão de lições aprendidas para examinar o que deu errado e por que o projeto fracassou – à semelhança de um post-mortem médico. Por que não fazer isso de antemão? Antes do início de um projeto devemos dizer: “Estamos olhando uma bola de cristal e vemos que esse projeto fracassou; foi um fiasco. Agora, pessoal, todo mundo vai ter alguns minutos para anotar todos os motivos que, na opinião de vocês, redundaram no malogro do projeto.”

A lógica é que, em vez de mostrar às pessoas como você é inteligente por ter concebido um bom plano, você mostra que é inteligente por pensar em motivos esclarecedores do possível fracasso do projeto. Se essa postura passar a fazer parte da cultura corporativa, você gera uma interessante competição: “Quero sugerir um possível problema em que ninguém mais pensou.” Há uma mudança total na dinâmica, que passa de evitar dizer algo que poderia quebrar a harmonia para tentar trazer à tona problemas potenciais.

Daniel Kahneman: O pre-mortem é uma ótima ideia. Eu a mencionei em Davos – dando crédito total ao Gary – e o presidente do conselho de uma grande empresa me disse que só isso já compensou a ida a Davos. A vantagem do pre-mortem é que é muito fácil de executar. Suponho que, em geral, fazer um pre-mortem de um plano que está prestes a ser implementado não fará com que ele seja abandonado. Mas ele provavelmente sofrerá ajustes que todos verão como benéficos. Assim, o pre-mortem é algo que custa pouco e rende muito.

The Quarterly: Parece que vocês concordam quanto aos benefícios do pre-mortem e às ideias sobre liderança. Em que vocês discordam?

Daniel Kahneman: Eu gosto de checklists como uma solução; o Gary não gosta.

Gary Klein: Não sou contrário a checklists em ambientes de alta validade com tarefas repetitivas. Não quero que o piloto do meu avião se esqueça de preencher o checklist antes da decolagem! Mas não tenho tanto entusiasmo por checklists em ambientes mais complexos e ambíguos, porque é aí que você precisa de expertise. Os checklists contêm afirmações do tipo se/portanto. O checklist diz a você qual é o “portanto”, mas você precisa de expertise para determinar qual é o “se” – a condição foi satisfeita? Em um ambiente dinâmico e ambíguo, isso requer discernimento, o que é difícil de pôr nos checklists.

Daniel Kahneman: Discordo. As situações sem alta validade são aquelas em que os checklists são mais necessários. O checklist não garante que você não vá cometer erros quando a situação é incerta. Mas ele pode impedir você de ser excessivamente confiante. Acho que isso é uma boa coisa.

O problema é que as pessoas não gostam de fato de checklists, resistem a eles. Portanto, você precisa transformá-los em procedimento operacional padrão – por exemplo, na etapa de due diligence, quando os membros do conselho fazem um checklist antes de aprovar uma decisão. Um checklist desses trataria do processo, não do conteúdo. Não acho que seja possível espalhar checklists e controle de qualidade por toda parte, mas em alguns poucos ambientes estratégicos, creio que vale a pena dar uma chance a eles.

The Quarterly: O que deve estar no checklist quando um executivo está para tomar uma decisão estratégica importante?

Daniel Kahneman: Eu perguntaria sobre a qualidade e a independência das informações. Elas são provenientes de várias fontes ou de uma única fonte, com diferenças na apresentação? Existe a possibilidade de pensamento de manada? O líder tem uma opinião que parece influenciar a opinião dos outros? Eu perguntaria qual é a procedência de cada um dos números e procuraria adiar a chegada do grupo a um consenso. Fragmentar os problemas e manter a independência dos juízos ajudam a descorrelacionar erros de julgamento.

The Quarterly: Você poderia explicar o que quer dizer com “erros correlacionados”?

Daniel Kahneman: Claro. Há um experimento clássico em que você pede que pessoas calculem a quantidade de moedas existentes dentro de um jarro transparente. Quando as pessoas fazem isso independentemente, a exatidão do julgamento sobe com o número de estimativas, ao ser tirada sua média. Mas quando as pessoas ouvem outras estimativas, a primeira influencia a segunda pessoa, que influencia a terceira, e assim por diante. A isso eu chamo erro correlacionado.

Francamente, me surpreende ver que quando se tem um grupo razoavelmente bem informado – por exemplo, quando todos leram os materiais de apoio – não seja mais comum começar fazendo com que todos escrevam suas conclusões num pedaço de papel. Se isso não for feito, a discussão vai criar um grau enorme de conformidade, que diminui a qualidade do julgamento.

The Quarterly: Além dos checklists, vocês discordam em outros aspectos importantes?

Gary Klein: Danny e eu não estamos alinhados sobre o fato de ser mais profícuo ouvir a intuição ou reprimir a intuição até ter a oportunidade de obter todas as informações. A performance depende de se ter insights importantes, como também de evitar erros. Mas às vezes, creio eu, as técnicas usadas para diminuir a chance de ocorrência de erros podem atrapalhar a obtenção de insights.

Daniel Kahneman: Meu conselho seria procurar adiar a intuição até onde for possível. Vamos tomar o exemplo de uma aquisição. Em última análise, você vai chegar a um número – qual será o custo da empresa-alvo. Se você chegar a números específicos muito cedo, você vai se ancorar nesses números e eles vão adquirir um peso muito maior do que de fato mereceriam. Antes de tudo, você deve fazer todo o dever de casa, para que a intuição seja tão fundamentada quanto possível.

The Quarterly: Qual é o melhor momento, no processo de decisão, para uma intervenção no intuito de eliminar vieses?

Daniel Kahneman: É quando você decide quais informações precisam ser coletadas. Esse é um passo absolutamente crítico. Se você começar com uma hipótese e planejar coletar informações, precisa garantir que o processo seja sistemático e que as informações sejam de alta qualidade. Isso deve ocorrer em um momento razoavelmente precoce.

Gary Klein: Não acho que os executivos pensem “tenho uma hipótese e estou procurando apenas dados que a confirmem”. Acho que o que ocorre é que as pessoas fazem avaliações apressadas do que está acontecendo, o que permite a elas determinar quais informações são relevantes. Caso contrário, elas entram no modo de sobrecarga de informações. Em vez de buscar confirmação, elas usam os referenciais de sua experiência para nortear sua busca. Claro que é fácil as pessoas perderem de vista o quanto elas descartaram com racionalizações. Assim, um caminho possível é procurar revelar isso a elas – mostrar a lista de coisas que elas descartaram com racionalizações.

Daniel Kahneman: Eu acrescentaria que a verificação de hipóteses pode ficar totalmente contaminada se a organização souber a resposta que o líder quer obter. É preciso dar às pessoas condições de descobrir que uma ideia é ruim logo no início do projeto, antes de comprometer toda a engrenagem com essa ideia.

The Quarterly: Qual o seu grau de otimismo em relação à possibilidade de as pessoas se desenviesarem?

Daniel Kahneman: O meu é nenhum. A maioria dos tomadores de decisão confia em suas intuições porque acha que vê a situação com clareza. Questionar as próprias intuições é algo especial. Creio que praticamente a única maneira de aprender a se livrar dos vieses é aprender a criticar outras pessoas. A isso dou o nome de “fofoca educativa”. Se pudermos elevar a fofoca sobre a tomada de decisões, introduzindo termos como “ancoragem” – proveniente do estudo de erros – à linguagem das organizações, as pessoas poderiam falar sobre os erros dos outros de uma maneira mais refinada.

The Quarterly: Você acha que os líderes corporativos querem gerar esse tipo de fofoca? Como eles normalmente reagem às suas ideias?

Daniel Kahneman: A reação é sempre a mesma – eles ficam muito interessados, mas a não ser que eles tenham feito um convite específico, por quererem fazer alguma coisa, eles não querem aplicar nada. A exceção é o pre-mortem. As pessoas adoram o pre-mortem.

The Quarterly: A que você atribui a reticência dos líderes em relação a colocar em prática as suas ideias?

Daniel Kahneman: A resposta é fácil. Os líderes sabem que qualquer procedimento que eles vierem a implementar vai resultar no questionamento do discernimento deles. Eles podem ou não estar totalmente conscientes disso, mas o fato é que não estão no mercado para ver suas decisões e escolhas questionadas.

The Quarterly: No entanto, os altos executivos querem tomar boas decisões. Vocês têm algumas palavras finais de sabedoria para eles nessa busca?

Daniel Kahneman: O único conselho que eu daria é que é preciso melhorar a qualidade das reuniões – creio que isso é bastante estratégico para melhorar a qualidade das decisões. As pessoas gastam um tempo enorme com reuniões. As reuniões deveriam ser curtas. É preciso que as pessoas tenham muitas informações e que os erros sejam descorrelacionados.

Gary Klein: O que me preocupa é a tendência a marginalizar quem discorda de você nas reuniões. Há uma intolerância muito grande ao questionamento. Como líder, você pode dizer as coisas certas – por exemplo, todos devem expor suas opiniões. Mas as pessoas são vivas demais para fazer isso, porque é arriscado. Assim, quando as pessoas levantam uma ideia que não faz sentido para você como líder, em vez de perguntar o que está errado com elas, você deveria ter a curiosidade de saber por que elas assumiram essa postura. A curiosidade contrabalança o desdém pelas pessoas que fazem afirmações que não se coadunam com o que é geralmente aceito.

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