Investimento em infraestrutura para uma ‘recuperação verde’

Por Lawrence Slade, CEO da Global Infrastructure Investor Association

A questão das mudanças climáticas ainda está entre nós, e em escala maior. Como muitos países e empresas estão se comprometendo a zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050 e muitos investidores particulares ou fundos de pensão vêm evitando ativos relacionados ao carbono, as questões referentes a políticas para o mundo são espantosas. A pandemia de COVID-19 complicou ainda mais essas questões.

A descarbonização de uma economia moderna nunca foi feita e constitui um risco inerente para governos e investidores, sem distinção. O âmago do sucesso está em como todas as partes – proprietários de ativos, investidores e formuladores de políticas – entendem e gerenciam esse risco. Elas devem estar alinhadas com relação à maneira pela qual as políticas e regulamentações são desenvolvidas para alcançar economias de carbono baixo ou zero e garantir que o capital para a fase inicial de desenvolvimento esteja disponível para promover os projetos certos. É uma aposta alta: a promoção desses projetos de infraestrutura é amplamente reconhecida como um aspecto crucial da recuperação econômica pós-COVID-19.

Mas como a recuperação econômica se encaixa na agenda verde? A chamada recuperação verde incorpora resiliência à infraestrutura para se chegar a projetos de carbono líquido zero. O desafio é identificar áreas de oportunidade para a adoção de novas tecnologias ou adaptação de ativos existentes. Além disso, as empresas devem decidir quando deixar de lado ativos “encalhados” – como a geração de energia a partir de combustíveis fósseis – que estão chegando ao fim de sua vida econômica devido a mudanças na regulamentação ou no mercado.

Nos próximos anos, os proprietários de ativos precisarão entender como os mercados serão afetados pela transição energética, tomar decisões com base na política e regulamentação climática e buscar parcerias público-privadas.

Os ativos encalhados são um desafio significativo

Muitas oportunidades de investimento surgirão com o aumento da digitalização, o gás ecológico, os veículos elétricos (VEs), a energia limpa e outras áreas de inovação. No entanto, as empresas devem gerir cuidadosamente essas oportunidades junto com os desafios dos ativos encalhados.

Por exemplo, no Reino Unido, as centrais elétricas a carvão serão retiradas da rede o mais tardar em 2025. Embora o carvão continue sendo uma importante fonte de geração de eletricidade para alguns países da UE, os compromissos para atingir a meta de zerar as emissões líquidas exigirão que a União Europeia adote rapidamente novas fontes limpas de energia. Outra área é a infraestrutura de petróleo e gás. Em termos mundiais, há inúmeras perguntas que os proprietários de ativos devem fazer. Por exemplo, quando os veículos com motor de combustão interna (MCI) serão proibidos? Com que rapidez os consumidores mudarão para os VEs? Ou com que rapidez as economias serão capazes de mudar para o gás ecológico? Da mesma forma, receitas que antes pareciam consolidadas, como as de certas rodovias pedagiadas, agora poderão ficar menos previsíveis porque poderá haver menos tráfego nos próximos dez anos.

Se as economias esperam atingir os objetivos relacionados às mudanças climáticas, os líderes dos setores público e privado precisarão enfrentar os desafios dos ativos encalhados, levar em consideração as diretrizes e políticas climáticas mais recentes e determinar quando buscar oportunidades e quando sair. Por exemplo, é mais válido fazer engenharia reversa de tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CAC) ou introduzir opções mais novas e mais limpas?

Perguntas cruciais para a implementação de uma “recuperação verde”

Determinar como avançar em uma recuperação verde requer uma mudança em grande escala no papel que a infraestrutura desempenha nas economias. As perguntas a seguir, que geralmente resultam em respostas interdependentes, podem ajudar a determinar o caminho futuro do setor.

Como os atuais proprietários de ativos e os futuros investidores podem gerir o risco e aproveitar as oportunidades?

Tanto os proprietários quanto os investidores devem entender a rapidez da transição nos próximos dez a 15 anos, bem como quais mercados farão a transição completa (o que requer projetos novos, ou greenfield) e quais serão apenas afetados (o que requer projetos em instalações existentes, ou brownfield).

Por exemplo, os setores midstream de gás e transporte provavelmente precisarão fazer a transição para se adaptar a gás ecológico e combustíveis à base de hidrogênio, enquanto o setor de energia poderia adotar tecnologias de CAC.

Uma visão clara dos desafios pode ajudar a identificar oportunidades e, mais importante, evitar riscos referentes a ativos encalhados. Tendo em mente essa visão, as empresas também precisarão utilizar investimentos existentes – ou atrair novos – em projetos greenfield e brownfield, o que requer uma avaliação atenta dos ativos existentes, das novas oportunidades de investimento e as das últimas mudanças nas políticas.

Como os investidores devem incorporar as diretrizes e políticas climáticas atuais às suas decisões?

Os ativos devem ser preparados para o futuro de acordo com as diretrizes climáticas atuais. Por exemplo, ativos situados em áreas costeiras provavelmente precisarão de investimentos substanciais para elevar sua resiliência climática a um nível capaz de proteger seu valor por muitas décadas. Em contraposição, pense nas rodovias pedagiadas que têm postos de combustível. Esses postos serão necessários por muitos anos – embora com demanda em queda ao longo do tempo – até que novas regulamentações eliminem progressivamente os veículos com MCI. No entanto, observando-se a transição iminente para VEs, fica claro que há uma necessidade de criar uma infraestrutura de alcance nacional para atender aos VEs, além de unidades de carga de destino em shopping centers e aeroportos. A mesma lógica se aplica ao fornecimento de energia a ônibus e veículos pesados elétricos.

Estão surgindo muitas novas tecnologias e startups – todas alegando fornecer as soluções mais rápidas e limpas. Portanto, é fundamental que os proprietários compreendam os desafios nos níveis técnico e econômico, identifiquem as oportunidades correspondentes em todos os setores e busquem parcerias que sejam mutuamente benéficas. A título de exemplo, uma recente parceria entre duas empresas europeias resultará no uso de infraestrutura eólica offshore para gerar hidrogênio, que será então injetado diretamente na rede de gás natural para reduzir as emissões. Assim, todos se beneficiam: os principais players de infraestrutura que são proprietários das redes de gás; o próprio setor, que se descarboniza; e os clientes que recebem um produto mais limpo e ecológico.

Como os formuladores de políticas podem cumprir os planos de descarbonização?

Investir em infraestrutura voltada à descarbonização envolve um horizonte de várias décadas para qualquer ativo. Em um mundo incerto, no qual as condições estão em constante mudança e a tecnologia está sempre evoluindo, as empresas e os formuladores de políticas precisam ser realistas com relação à implementação das mudanças, e os governos precisam ser claros e transparentes quanto à evolução de suas políticas. Nos Estados Unidos, por exemplo, as mudanças ocorrem tanto no nível federal quanto no estadual. Departamentos locais de transporte também precisam ser envolvidos. No Reino Unido, as obrigações impostas aos órgãos reguladores provavelmente precisarão ser redefinidas para atender às necessidades em rápida evolução das economias de carbono líquido zero.

Independentemente da região, é essencial que haja uma discussão aberta sobre como as economias podem empregar melhor o capital público e privado para criar uma infraestrutura limpa e isenta de emissões. Isso significa entender os mercados nos quais a concorrência saudável funcionará, aqueles que requerem intervenção regulatória e onde e como o governo e o capital privado podem trabalhar em parceria, o que inclui orientações claras dos governos sobre os modelos de financiamento de infraestrutura preferenciais para permitir o investimento de capital privado.

Por fim, será vital entender o que se encaixa na descrição de “infraestrutura digna de investimento”. Alguns elementos das novas tecnologias necessitarão de respaldo governamental para avançarem a ponto de o perfil de risco ser suficientemente reduzido para o capital privado.

Tecnologias ou ativos relativamente novos – como baterias mais potentes, CAC, parques eólicos offshore flutuantes, VEs e gás hidrogênio – exigem diferentes modelos de financiamento para ajudar no desenvolvimento inicial e trazer capital privado com diferentes níveis de risco e retorno. E os governos, os investidores, os órgãos reguladores e a sociedade têm, todos, um papel a desempenhar.

As decisões tomadas hoje por proprietários de ativos, investidores e formuladores de políticas não devem ser vistas de forma superficial, já que afetarão as gerações futuras. É fundamental não apenas agir agora, mas agir de maneira decidida. Do mesmo modo, as expectativas da sociedade quanto ao que significa “fazer a coisa certa” vêm mudando, inclusive onde as pensões são investidas, como os ativos são geridos e como os requisitos de comunicação são divulgados. Embora as oportunidades estejam aumentando em número, a barreira para o sucesso provavelmente está ficando mais alta. No fim das contas, obter os conselhos certos costuma ser uma questão de fazer as perguntas certas.

O Voices destaca uma variedade de perspectivas de líderes de projetos de infraestrutura e capital de todas as regiões e cadeias de valor. A McKinsey & Company não endossa as organizações que contribuem com o Voices nem os pontos de vista delas.

Este artigo foi publicado originalmente na página da Global Infrastructure Initiative da McKinsey & Company.