Poder de compra: A gestão lean cria novo valor em procurement

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Com suas raízes na fabricação de automóveis, a gestão lean expandiu-se rapidamente e foi adotada em grande parte das empresas modernas, envolvendo desde funções relacionadas à fabricação, como manutenção e R&D até setores tão distintos como saúde e serviços financeiros. O conceito foi altamente transformador onde quer que tenha sido aplicado, gerando melhorias dramáticas de produtividade e qualidade, e capacitando os funcionários a aprimorarem continuamente os sistemas em que trabalham.

Contudo, na maioria das organizações, a gestão lean depara-se com uma verdadeira muralha, atrás da qual o departamento de compras se resguarda. Em nossa experiência, as poucas funções de procurement que chegaram a refletir sobre a gestão lean, a consideraram não mais que uma maneira de agilizar e automatizar as atividades procure-to-pay (P2P) [o que vale dizer, o processo de aquisição como um todo, do sourcing às contas a pagar]. O fato de a gestão lean ser capaz de oferecer valor substancial para o procurement estratégico tem sido ignorado por quase todos.

O motivo talvez seja óbvio. Apesar da influência do procurement, seus custos operacionais geralmente são muito baixos: na maioria dos setores, ficam entre 0,3% e 1%, em média, dos gastos. Para os líderes de procurement que veem a gestão lean como uma ferramenta para conseguir melhorias de eficiência, esses números não chegam a indicar um potencial promissor.

Porém, esse tipo de mentalidade deve mudar. Aplicados corretamente, as disciplinas e o pensamento sistêmico da gestão lean podem se tornar uma arma estratégica, alinhando melhor o departamento de compras aos interesses reais dos clientes internos, ajudando os líderes a repensar o processo de compras de ponta a ponta (dos fornecedores à fabricação e, em última análise, aos clientes externos), e transformando a eficácia das atividades do procurement estratégico.

Basta pensar no que o pessoal de procurement faz todos os dias. Quanto tempo os compradores estratégicos gastam em atividades que realmente agregam valor, como adquirir conhecimento mais profundo do mercado em categorias-chave, identificar e qualificar novos fornecedores potenciais, ou negociar os melhores contratos possíveis? É muito provável que seja bem menos do que se imagina. Em uma empresa industrial de grande porte, nossa análise da carga de trabalho descobriu que os compradores estratégicos costumavam dedicar menos de 40% de seu tempo a essas atividades essenciais. O restante era dissipado em distrações, como administrar, preencher modelos de relatórios e completar tarefas que deveriam ser responsabilidade do pessoal de procurement operacional.

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Imaginemos agora que seja possível mudar essa situação. Reduzir a carga administrativa e de relatórios e otimizar os processos essenciais permitiria que os compradores concentrassem mais de 70% do seu tempo a atividades estratégicas. Isso é o equivalente a dobrar o tamanho da função de procurement estratégico sem acrescentar um único funcionário.

A perspectiva mais ampla e mais diligente da gestão lean não apenas ajuda as empresas a maximizarem a eficácia de seus processos atuais, como também permite que adquiram uma visão mais integrada do valor criado por cada comprador. Ajuda-as a responder importantes perguntas estratégicas, como quais atividades devem continuar sendo realizadas pela empresa e quais devem ser automatizadas, encaminhadas a centros de serviços compartilhados próximos ou no exterior, terceirizadas ou canceladas definitivamente. Atividades padronizadas, menos processos, compradores mais bem qualificados, desenvolvimento contínuo das pessoas e recursos focados em atividades que agregam valor real – isso é o que entendemos como lean procurement.

A aplicação da disciplina lean à função de compras é oportuna também por outro motivo: o digital deverá ter enorme impacto, trazendo muitas novas soluções que irão além da atual automação do P2P e poderão transformar o processo de procurement de ponta a ponta. Ferramentas como análises padronizadas de should-cost [custo razoável], portais de fluxo de trabalho para gerenciar o processo completo de sourcing estratégico, e acesso a grandes bancos de dados de fornecedores externos para pesquisas de mercado permitirão que os compradores estratégicos dediquem ainda mais do seu tempo a focar as coisas certas. E os processos eficientes e estruturados que a gestão lean possibilita constituem a estrutura perfeita para integrar essas novas ferramentas.

Aplicar uma lente lean

Levar a disciplina da gestão lean para Compras exige ações em cinco áreas (veja box, “Como um líder trouxe a gestão lean para procurement”). O primeiro passo é adquirir um entendimento profundo das necessidades dos clientes do departamento de compras, que incluem não apenas as unidades de negócio que trabalham diretamente com a função de procurement, mas também os clientes finais da organização. O passo seguinte é simplificar, automatizar e agilizar os processos a fim de atender a essas necessidades do modo mais eficiente e eficaz possível, seja em procurement estratégico (como os sistemas padronizados de solicitação de cotação) ou em procurement operacional (como o processamento de pedidos no-touch [sem interferência humana]). O terceiro é desenvolver as habilidades e estruturas de que o procurement precisa para alcançar esses objetivos, incluindo uma divisão clara entre suas funções estratégicas e operacionais. Em quarto lugar, a função deve tornar mais rigorosa a gestão da sua performance usando indicadores que foquem a criação de valor real (por exemplo, as contribuições gerais da função em termos de caixa e de lucros e perdas). Por fim, o passo mais importante: a organização precisa mudar sistematicamente a mentalidade e o comportamento de seu pessoal, criando uma cultura voltada à melhoria contínua no atendimento ao cliente e na eliminação do desperdício.

Entender o cliente

O ponto de partida para a gestão lean é sempre o cliente. Às vezes, as funções de compra são culpadas de entregar o que acreditam ser melhor para o resto da empresa, não o que é efetivamente melhor. Para resolver esse descompasso, as empresas precisam de uma abordagem sistemática que as faça entender as necessidades de seus clientes, com interações estruturadas, portais de colaboração de negócios e entrevistas que consigam capturar a voz do cliente. Conselhos de procurement estratégico, por exemplo, garantem que representantes de cada unidade de negócio e seus equivalentes em procurement possam se reunir para discutir o desempenho atual e os planos futuros. Em certa empresa, o conselho descobriu que, na verdade, os líderes das unidades de negócio não liam os relatórios centralizados de compras preparados pela empresa. A eliminação desses relatórios, cuja produção exigia muita mão de obra, deixou a função central de compras livre para concentrar mais esforços em matérias primas estratégicas.

As empresas mais avançadas fazem de tudo para assegurar que essas plataformas sejam um fórum para conversas bidirecionais. As unidades de negócio dessas empresas reconhecem o papel do procurement como um “formador de demanda” e valorizam sua contribuição em áreas como gestão de especificações ou volumes de compras, que muitas vezes podem gerar economia para a organização.

Padronizar os processos

Quando uma empresa consegue discernir como as atividades de procurement geram valor para o negócio, ela pode explorar novos caminhos para entregar o valor de modo mais eficiente. O mapeamento do fluxo de valor – uma ferramenta adaptada da fabricação – pode ser uma maneira poderosa de distinguir as etapas de um processo que valem a pena daquelas que só geram desperdício, de tal modo que o processo inteiro possa ser redesenhado e simplificado.

Essa abordagem aplica-se igualmente aos processos de procurement estratégico e operacional, mas com algumas diferenças importantes na execução.

Padronizar os processos estratégicos

Entender exatamente por que determinadas atividades existem pode levar rapidamente a economias significativas em termos de tempo e recursos para pessoal estratégico, cujas cargas de trabalho já tendem a ser mais complexas e variadas.  Longas e tediosas reuniões de atualização tornam-se perceptivelmente mais curtas com algumas medidas simples, como um controle melhor sobre a agenda ou o compartilhamento antecipado de dados com os participantes.

A padronização pode reduzir consideravelmente as atividades repetitivas ou duplicadas. Por exemplo, um departamento central pode descobrir novos fornecedores potenciais em bancos de dados externos, enquanto a formulação de critérios padronizados para a seleção de fornecedores pode acelerar bastante o processo de pré-qualificação. Do mesmo modo, modelos padronizados simplificam o desenvolvimento de estratégias da categoria e termos de contrato modulares agilizam a geração de acordos e os tornam menos propensos a omitirem salvaguardas importantes. Todavia, para que não suprimam a criatividade e o empreendedorismo, as empresas precisam distinguir cuidadosamente as atividades que podem ser padronizadas daquelas que precisam de mais flexibilidade. Uma coleção dos melhores “incentivos e punições” utilizados na preparação de uma negociação, por exemplo, pode proporcionar o equilíbrio certo.

A automação, já amplamente utilizada nos processos operacionais, é uma área pouco desenvolvida das atividades de procurement estratégico de muitas empresas e pode contribuir ainda mais para a padronização.

Driving superior value through digital procurement

Ferramentas eletrônicas de solicitação de propostas, informações, ofertas ou cotações [conhecidas genericamente como eRFX, electronic request-for-X] simplificam a coleta e comparação de orçamentos de fornecedores, e leilões eletrônicos podem acelerar as negociações que se repetem com certa regularidade. Clean sheets vinculadas aos índices de preços das matérias primas podem ser atualizadas com o simples apertar de uma tecla, oferecendo suporte consistente à equipe em negociações baseadas em fatos com fornecedores.

Padronizar os processos operacionais

Nos processos operacionais, ferramentas tradicionais de gestão lean, como a análise do fluxo de valor, podem revelar oportunidades significativas para melhorar a eficiência e a eficácia. Uma determinada empresa industrial utilizou essa ferramenta e descobriu que o número de ordens de compra que seus melhores compradores operacionais cuidavam por ano era quatro vezes maior que o daqueles de pior desempenho. Diante disso, decidiu capturar as práticas dos melhores compradores e codificá-las em novos procedimentos operacionais padronizados para a organização inteira. Coaching e treinamento adicionais para funcionários de baixo desempenho ajudaram a reduzir ainda mais o descompasso de habilidades.

No procurement estratégico, a padronização pode ser um ponto de partida para ampliar e enriquecer o emprego dos compradores operacionais, pois torna mais fácil automatizar, consolidar ou terceirizar tarefas repetitivas, como o gerenciamento dos dados principais de fornecedores. Em inúmeras empresas, as atividades de procurement operacional poderiam ser ainda mais automatizadas. Por exemplo, catálogos eletrônicos e sistemas automatizados permitem que as unidades de negócio façam pedidos diretamente, enquanto sistemas de rastreamento automático podem monitorar o andamento desses pedidos.

Desenvolver a organização e pessoas capazes

Lean procurement geralmente implica redefinir a organização de alto a baixo – começando com uma distinção mais clara entre os papéis estratégicos e operacionais de compras. Com isso, os funcionários mais caros da função de procurement – os compradores estratégicos – podem dedicar mais do seu tempo às tarefas mais valiosas.

As mudanças resultantes aumentam extraordinariamente o custo-benefício desses funcionários estratégicos. Com a padronização e automação dos processos, acesso rápido a valiosos dados internos e externos, e a capacidade de dedicar mais de 70% do tempo a trabalhos de alto valor – como estratégias de categoria, gestão da demanda e negociações –, os compradores estratégicos de uma organização lean conseguem multiplicar várias vezes o valor que hoje entregam.

À medida que seus papéis evoluem, as habilidades e capacidades das pessoas vão se tornando um diferencial ainda mais decisivo para a performance geral do procurement. Portanto, organizações avançadas de procurement dedicam atenção considerável à capacitação das pessoas. As melhores empresas trabalham arduamente para capturar e compartilhar seus conhecimentos – por exemplo, construindo bancos de dados centralizados sobre interações com fornecedores e especificações de produtos ou serviços, ou criando comunidades nas quais os compradores e seus clientes possam compartilhar insights sobre os mais recentes avanços do mercado.

Muitas vezes, a melhor maneira de adquirir habilidades de compra é inscrever todos os compradores estratégicos em uma “academia” de procurement, com módulos não apenas sobre capacidades específicas de compras (conhecimento de categorias, modelagem de custos clean sheet e negociações estruturadas, por exemplo), mas também competências mais genéricas em análises do fluxo de valor, resolução da causa-raiz de problemas e comunicação interpessoal. Com o tempo, essas academias vão reforçando a padronização de práticas, caminhando assim para uma única “maneira de trabalhar” que, em última instância, define muito mais do que a maneira de solicitar propostas ou cotações ou de elaborar clean sheets, pois, na verdade, acaba definindo a própria cultura da empresa.

Gerenciar a performance

As funções do lean procurement veem a gestão da performance sob algumas perspectivas diferentes. Elas monitoram o desempenho dos fornecedores para garantir que estão cumprindo as metas de qualidade, custo, flexibilidade e atendimento. Monitoram o desempenho de cada comprador, tanto os estratégicos como os operacionais, para garantir que estejam trabalhando de modo eficiente e mantendo o foco nas verdadeiras necessidades de seus clientes. E monitoram o desempenho da função como um todo, para garantir que ela continue a gerar valor real para o negócio ao qual serve.

Uma gestão eficaz da performance contribui para os departamentos de lean procurement de duas maneiras. Primeiro, com métricas, objetivos e processos de revisão certos, que mostram onde a função está atuando bem e revela oportunidades de novas melhorias. Segundo, ao se concentrarem nas métricas que realmente importam e implementarem automação e padronização com rigor, as empresas geralmente conseguem atenuar o fardo de monitorar e preparar relatórios, permitindo que mais tempo seja dedicado a atividades que agregam valor.

Incentivar a mentalidade certa e melhorar continuamente

Organizações de lean procurement impõem novas demandas a seu pessoal, exigindo que aperfeiçoem e aprimorem ininterruptamente suas tarefas diárias, e que pensem e ajam de novas maneiras em suas interações com clientes, gerentes e colegas. Torna-se responsabilidade de cada comprador questionar continuamente as atividades que ele ou ela realiza e propor maneiras melhores de levá-las a cabo.

Uma variedade de métodos poderosos faz com que essas novas maneiras de agir e se comportar criem raízes.  As organizações veem melhorias significativas até mesmo em etapas aparentemente básicas, como as reuniões diárias de 15 minutos em que cada equipe de procurement discute um elemento com a melhor prática e um problema crítico (e sua resolução). Em certa empresa, os gerentes encorajaram suas equipes de procurement a iniciar cada projeto de compras redigindo um modelo detalhado de solicitação de cotação a fim de coletar todas as informações relevantes logo no início, evitando perder tempo mais adiante com solicitações adicionais. Uma vez desenvolvido, o modelo foi adotado como padrão para as futuras solicitações de cotação em categorias relacionadas, e os esforços da equipe foram reconhecidos publicamente pela liderança.


Funções de procurement que adotaram a gestão lean tiveram um impacto rápido e importante. Certa empresa industrial europeia de grande porte, por exemplo, adotou disciplinas lean como parte de uma transformação generalizada de procurement em todas as suas multivariadas unidades de negócio. Com um único conjunto de métodos padronizados, a empresa conseguiu aumentar a eficiência de suas atividades de sourcing direto em cerca de 20% e de sourcing indireto em 25%. Porém, em vez de reduzir o pessoal de procurement, a empresa designou as pessoas assim disponibilizadas para um centro de excelência responsável por promover a adoção de novas ferramentas. Ao mesmo tempo, aumentou suas metas de redução de custos e investiu mais tempo em negociações do que antes. O novo foco permitiu que reduzisse seus gastos em mais de 10% em uma ampla gama de categorias.

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