Liderança em mineração com gestão lean

| Entrevista

Os lagos de salmoura que a empresa chilena de mineração Sociedad Quimica y Minera (SQM) opera no longínquo deserto de Atacama abrangem mais de 50 km2. Juntos, eles constituem um dos maiores locais do mundo de extração de minerais essenciais, como o potássio para fertilizantes e o lítio para baterias. Combinados com a mineração mais convencional de minérios de iodo e nitrato, eles sustentam um negócio com faturamento de mais de US$7,1 bilhões em 2015.

No início do séc. XXI, com o abrupto término do boom de commodities, a SQM viu-se inesperadamente vulnerável. Nos últimos anos, porém, a empresa identificou uma nova fonte de crescimento: seu próprio pessoal. Juan Carlos Barrera (vice-presidente das operações de potássio e lítio da SQM), José Miguel Berguño (vice-presidente de pessoal e performance) e Carlos Diaz (vice-presidente de nitrato e iodo) conversaram com Christian Johnson e Ferran Pujol no escritório da McKinsey em Santiago.

McKinsey: Voltando a 2013, que pressões levaram a SQM a pensar em transformar-se?

Juan Carlos Barrera: O ano anterior, 2012, foi muito bom para nós em termos de resultados. Produção, rentabilidade, vendas – quase todas as métricas pareciam estar melhorando. No entanto, vimos que também os custos estavam em elevação. Começamos a pensar no que poderia acontecer se os preços entrassem em queda.

José Miguel Berguño: O SQP-100 proporcionou economias substanciais – perto de 10% da nossa base de custos. A essa altura, no entanto, percebemos que nossa organização não estava necessariamente preparada para tirar pleno proveito da nossa nova posição competitiva.

McKinsey: Esse é um objetivo muito diferente.

Carlos Diaz: Sim, e que exigia uma estrutura organizacional diferente. Não foi uma surpresa – eu diria que, nas duas últimas décadas, passamos por uma reorganização aproximadamente a cada cinco a sete anos. Além disso, a cada três ou quatro anos implementamos outro projeto de redução de custos.

Juan Carlos Barrera: Mas aí os custos voltavam aos poucos a subir. Assim, a pergunta passou a ser “por que não fazemos algo diferente para não precisarmos sempre implementar essas reestruturações e campanhas de custos?”

José Miguel Berguño: Essa era a nossa esperança. Nossa aspiração imediata, no entanto, era simplesmente manter o que já tínhamos alcançado. Nesse momento, visitamos uma empresa dos Estados Unidos que ostenta um longo histórico de gestão lean em manufatura. E isso realmente mudou nossa visão.

McKinsey: O que chamou a sua atenção nas operações dessa empresa?

Juan Carlos Barrera: Duas coisas se destacavam, porque pareciam ser contraditórias entre si. Por um lado, os funcionários tinham uma identificação verdadeira, de corpo e alma, com a empresa. Mas por outro lado, a empresa dependia muito menos do que nós de pessoas individualmente. Na nossa organização, sabíamos que, em muitos lugares, se a pessoa “errada” saísse de férias, a performance diminuiria.

José Miguel Berguño: Para nós, algumas pessoas eram quase artistas – a expertise delas era única.

Juan Carlos Barrera: A dependência de “artistas” nos tornava vulneráveis. Depois desse grande processo de redução de custos, pensamos como poderíamos algum dia aumentar de novo a produtividade, já que éramos tão dependentes de pessoas específicas. Na empresa que visitamos, pelo contrário, era muito mais fácil substituir uma pessoa por outra.

McKinsey: No entanto, ao mesmo tempo, as pessoas pareciam ainda mais comprometidas com a empresa. Como vocês conciliaram essas duas ideias?

Juan Carlos Barrera: A princípio, achávamos que talvez nosso pessoal não tivesse as qualificações certas para fazer o tipo de coisas que as pessoas da outra empresa faziam. Lembro-me de observar os trabalhadores de linha dessa empresa e pensar: “eu contrataria esses trabalhadores como supervisores”.

Carlos Diaz: Isso abriu nossos olhos. Com o tempo, percebi que o principal desafio de uma transformação é transformar líderes. Você pode achar que o problema são os trabalhadores. Mas na realidade, o problema provavelmente é você. No começo eu pensei: “Eu sou um vice-presidente. Venho fazendo as coisas certas há 20 anos, por que precisaria mudar?”

McKinsey: O que convence uma pessoa a mudar quando ela é bem-sucedida há 20 anos?

Carlos Diaz: Tínhamos algumas vantagens. Uma delas é nosso histórico de conseguirmos nos adaptar rapidamente. Outra é que gostamos de desafios. Por exemplo, as condições geológicas do norte do Chile são tão diferentes de qualquer outro lugar que não adianta procurarmos tirar lições dos processos dos outros. Precisamos constantemente inventar técnicas novas.

Juan Carlos Barrera: Além do mais, nossas operações são muito diferentes das que você veria em uma típica empresa que adota a gestão lean. Não moldamos um determinado grau de aço ou alumínio para fabricar componentes automobilísticos padrão. Nossas matérias primas podem mudar radicalmente de um dia para outro.

José Miguel Berguño: Víamos o que a gestão lean poderia fazer, mas por sermos tão diferentes, era um risco. O desafio era adaptar as ideias – a mentalidade de manufatura – ao nosso caso. Isso foi o que envolveu nosso pessoal, do topo à linha, começando pelo nosso CEO.

McKinsey: Então, o desafio de adaptar a gestão lean envolveu os seus líderes. E no caso dos outros, qual era a atração?

Juan Carlos Barrera: Nosso compromisso era melhorar a vida no trabalho do nosso pessoal. O fato de sermos tão dependentes de pessoas específicas para fazer coisas específicas tornava o trabalho muito mais difícil do que precisaria ser.

McKinsey: A empresa tinha acabado de passar por uma grande iniciativa de corte de custos, a SQM-100. As pessoas compraram a ideia de uma vida melhor no trabalho?

José Miguel Berguño: No começo, alguns achavam que estava a caminho um “SQP-200” – mais cortes de custos. Demos ao projeto um nome diferente, “M1,” para deixar claro que seria diferente, e passamos muito tempo falando com todos que o que estava em jogo era uma mudança da nossa cultura. Escolhemos uma das plantas de Carlos para ser o piloto.

Carlos Diaz: Era uma planta antiga, com processos muito estáveis, e por isso seria fácil ver os efeitos da gestão lean. Além disso, duas plantas do negócio de nitratos haviam sido combinadas recentemente, e percebemos que a integração seria uma boa oportunidade para introduzir ideias novas. Contávamos também com alguns líderes muito fortes no local.

McKinsey: Qual foi a reação das pessoas?

Carlos Diaz: No começo, muita gente disse, “Tudo bem, já fizemos isso muitas vezes, com muitos nomes diferentes. Pegamos um monte de quadros brancos, escrevemos neles nossos principais indicadores de performance, e dali a quatro meses a iniciativa vai por água abaixo. Portanto, daqui a quatro messes essa iniciativa também vai naufragar e vamos voltar ao normal.” Às vezes, as pessoas tomaram melhorias – até as grandes, como um aumento de 10 ou 20% na produção – como uma crítica, como se antes elas estivessem fazendo alguma coisa errada.

José Miguel Berguño: Isso nos fez trabalhar ainda mais para incluir todos no processo, nos workshops e sessões de problem solving, e usar ferramentas novas para encontrar potenciais de melhoria. Queríamos que todos vissem e, mais importante ainda, que sentissem que as mudanças eram de fato provenientes deles.

Juan Carlos Barrera: Os resultados foram bons. Eu sempre ouvia falar deles, apesar de pertencer a uma linha de negócios totalmente diferente. De fato, aqui na operação de potássio e lítio, estávamos tão convencidos que decidimos lançar a iniciativa não apenas em uma, mas em duas plantas.

McKinsey: E como foi começar em duas ao mesmo tempo?

Juan Carlos Barrera: Provavelmente era cedo demais para as duas; aqui na empresa somos naturalmente competitivos e isso nos levou a tentar fazer coisas demais. Uma dessas plantas já operava com níveis muito elevados de produção, e assim não havia muitas oportunidades de mostrar melhorias. Percebemos que nossos gerentes e supervisores estavam no limite – e isso não melhorava a vida deles no trabalho, que era o objetivo que tínhamos em mente.

José Miguel Berguño: Decidimos dar um tempo. Foi uma decisão difícil, mas que nos permitiu adaptar um pouco mais alguns conceitos da gestão lean para ter certeza de que funcionariam para o nosso pessoal. Começamos por mudar a ordem de introdução de novas habilidades, para compatibilizar melhor o que as pessoas estavam aprendendo com os problemas reais com que estávamos lidando. Também simplificamos a linguagem. Dessa forma, conseguimos manter a estrutura geral e responder a necessidades mais imediatas, para que as pessoas pudessem ver como a gestão lean poderia ajudá-las.

McKinsey: Como as suas plantas ficam em locais distantes, o que vocês fizeram para que o pessoal de campo acreditasse nas mudanças?

José Miguel Berguño: Sabemos que, em algumas transformações, as empresas criam uma estrutura quase duplicada de agentes de mudança. O que decidimos, desde o início, é que nossos agentes de mudança viriam da organização de linha e que seu papel era apoiar os líderes de linha e não criar uma estrutura paralela de liderança.

Carlos Diaz: E eles precisavam estar nas operações. Nossos processos são tecnicamente complexos e por isso não era viável nossos agentes de mudança ficarem instalados em Santiago e visitarem o norte da Chile uma vez por semana para fazer algumas recomendações. Eles precisavam estar no campo, trabalhando comigo, com os supervisores e com nosso pessoal nas operações. E precisavam conhecer muito bem os processos, o que significava que precisavam ser pessoas de alta performance.

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McKinsey: A iniciativa começou há mais ou menos três anos. Qual é a sensação atual na organização?

Juan Carlos Barrera: Para mim, o maior resultado foi que melhoramos nossa performance – custos, produção, segurança – e ficamos ainda mais flexíveis. Há pouco tempo, decidimos selecionar outra planta para gestão lean. Para que a transformação deslanchasse melhor, transferimos 15 pessoas de uma das primeiras plantas que transformamos. Essas pessoas representavam quase um quarto da equipe, incluindo o gerente e o gerente assistente. A primeira planta continuou a melhorar, da mesma forma que vinha fazendo antes dessa transferência, e a segunda planta vem registrando um grande progresso.

José Miguel Berguño: Foi algo totalmente novo para nós. Agora, podemos remanejar pessoas para ajudar a melhorar a performance em outra área, sem prejudicar a performance das áreas de onde elas vieram.

Carlos Diaz: A bem da verdade, devo dizer que a princípio meu objetivo era apenas reduzir um pouco mais os custos. No entanto, no decorrer do processo, fiquei muito mais focado em desenvolvimento de pessoas. Consigo ver o que as pessoas podem fazer e o que tem importância no longo prazo.

McKinsey: O que as pessoas estão fazendo de maneira diferente agora?

Carlos Diaz: Costumávamos dizer: “trabalhamos em equipe”, mas na maior parte do tempo não era muito em equipe – o supervisor dava uma ordem e os trabalhadores obedeciam. Hoje em dia, é mais uma conversa, as pessoas estão mais abertas a ouvir as outras. Qualquer um pode fazer uma apresentação ou manifestar uma opinião fundamentada. Por causa disso, as pessoas trabalham mais como uma equipe para procurar resolver problemas.

Juan Carlos Barrera: Muitos dos nossos funcionários passaram a ver a si mesmos como solucionadores de problemas. Antes, eles levavam os problemas para o supervisor ou o gerente; agora, gradualmente, eles estão aprendendo a aprimorar o que fazemos como empresa.

José Miguel Berguño: Há dois anos, eu diria que cabia aos gerentes ou líderes atingir novos objetivos, arrastando o pessoal atrás de si. Agora, temos tanta gente procurando melhorar o que fazemos, na empresa toda, que são os funcionários que arrastam os gerentes atrás de si. O papel dos gerentes é muito mais o de facilitar a implementação das ideias dos outros.

McKinsey: E como líderes, o que vocês estão fazendo de maneira diferente?

José Miguel Berguño: Como líder, meu estilo era exercer o maior controle possível sobre tudo que acontecia na minha área. Eu achava que era assim que eu gerava valor para a organização e, portanto, tomava muitas decisões, até decisões menos importantes. Acho que eu realmente era o gargalo. Agora, consigo resultados melhores quando procuro desenvolver mais as pessoas e fazer perguntas a elas, de modo que a decisão possa vir delas, e não de mim.

Juan Carlos Barrera: Eu me concentrava em muitos detalhes. Mas precisamos ter humildade e ver que as pessoas podem tomar boas decisões e que nossa tarefa é ajudá-las nesse sentido. Não se trata de desenvolver apenas meus subordinados imediatos; penso em todos os níveis, porque as pessoas são o futuro da nossa empresa.

Carlos Diaz: Para mim, ficou mais fácil falar com as pessoas. Antigamente, se eu precisasse falar com os trabalhadores de linha, precisava marcar uma reunião especial. Agora, como participo sempre das reuniões de performance, tenho condições de saber o que está acontecendo em cada planta e conversar informalmente com as pessoas, sempre que necessário. Também tenho uma consciência muito maior do tempo das pessoas. Quero mostrar ao meu pessoal que o que eles fazem é importante para a SQM, e isso significa minimizar as interrupções do dia delas.

McKinsey: O que vocês veem como os próximos desafios de gestão lean na SQM?

Carlos Diaz: Para mim, a próxima tarefa é a inovação. Este é o significado mais profundo da melhoria contínua – encontrar as novas ideias que nos ajudem com nossos processos únicos.

Juan Carlos Barrera: Isso, sem deixar de manter nossa flexibilidade e reatividade.

José E a nova maneira de trabalhar. Vejo como as pessoas têm mais informações, mais espaço para discutir ideias – e isso torna melhor o trabalho delas no dia a dia. Esta é a nossa intenção.

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